quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Presidente da Companhia das Lezírias lembra responsabilidade social e ambiental para afastar qualquer ideia de privatização

Entrevista
António João de Sousa já tem plano para recuperar Fundação Alter Real
cujos problemas levaram ao afastamento do seu antecessor

Assume-se como um gestor prudente que avalia bem os riscos. Após
quatro meses no cargo diz-se em condições de tomar decisões. Um dos
investimentos que, para já, vai ficar adiado é o da central de
biomassa. Sobre o turismo agro-ambiental que vinha sendo anunciado
como uma das apostas, avisa que ainda não é rentável embora o possa
vir a ser no futuro. A quem insinua que está onde está por ser amigo
do Ministro da Agricultura lembra que tem currículo e que a amizade
não deve ser factor de penalização.


De professor do Departamento de Gestão da Universidade de Évora a
gestor da maior empresa agrícola pública portuguesa. Como está a viver
esta nova responsabilidade?
O mundo das empresas não me é estranho. Já fazia consultadoria e
assessoria a algumas. Estou tranquilo. Eu não sou apologista de
mudanças radicais.
Há quem defenda que o seu antecessor, Vítor Barros, foi o pior gestor
da Companhia das Lezírias (CL) desde o 25 de Abril. Isso torna o seu
trabalho mais fácil?
Eu não emito juízos de valor sobre qualquer ex-director desta empresa.
Os meus antecessores tiveram os seus méritos e os seus pontos fracos
mas não me compete a mim falar disso. Quanto a mim, penso que com
trabalho as coisas vão correr bem.
O que diria aos que o acusaram de ter sido colocado neste cargo apenas
por ser amigo do actual ministro da Agricultura, António Serrano ?
Acho que isso não é factor limitativo de eu não poder aceitar um cargo
destes, acho que seria injusto. O facto de ser conhecido, amigo ou
seja o que for, não deve ser factor de penalização. Eu tenho um
currículo que é público, não está escondido.
Por agora está afastada a possibilidade de privatização da Companhia
das Lezírias, mas a situação pode mudar de um momento para o outro
dada a situação actual do país. Como encara essa possibilidade?
Seria um desperdício uma empresa destas passar a ser privada. Até
porque há aqui uma vertente de responsabilidade social e ambiental a
preservar. É evidente que a companhia é uma empresa apetecível, quer o
contexto seja de recessão ou de prosperidade económica, mas não
concordo com a sua privatização.
Quais são as suas prioridades para a Companhia das Lezírias?
Um bom gestor deve adequar a sua postura e as suas decisões aos
contextos. Um bom gestor é aquele que é "camaleão", no bom sentido do
termo. O contexto de futuro a curto prazo vai ser de crise económica.
Com base nisso, qualquer empresa deve ser rigorosa na gestão, cortar
custos, aumentar proveitos. E haverá também contenção de alguns
investimentos.
Cortar custos implica despedir trabalhadores?
Não, não está nada previsto em relação a despedimento de pessoal.
Tomámos a decisão de aumentar a área de produção de arroz a partir de
2011 e temos tido um bom escoamento dos produtos, tanto a nível
nacional como internacional. Estamos a exportar cada vez mais vinhos,
por exemplo. Eu tenho quase a certeza que este ano vamos ter o vinho
branco com melhor relação qualidade/preço do mercado.
O que espera do tão falado mercado chinês, por exemplo, a nível dos vinhos?
No último ano integrámos a comitiva que foi a Xangai. Também estivemos
em Hong Kong. Estamos a fazer algumas exportações mas temos de ser
realistas. Se cada chinês beber um copo de vinho à refeição não há
vinho em Portugal inteiro para a procura. Tudo tem de ser
relativizado. É bom estar nesse mercado mas a nossa produção é
limitada.
Se a agricultura falhar o turismo pode ser uma solução?
O ano passado foi um ano mau em termos agrícolas mas apesar disso a
Companhia teve lucro. A agricultura não vai falhar. Quanto ao
agro-turismo é um nicho que, por enquanto, ainda não é rentável mas
que tem potencial suficiente para o ser no futuro.
Qual a sua visão da agricultura portuguesa em geral?
Penso que tem havido recentemente um esforço enorme na área agrícola
para nos tornarmos mais auto-suficientes, o que é fundamental. Em anos
anteriores Portugal descurou um pouco esse aspecto, com os subsídios à
não produção. Agora chegámos a uma situação complicada em termos de
auto-suficiência.
Estava previsto para 2010 a entrada em funcionamento de uma central de
biomassa que daria emprego a 12 pessoas. Por que é que não arrancou?
Esse é um dos projectos que está a ser reavaliado. Tinha algumas
variáveis que ainda não estavam completamente analisadas e verificámos
que poderia haver problemas no abastecimento de matéria-prima. Não
avançaremos para um projecto dessa natureza se a matéria-prima não
estiver suficientemente salvaguardada. É uma área atractiva mas neste
contexto tem os seus riscos.
Qualquer investimento implica riscos. É um gestor que não arrisca?
No contexto actual tenho de ser mais rigoroso e prudente. Devo ter
cuidados acrescidos com os investimentos. Num contexto de prosperidade
é possível arriscar mais. Não sou irresponsável para usar o risco a
100% num contexto de crise. Isso poderia colocar as instituições de
que sou responsável em perigo e não o farei. A central de biomassa
iria custar à volta de 6 milhões de euros.
O que falta para aproximar mais a população da Companhia?
A Companhia das Lezírias teve sempre uma interacção muito grande com a
comunidade. O facto da sua sede ser em Samora Correia é o sinal mais
claro dessa proximidade. É uma relação para continuar e porventura
para aprofundar. Cada vez que somos solicitados respondemos e vamos
continuar a colaborar na cedência dos nossos espaços e em tudo o que
nos solicitam. Haverá sempre da minha parte um relacionamento saudável
entre a comunidade e a companhia.

