terça-feira, 26 de julho de 2011

Pêra Rocha do Oeste, um sabor português no mundo

18-07-2011

Entrevista com João Alves, produtor de pêra Rocha e presidente da
Assembleia Geral da Associação Nacional dos Produtores de Pêra Rocha.

João Alves fala dos seus pomares com o entusiasmo próprio de quem
gosta a sério daquilo que faz. Proprietário de uma grande empresa de
produção de pêra Rocha do Oeste, onde nasceu e cresceu, herdou dos
seus pais e avós, também agricultores, o gosto pela terra e o saber
trazido pela experiência, e também pelas muitas viagens que tem feito
pelo mundo.

Actualmente, João Alves gere uma empresa com cerca de 100 hectares de
pomares de pêra Rocha, onde se produzem anualmente alguns milhares de
toneladas de fruta. A organização de produtores a que pertence — a CPF
— agrega todas a fases do ciclo de produção, desde a plantação até à
colocação da pêra junto do consumidor final.
Em Maio passado, a Revista abolsamia entrevistou João Alves na Quinta
da Freiria, situada na Roliça, concelho do Bombarral, onde a sua
empresa, que é sócia da organização de produtores CPF, explora cerca
de 50 hectares de pomares em regime de arrendamento.
abolsamia: Quais são os destinos da vossa produção?
João Alves: Estamos vocacionados para o mercado internacional,
principalmente para o brasileiro, mas também exportamos para a
Irlanda, França, Inglaterra e Rússia… cerca de 90 por cento da
produção vai para o mercado internacional. Os 10% restantes são
praticamente destinados para a indústria. A percentagem que
distribuímos para o comércio nacional é inexpressiva.
abolsamia: Como se caracterizam os vossos pomares em termos de
densidades e produções médias?
João Alves: Actualmente, já temos a maioria dos nossos pomares a
produzir em regime intensivo. Nesta propriedade, por exemplo, temos
pomares mais antigos, plantados em 1998, com uma densidade de 1500
plantas por hectare, num compasso de plantação de 4 m x 1,5 m, com
produções entre as 30 e as 40 ton/ha; e temos outros, mais recentes,
com cerca de 3000 plantas por hectare, em que o compasso de plantação
é de 3,7 m por 1 m.
abolsamia: Em regime intensivo, ao fim de quanto tempo se consegue
começar a produzir ?

João Alves: A primeira produção dá-se ao fim do 3º ano e ronda as 15 a
20 toneladas por hectare.
abolsamia: Qual é a vida útil de um pomar, em regime intensivo, em
termos de produtividades?
João Alves: O primeiro pomar intensivo que plantei, com uma densidade
de 1500 plantas por hectare, foi em 1986, já está com 25 anos. E
continua com um nível de produtividade muito interessante, da ordem
das 25 a 30 ton/ha.
abolsamia: Esta actividade ainda exige muita mão-de-obra?
João Alves: Bastante. Com excepção dos cortes do enrelvamento,
adubações e aplicações de fitossanitários, praticamente todas as
outras operações — mondas, poda e colheita — envolvem muita
mão-de-obra.
abolsamia: Para 1 hectare de pomar intensivo em plena produção,
quantas pessoas são precisas?
João Alves: Na época da poda são precisos 10 homens por hectare, já
considerando a utilização de plataformas de poda para chegar ao topo
das árvores, que têm 3,5 m de altura. Nas mondas contamos com 30 a 40
mulheres por hectare. E depois há a colheita que exige, em média, 30
pessoas por hectare.
abolsamia: Os trabalhadores são fixos ou sazonais?
João Alves: Na minha estrutura temos pessoal permanente e pessoal
sazonal para as operações culturais das mondas e das colheitas.
Chegamos a ter 150 pessoas a trabalhar na época da colheita, cerca de
70 a 80% são nacionais mas são, na sua generalidade, pessoas mais
idosas, senhoras e jovens estudantes.
abolsamia: Quanto ganham os operários não especializados, por exemplo
na colheita?
João Alves: Os ordenados variam entre os 30 e os 40 euros por 8 horas
de trabalho, e são iguais para homens ou mulheres. As mulheres são até
mais sensíveis para alguns trabalhos, como por exemplo para as mondas.
Para trabalhos mais especializados ainda é mais difícil encontrar
gente. Na poda, por exemplo, recorro a uma equipa de romenos, são 6 a
7 pessoas a quem dei formação.
Hoje em dia é difícil arranjar pessoas para trabalhar no campo, as
pessoas aprenderam a viver às custas do Estado Previdência e
consideram desprestigiante o trabalho na Agricultura. Há muita gente
que tem vergonha de trabalhar neste sector. Pode ser que a crise que
atravessamos sirva para mudar o rumo das coisas e as mentalidades.
Somos um país pobre que tem algumas áreas de actividade que são
competitivas no mercado internacional, que temos que aprender a
valorizar.
abolsamia: Têm algum pomar em produção biológica?
João Alves: Não, não é fácil fazer fruticultura biológica, ainda mais
porque estamos numa zona com um microclima muito próprio, onde há
muita humidade e as doenças são difíceis de gerir dessa forma. Com
certeza que há produtos que se adaptam muito bem a este modo de
produção, mas há outros em que temos que ser realistas… Eu sou
defensor do biológico, mas penso que o biológico nunca pode ser viável
à escala industrial.
O que nós fazemos é uma intervenção hiper-cuidada, aplicando o mínimo
de agroquímicos possível. O consumidor pode ter a garantia de que as
peras desta região garantem uma segurança alimentar ao mais alto
nível.
Trabalhamos com um quadro de técnicos muito capacitados que assessoram
a maioria das explorações. Nada se faz ao acaso. O mercado dos
agroquímicos também está mais selectivo. Houve moléculas que foram
retiradas, há moléculas novas que são menos agressivas para o meio
ambiente e para o consumidor, há uma preocupação constante dos
agricultores para conseguirem um produto com qualidade e com um mínimo
de intervenção química possível. Nós preenchemos todos os requisitos,
temos certificações das mais exigentes a nível mundial. Na central,
temos BRC (norma que tem como objetivo o estabelecimento de requisitos
relacionados com a qualidade e segurança alimentar, que são utilizados
como base para a avaliação de fornecedores) e fazemos produção
integrada. Este é, aliás o conceito generalizado em todo o Oeste.
abolsamia: Que tractores utiliza nos seus pomares e que
características privilegia num tractor adequado a esta cultura?

