terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Défice da balança alimentar cresceu 23,7 por cento na última década

Portugal vai ter de pagar mais para garantir a alimentação
10.01.2011 - 07:19 Por Ana Rita Faria
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Temos de importar mais de 60 por cento da carne que consumimos,
deixámos de ter produção de açúcar e só há pouco tempo começámos a
plantar olival.
Boa parte dos produtos agrícolas que consumimos são importados
(Pedro Elias/ arquivo)
E temos de importar praticamente tudo o que consumimos em matéria de
cereais, até mesmo para alimentar o gado nacional. Nos últimos dez
anos, o défice da nossa balança comercial alimentar disparou 23,7 por
cento. Os portugueses estão cada vez mais dependentes do estrangeiro
para comer e, por isso, cada vez mais vulneráveis a uma escalada dos
preços das matérias-primas alimentares como a que está a acontecer
agora.

De acordo com os dados da Organi- zação das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO), os preços das matérias-primas
alimentares nunca estiveram tão altos como agora. O índice da FAO, que
reúne 55 produtos diferentes, atingiu em Dezembro o recorde histórico,
depois de ter estado a subir durante seis meses consecutivos. O
açúcar, os óleos e os lacticínios acumulam as maiores subidas desde
2009, mas os cereais e a carne também estão a aumentar.
O ministro da Agricultura, António Serrano, disse na semana passada ao
Jornal de Negócios que esta nova crise pode ser uma oportunidade para
Portugal, incentivando os produtores. Mas a verdade é que o país está
mais vulnerável do que nunca a um choque de preços deste tipo, devido
à elevada dependência do estrangeiro para se abastecer da maioria dos
alimentos.
Para já, a escalada dos preços ainda não se traduziu em subidas
significativas dos preços finais - a inflação nos produtos alimentares
rondava os 2,5 por cento em Novembro - mas já fez aumentar os custos
na importação de alguns produtos. É o caso dos de cereais que, só em
Outubro, dispararam 76,9 por cento, para os 71 milhões de euros. Os
gastos com compra de carne no exterior também subiram 1,4 por cento.
"Todos os factores de produção aumentaram de forma brutal, criando uma
situação insustentável para muitas empresas da fileira
agro-alimentar", revela Pedro Queiroz, director-geral da Federação das
Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA).
Problemas climatéricos que afectaram as colheitas ou as produções na
Rússia, na Argentina e na Austrália, aliados a um aumento da procura
por parte de países como a China e a Índia, ajudam a explicar a subida
dos preços das matérias-primas. Aos custos elevados, junta-se, em
Portugal, um "problema de soberania alimentar", decorrente "de anos e
anos de uma política agrícola comum que nos fez desinvestir na
produção", considera o director da FIPA.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o nosso
défice comercial (saldo entre as exportações e as importações de
alimentos) aumentou 23,7 por cento entre 1999 e 2009, totalizando 3,3
mil milhões de euros (ver infografia). Apesar de as exportações terem
crescido mais de 100 por cento nesse período, as importações também
subiram mais de 50 por cento e continuam a representar quase o dobro
dos produtos que exportamos. Ainda assim, o valor do défice face ao
produto interno bruto diminuiu, embora não tanto quanto seria de
esperar, passando de 2,3 por cento em 1999 para dois por cento em
2009.
Em 2010 (pelo menos até Outubro), e também em 2009, houve até reduções
ligeiras do défice alimentar, mas sobretudo devido à crise, que levou
a uma retracção das importações, enquanto as exportações mantiveram o
seu fôlego.
Impacto nos preços?
Para Maria Antónia Figueiredo, presidente do Observatório dos Mercados
Agrícolas e Importações Agro-Alimentares (OMAIAA), a escalada das
matérias-primas alimentares pode conduzir a um aumento dos preços
finais para o consumidor, mas isso "vai depender dos agentes do
mercado e da existência ou não de stocks suficientes". Alguns
sectores, como o da produção de pão e de carne, não tencionam
repercutir nos preços finais o aumento dos custos com as
matérias-primas (ver textos ao lado). O mesmo se passa com os grandes
retalhistas.
"Nos últimos anos, o sector da distribuição tem conseguido acomodar os
aumentos das matérias-primas, comprando mais caro ao produtor e não
repercutindo isso no consumidor, e é natural que continue a fazê-lo",
afirma Luís Reis, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de
Distribuição. O responsável considera que "o aumento da eficiência no
sector torna pouco provável a subida dos preços este ano, ainda para
mais num cenário em que se prevê uma queda do consumo privado.
Mas, enquanto Portugal ainda só receia um aumento dos preços, outros
países já estão a pagar a factura. Moçambique foi o primeiro a dar
sinais de alarme, quando, em Setembro de 2010, 13 pessoas foram mortas
durante protestos contra o aumento de 30 por cento no preço do pão. Na
semana passada, contestação tomou de assalto a Argélia, onde os preços
do açúcar e do óleo dispararam. O principal receio é que uma nova onda
de agitação social atinja os países menos desenvolvidos como aconteceu
durante a crise alimentar de 2007-2008.
Nessa altura, um cocktail explosivo de más colheitas agrícolas,
aumento da procura por parte dos países emergentes, maior produção de
biocombustíveis, à mistura com a especulação nos mercados, provocou
uma subida gigante nos preços das matérias-primas alimentares.
http://economia.publico.pt/Noticia/portugal-vai-ter-de-pagar-mais-para-garantir-a-alimentacao_1474388

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