A maior exploração agro-pecuária e florestal do país
A Companhia das Lezírias é a maior exploração agro-pecuária e
florestal existente em Portugal, compreendendo a Lezíria de Vila
Franca de Xira, a Charneca do Infantado e os Pauis (Belmonte, Lavouras
e Magos), num total de quase 18.000 hectares.
A Lezíria está compreendida entre os rios Tejo e Sorraia e é dividida
pela Recta do Cabo (E.N. 10 - Vila Franca de Xira/Porto Alto) em
Lezíria Norte e Lezíria Sul.
A Lezíria Norte é constituída por cerca de 1.300 hectares explorados
indirectamente (rendeiros). A Lezíria Sul tem cerca de 5.200 hectares,
dos quais 3.000 ha são explorados indirectamente (rendeiros) e um
pouco mais de 2.000 ha estão afectos a pastagens e/ou à produção de
forragens.
A Charneca do Infantado e os Pauis perfazem uma área de cerca de
11.500 hectares. A seguir à área de pastagens/forragens, a cultura
predominante (Pauis) é a do arroz num total de 1.100 hectares, seguida
de 140 hectares de milho (sob pivot).
A Companhia das Lezírias passou por muitas vicissitudes ao longo da
sua existência, sendo nacionalizada em 1975 e tendo passado, em 1989,
a Sociedade Anónima de capitais exclusivamente públicos.
O site da Companhia das Lezírias, de onde foi retirado este texto,
está alojado no endereço electrónico http://www.cl.pt. Ali é possível
obter informações detalhadas referentes à mesma.

Quando jogou à bola era guarda-redes
António João Coelho de Sousa, 49 anos, nasceu em Évora mas viveu
grande parte da sua vida em Viana do Alentejo, onde é presidente da
assembleia municipal, eleito pelo Partido Socialista. Tomou posse do
cargo de presidente da Companhia das Lezírias a 19 de Julho de 2010. É
licenciado e mestre em gestão de empresas na área agrícola e
agro-alimentar, estando como chefe do departamento de gestão da
Universidade de Évora até aceitar o cargo de presidente da CL. A sua
área de investigação era a gestão estratégica de vinhos.
Reside na periferia de Évora demorando cerca de uma hora de viagem
entre a sua casa e a Companhia. Não tem motorista. Durante as viagens
está atento aos noticiários e aproveita para fazer alguns telefonemas
relacionados com trabalho.
Garante que é uma pessoa simples e do campo, onde foi criado. Quando
chegou à Companhia das Lezírias quis dar um toque pessoal ao seu
gabinete mas confessa que ainda não teve tempo. "Talvez nas férias",
diz com um sorriso. Diz que chega a trabalhar em média 12 horas por
dia. Estar longe da família, nomeadamente da filha de 10 anos, é o que
mais lhe custa.
Os seus tempos livres são passados com a família e a ver futebol,
modalidade que praticou quando era mais novo. Foi guarda-redes no
Sporting Clube Viana do Alentejo. É sócio do Benfica. Também praticou
ténis de mesa mas teve de abdicar por falta de tempo. Gosta de ler mas
ultimamente as suas leituras estão confinadas a relatórios e
documentos relacionados com as suas novas funções.
Continua a ser professor na Universidade de Évora. Dá aulas aos
fim-de-semana no âmbito de mestrados e doutoramentos. "Sou exigente
comigo e com os outros", garante. Ao abrigo das parcerias que a
Universidade de Évora mantém já deu aulas em Santarém e em Luanda.

