domingo, 13 de março de 2011

E viva a agricultura!!!

Opinião
Por Sevinate Pinto

Se o assunto não fosse dramático, acabaria por ser engraçado ouvir
tantos portugueses importantes dizer que é preciso dar atenção à
agricultura, que é preciso investir na agricultura. Além da situação
alimentar mundial, acredito que para isso também conte a nossa própria
crise e sobretudo as importações de produtos alimentares, que, apesar
de não atingirem a dimensão que muitos lhe atribuem, não deixa de ser
excessivamente elevada e até injustificada (em 2010 importámos 6282
milhões de euros de produtos alimentares de origem agrícola e
exportámos 3284 milhões de euros, o que, tendo em conta a nossa
produção, nos dá uma dependência externa de cerca de 30 por cento e
não de 70 por cento como tanta gente diz). Venho apenas juntar-me a
todos os que desejam uma séria reflexão sobre a nossa agricultura,
sobre os seus males e respectivas soluções.

O contexto não poderia ser mais apropriado.
- Mesmo antes da actual crise alimentar, já havia em todo o mundo
cerca de 1000 milhões de seres humanos com fome e mal alimentados e
nos países mais atingidos morre uma criança em cada seis segundos, com
fome, malnutrição ou doença relacionada.
- Os 7000 milhões de seres humanos que hoje já somos aumentarão para
9000 milhões em 2050. Para os alimentar, precisaremos de produzir mais
70 por cento do que actualmente.
- Os preços dos produtos alimentares de base evoluem de forma
completamente desordenada (a que agora se chama volatilidade). Num ano
disparam, no outro quedam-se abaixo dos custos de produção dos
agricultores mais eficientes, para no ano seguinte dispararem outra
vez. Tudo isto sem que os agricultores tirem disso grande proveito,
até porque os custos também disparam em alguns casos a um ritmo mais
do que proporcional à evolução dos preços.
- A FAO inquieta-se, o G20 discute, a Comissão Europeia reflecte, a
comunicação social agita-se, os especialistas divergem e toda a gente
procura saber a hierarquia das razões para o que está a acontecer.
- Dizem os mais entendidos que acabou a era da comida barata e
concluem que a fome nos vai continuar a entrar em casa, em alguns
casos pelos ecrãs da televisão, noutros pela porta dos mais
desafortunados, quer dos países pobres, quer dos pobres dos países
ricos.
A boa notícia é que tudo isto permite chamar à razão os distraídos,
aqueles que consideravam a alimentação assegurada e que nunca pensaram
que no século XXI poderia haver revoltas, e até guerras com impacto
mundial, por causa da alimentação. Voltemos então à nossa agricultura.
Qual é a lógica de agora lhe devermos atribuir a importância e a
atenção que ela nunca deveria ter deixado de ter? As razões são
múltiplas e simples, a começar por ser uma das actividades com um
rácio custo/benefício público dificilmente igualável por qualquer
outra. Além disso:
- A segurança do abastecimento interno está a tornar-se um valor essencial;
- O sector é o que mais contribui para a utilização dos nossos
recursos, para a dinamização do mundo rural e para a necessária coesão
nacional;
- O seu valor acrescentado pode aumentar muito e muito rapidamente;
- O emprego agrícola, para além da sua importância objectiva, sempre
constituiu uma almofada social muito relevante;
- A importação de produtos agrícolas e florestais representa 14,2 por
cento do total das importações nacionais e pode ser bastante reduzida;
- A exportação de produtos agrícolas e florestais já representa 18 por
cento do total das exportações nacionais e pode ser significativamente
aumentada;
- A agricultura, as florestas e a agro-indústria estão entre os
sectores com maiores efeitos multiplicadores sobre a economia e com
reflexos em todo o território.
Sendo assim, perguntar-se-á: mas o que é que significa realmente
investir e dar mais atenção à agricultura? Se calhar, há entendimentos
diferentes sobre o assunto. O meu, julgo que é simples. Os objectivos
são, como sempre foram, consensuais: produzir mais e melhor, em todo o
território, com explorações e formas de organização adaptadas à sua
diversidade. Só se defende o ambiente com explorações viáveis e só há
agricultores se eles puderem viver da sua actividade. Quanto à
estratégia, ela só pode assentar no conhecimento técnico-científico e
na sua melhoria rápida, quer dos agricultores, quer dos técnicos,
investigadores, e professores dos vários tipos e graus de ensino
relacionados com o sector. Além das nossas limitações naturais, é no
conhecimento, ou na falta dele, que reside o factor decisivo do nosso
atraso de décadas e a mais significativa desvantagem competitiva da
agricultura portuguesa. Quanto às medidas, não chegará aprovarmos os
projectos de modernização das empresas e apoiá-los com dinheiros
públicos, o que, aliás, se tem tornado cada vez mais difícil e
aleatório, face à falta de dotações orçamentais com esse objectivo. É
também essencial:
- Acabar com as políticas erráticas que se alteram de dois em dois anos;
- Deixar de se reduzir de forma incompreensível o orçamento de
investimento do Estado que alavanca, com um rácio de um para cinco, as
centenas de milhões de euros europeus que temos à nossa disposição;
- Pensar a agricultura não só com a PAC, mas também para além da PAC;
- Reduzir as incertezas dos agricultores, não só com um sistema de
seguros eficiente mas também com uma administração, activa, capaz e
sensível à resolução dos seus problemas;
- Racionalizar e modernizar, e não desorganizar e desmotivar, a
administração do Estado;
- Rejuvenescer o tecido produtivo, apoiar as organizações agrícolas e
tornar a actividade mais amiga do ambiente e mais resistente às
alterações climáticas.
Se as palavras que agora ouvimos, vindas dos mais diversos quadrantes,
não são conscientes, é bom que o venham a ser, porque as crises como a
que agora vivemos se irão repetir com muita frequência. Elas são o
resultado de um descuido colectivo que nas últimas décadas orientou o
mundo, para valores artificiais, para consumos desnorteados e
viciantes, que esgotam os nossos recursos, e que, ou são radicalmente
alterados, ou tornarão num inferno a vida dos nossos filhos e netos.
http://jornal.publico.pt/noticia/13-03-2011/e-viva-a-agricultura-21542515.htm

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