segunda-feira, 4 de julho de 2011

José Graziano da Silva acredita que erradicar a fome é uma "meta razoável"

Director da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
03.07.2011 - 13:02 Por Rita Siza
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Quando tomar posse como director-geral da Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla original em
inglês), no início de 2012, o brasileiro José Graziano da Silva, de 61
anos de idade, terá de provar: primeiro, que erradicar a fome no mundo
não é a missão impossível que muitos acreditam ser, e, segundo, que a
organização que vai liderar não é irrelevante nem despiciente nesse
esforço, como muitos dizem que é.

(Foto: Alessia Pierdomenico/Reuters)
Isto porque, se existe consenso mundial em alguma coisa que diga
respeito à FAO, esse é de que a existência de 925 milhões de pessoas
com fome no mundo não é razoável, sustentável nem admissível, e
simultaneamente de que o funcionamento da FAO não é eficiente,
transparente e racional.
Criada em 1945 e com sede em Roma, a FAO é a maior agência da ONU, com
um quadro de 3600 funcionários e um orçamento anual da ordem dos mil
milhões de dólares. A sua responsabilidade é conduzir o programa
alimentar das Nações Unidas, com o objectivo último de eliminar a
fome. O seu papel é de proporcionar conhecimento, através de análises
e estudos ou de projectos, para apoiar as decisões políticas dos 191
estados-membros da ONU - que poderão ser doadores ou beneficiários.
Os principais projectos têm, naturalmente, que ver com a luta contra a
fome, um dos 25 Objectivos do Milénio definidos pelas Nações Unidas: a
meta é reduzir para metade o número de pessoas subnutridas até ao ano
de 2015. No ano passado, segundo os dados da FAO, a subnutrição no
mundo caiu pela primeira vez em 15 anos, de 1,02 mil milhões de
pessoas para 925 milhões (cerca de 13 por cento da população mundial).
Mas, para que se cumpra o objectivo, esse valor terá de ser reduzido
até aos 400 milhões de pessoas nos próximos três anos.
É uma tarefa hercúlea, mas Graziano da Silva parece particularmente
"apetrechado" para o desafio. Nascido em Urbana, uma cidade do
Illinois, nos EUA, mas com cidadania brasileira, José Graziano da
Silva, economista e agrónomo, foi o grande responsável pelo programa
federal Fome Zero lançado logo após a posse de Luiz Inácio Lula da
Silva como Presidente do Brasil e que envolveu todos os ministérios do
Governo.
Mais do que um projecto assistencial, tratava-se de uma política
abrangente de erradicação da pobreza, causa estrutural da fome e
exclusão social. Apesar das críticas internas, o programa foi
internacionalmente creditado por ter retirado 24 milhões de pessoas da
pobreza extrema e reduzido a taxa de subnutrição em 25 por cento.
Sem prazo
José Graziano da Silva graduou-se como engenheiro agrónomo na
Universidade de São Paulo em 1972, e mais tarde escolheu o tema da
"distribuição de rendimentos" no Brasil como tese de dissertação de
mestrado. Doutorado em Economia pela Unicamp, foi professor titular de
Economia Agrícola nessa universidade da cidade de Campinas e obteve
pós-graduações na Universidade da Califórnia e no Instituto de Estudos
Latino-Americanos da University College de Londres.
Depois de servir como ministro de Segurança Alimentar e Combate à
Fome, foi indicado pelo próprio Lula da Silva para o cargo de
representante regional da FAO para a América Latina e Caraíbas, que
ocupa desde 2006.
"Estou convencido, com base na minha experiência no Brasil e noutros
países, que erradicar a fome é uma meta razoável e alcançável", disse,
tendo o cuidado de nunca referir prazos específicos. Até porque a sua
convicção é que a actual alta do preço dos alimentos não é apenas uma
situação pontual, e inevitavelmente continuará a ter efeitos muito
adversos nas nações mais pobres e mais dependentes da importação de
bens alimentares.
"A questão dos preços dos alimentos é uma das mais urgentes e à qual
devemos ter uma atenção particular", alertou, sublinhando que "este
não é um desequilíbrio temporário". "É preciso chegar a uma
estabilização dos mercados financeiros internacionais, caso contrário
haverá reflexos sobre as cotações das matérias-primas", referiu.
O índice do preço dos alimentos coligido pela própria FAO alcançou um
novo pico máximo no passado mês de Fevereiro. Desde então, baixou
ligeiramente, mas não o suficiente para que os especialistas afastem
cenários de instabilidade e risco social, como os motins provocados
pela carestia alimentar em países como os Camarões, Moçambique, o
Haiti e o Egipto. O aumento dos preços dos alimentos, segundo as
estimativas do Banco Mundial, atirou 44 milhões de pessoas para a
pobreza desde Junho de 2010.Para Graziano da Silva, a "volatilidade" é
um obstáculo maior do que a "alta dos preços", por criar um ambiente
de incerteza que afecta tanto os produtores como os consumidores. E é
um factor que relega para um plano bastante mais secundário as