"A Fundação Alter Real tal como está não é viável"
O presidente da Companhia das Lezírias é por inerência presidente da
Fundação Alter Real (FAR). Defende um gestor para cada uma das
Instituições?
A minha convicção é de que as duas instituições ficam a perder havendo
um único gestor, porque são diferentes e exigem uma atenção a tempo
inteiro. Eu sou apologista de que deve haver um gestor, chamemos-lhe
um "presidente executivo" a tempo inteiro com presença física
permanente na Fundação Alter Real e um gestor a tempo inteiro,
presidente da Companhia das Lezírias, aqui em Samora Correia.
Consegue-se muito mais rendimento do presidente se ele tratar apenas
de uma das instituições.
A Fundação Alter Real foi apontada como um dos motivos para a mudança
de liderança da companhia. É uma fundação viável?
É uma instituição que tem os seus problemas específicos que já estão
diagnosticados. Foi uma tarefa árdua. Deitei-me muitas vezes de
madrugada para fazer um diagnóstico apurado dos problemas da fundação.
Tem problemas organizacionais, institucionais e, o principal, de ordem
económico-financeira. Já apresentei um plano para a tornar viável,
porque como está agora não é viável. Necessita de gestão e medidas
rigorosas.
Que medidas são?
Digo-lhe que será viável sendo sustentada financeiramente, em parte,
pelo serviço público e em parte pelo sector privado. Um dos pilares
desse plano foi delimitar e definir o que é o serviço público dentro
da fundação e valorizá-lo. Atribuir-lhe um valor, a que chamei Valor
Económico do Serviço Público, em que o Estado será chamado a financiar
a sua parte. O restante será gestão privada.
Esse plano envolve despedimentos na fundação?
Não vai envolver despedimentos, é um plano que mexe sobretudo nos
ganhos de eficiência. Ver em que é que a Fundação Alter Real está a
ser menos eficiente e introduzir uma gestão mais rigorosa que dê mais
actividade a alguns sectores que estavam adormecidos.
E a ideia de construir as novas instalações para a Escola Portuguesa
de Arte Equestre no antigo regimento de cavalaria 7 em Lisboa?
Esse projecto foi considerado não exequível pelo Ministério da
Agricultura. É um assunto já passado.
Desbloqueou recentemente um importante protocolo que se arrastava há
vários anos…
O protocolo entre a Associação Puro Sangue Lusitano, a Associação
Brasileira de Puro Sangue Lusitano e a FAR, era um protocolo que já
tinha passado por várias negociações, já se arrastava há quase 3 anos
e foi assinado na sede da Companhia das Lezírias no dia 1 de Outubro.
Avançava, recuava e não se conseguia chegar a bom porto. Em pouco
tempo consegui reunir as condições para que isso tivesse acontecido.
Recebi os representantes das associações e consegui reunir as
condições para assinar esse protocolo, que é muito importante, porque
estava eminente uma cisão entre as associações e isso seria dramático
para a raça dos puro sangue. Foi uma grande vitória. Não tanto para
mim mas para o sector equino e muito importante para Portugal.
Quando se espera que a Fundação equilibre as suas contas?
A fundação nasceu em 2007. Foram três anos de prejuízos. O de 2010
também foi e a Fundação há-de continuar a dar prejuízo até ao plano
que apresentei ser implementado. A dívida deve andar à volta de 500
mil euros. O ano passado foi de quase 400 mil e no outro anterior
rondou um milhão.
Diga o que pensa sobre este Artigo. O seu comentário será enviado
directamente para a redacção de O MIRANTE.
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