questões dos biocombustíveis ou do monopólio das multinacionais sobre
as sementes (que frequentemente refere como "um bem da humanidade"),
igualmente responsabilizadas pela subida dos preços.
Sobre a polémica quanto à utilização de colheitas agrícolas na
produção de combustíveis alternativos, a resposta é modelada na
comparação tantas vezes usada pelo antigo Presidente brasileiro, que
dizia que, nos biocombustíveis, como no colesterol, "há o que é bom e
o que é mau". "Por exemplo, a cana-de-açúcar produzida no Brasil para
o etanol não entra em competição com a produção de grãos e não tem
impactos ambientais", lembra.
Consenso mínimo
O futuro director-geral da FAO sabe da divisão (e das discordâncias)
entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento que
compõem a organização.
"Isso ficou patente logo no processo eleitoral", referiu, sem se
deixar surpreender. "Isso faz parte da vida quotidiana na FAO: eu já
convivia com essas diferenças todos os dias", recordou.
Aliás, Graziano da Silva explorou essa disputa Norte-Sul para garantir
a sua eleição: os 92 votos que conquistou vieram do G-77 (grupo de
países não-alinhados, onde se incluem quase todos os africanos), da
Indonésia e da China. As chamadas nações desenvolvidas votaram
maioritariamente no seu opositor, o espanhol Miguel Angel Moratinos
(88 votos). Portugal, como os restantes países de expressão
portuguesa, estiveram do lado do brasileiro.
"Pretendo agir de forma transparente e democrática para tentar
conseguir um consenso mínimo para gerir de modo participativo esta
organização e evitar a paralisia", declarou Graziano da Silva
imediatamente após a eleição.
Além disso, o futuro director-geral sabe da desconfiança com que
muitos países doadores - os principais, pelo menos - encaram a
actividade da FAO, que, durante os últimos 18 anos, foi liderada pelo
senegalês Jacques Diouf (três mandatos de seis anos).
A eficiência, e também a transparência, da operação da agência da ONU
está há vários anos em causa - e principalmente depois de uma
avaliação independente realizada em 2007, a pedido de vários
estados-membros, ter concluído que a organização se tinha tornado tão
disfuncional que corria o risco de se tornar "obsoleta".
O relatório, de 417 páginas, descrevia a FAO como uma organização "em
declínio acelerado", "conservadora e lenta em adaptar-se" à realidade,
com uma "burocracia pesada e dispendiosa", uma "cultura centralizada e
aversa ao risco".
O financiamento da organização também se tornava um problema. Entre
1994 e 2005, o orçamento da FAO caíra 31 por cento, concluiu o
relatório, notando que a situação financeira era "difícil" e em
"rápida deterioração".
De forma mais diplomática, Graziano da Silva reconheceu no seu
programa eleitoral que a FAO experimentara "um longo período de
negligência com a agricultura, a pesca, as florestas, o
desenvolvimento rural e a segurança alimentar no mundo".
Alguns países doadores, como por exemplo os Estados Unidos, arranjaram
maneiras de "circundar" o mandato da FAO, organizando ou sustentando
programas agrícolas ou de segurança alimentar de forma unilateral ou
bilateral. Outros, como fez o Reino Unido no início deste ano,
simplesmente ameaçaram rescindir a sua participação se não fossem
promovidas reformas urgentes.Mas, apesar das "ameaças", Graziano da
Silva sabe que ainda existe enorme boa vontade, não só para com a
agência que passará a liderar como pela sua pessoa. "Há um número
absurdo de pessoas a cair na pobreza, e é preciso haver uma agência a
lidar com esse problema. Idealmente, a FAO é essa agência. Tem as
pessoas certas e tem os conhecimentos necessários, mas precisa de
liderança. Há um problema de relevância na agência, uma necessidade
urgente de reforma", defendeu o director da Aliança para a Erradicação
da Fome, Tony Hall, numa entrevista à Bloomberg.
O entusiasmo deste dirigente (e antigo embaixador dos EUA) pela
eleição de José Graziano da Silva não podia ser mais evidente. "O que
aconteceu no Brasil com o programa Fome Zero foi simplesmente
fenomenal. E ele [Graziano] foi o grande responsável, foi ele que
garantiu que Lula cumprisse o seu compromisso político", sublinhou.
Não admira, por isso, que Lula da Silva fosse o principal advogado de
Graziano da Silva para líder da FAO. A sua escolha foi uma importante
vitória diplomática e política para o Brasil. A Presidente Dilma
Rousseff apostou todas as fichas para ter um concidadão a ocupar um
posto relevante numa organização internacional (a derrota da anterior
candidatura do embaixador Seixas Corrêa para a direcção-geral da
Organização Mundial do Comércio, em 2005, ainda pairava como uma nuvem
negra).
A eleição de Graziano, resumiu Dilma no dia seguinte à votação,
"representa o reconhecimento por parte das Nações Unidas da
contribuição que o Brasil tem dado para as acções de combate à fome".

http://www.publico.pt/Mundo/director-da-fao-acredita-que-acabar-com-a-fome-e-possivel_1501239?all=1

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