João Alves: Todo o equipamento ligado a este sector da fruticultura
tem vindo a evoluir muito nos últimos anos. Na aplicação de produtos
fitofármacos são de especial importância os tractores cabinados. Os
tractores New Holland oferecem-me grande maneabilidade, potência e
dimensões adequadas às distancias entre linhas. E, acima de tudo, são
fiáveis.

abolsamia: Na sua opinião, que factores contribuíram para o sucesso
desta fileira pêra Rocha?
João Alves: A introdução da rega foi fundamental para a intensificação
da produção do pomar. Há 30 anos as densidades eram baixíssimas e a
produção média andava entre os 10 e as 15 toneladas por hectare. A par
com a introdução de uma técnica mais apurada conseguiu-se duplicar a
produção. Para além disto, os produtores têm vindo a organizar-se em
termos de fileira; hoje podemos contar com a Associação Nacional dos
Produtores de Pêra Rocha, que tem dado uma grande ajuda, porque
começou a aglutinar saberes e experiências e começou a ter um papel
activo muito importante no mercado da exportação.
Hoje, a pêra Rocha tem o nível de reconhecimento que tem e é uma
actividade de sucesso em grande parte devido às pessoas que perceberam
que organizando-se, aprendendo com o que se via lá fora, concentrando
a produção e depois a oferta conseguiram obter uma mais-valia para o
produto. A abertura aos mercados internacionais e a adesão à
comunidade também foram determinantes.
E foi assim que o processo se foi modernizando, ao nível das
instalações frigoríficas, da criação de novas OP's…hoje a fileira da
pêra rocha é um exemplo muitas vezes utilizado pela Tutela, para
demonstrar que, em termos agrícolas, com investimentos bem feitos, foi
possível rentabilizar uma actividade que apesar da importância
regional e do valor regional que tinha era muito marginal
relativamente à importância que hoje tem. Há uns anos atrás, nesta
região a vinha era mais importante que a fruticultura.
No entanto, existem alguns problemas graves na Região que travam o
desenvolvimento da agricultura e nomeadamente deste sector. O Oeste
enferma de uma grave lacuna estrutural, vivemos numa zona de
minifúndio onde existem algumas linhas de água que se passeiam
alegremente até ao mar e não são adequadamente aproveitadas e
utilizadas pela agricultura. Os políticos e os agricultores sabem
disto, alguma coisa já se fez, mas ficámos a anos luz daquilo que se
poderia ter feito com os fundos comunitários. Nós temos aqui um
exemplo claro: das duas mini-barragens que aqui construíram —
respectivamente nos concelhos do Cadaval e Óbidos — , numa delas
erraram no sítio porque não tem água, e na outra falta o projecto de
distribuição da água. Isto não pode acontecer! Não houve coragem
politica de se avançar mais. Somos um país de projectistas, fazemos
estudos atrás de estudos, mas para a prática passa-se muito pouco.
O minifúndio é outra questão estrutural, mas essa penso que só o tempo
poderá resolver.
abolsamia: Considera que os apoios à fruticultura têm sido suficientes?
João Alves: Ao nível da politica agrícola e de apoios não tem havido a
capacidade por parte dos nossos políticos para canalizá-los
conveniente e objectivamente em função da produção. Nós, como somos
produtores de raiz e falando essencialmente como produtores,
entendemos que este último quadro comunitário de apoio foi uma
vergonha. O anterior ministro teve uma forma de actuação a todos os
níveis condenável, mandámos recursos para trás porque não tivemos o
engenho e a arte dos os aplicar. Aqui no Oeste, os apoios que foram
conseguidos e os projectos que foram apoiados ficaram muito aquém das
necessidades e das expectativas da região. Houve uma má condução do
programa PRODER ao longo destes últimos 6 anos e, actualmente, não
existem novas perspectivas em termos de apoios. Os fruticultores ou
avançam a expensas próprias ou com recurso à banca, ou então não
renovam os seus pomares.
A fruticultura é uma área de trabalho que necessita de um investimento
constante, quer seja na implantação de novos pomares, reconversão de
outros, compra de equipamento, de vasilhame (uma simples palote custa
perto de 100 euros). Temos necessidade de evoluir e de ter as mesmas
ferramentas (apoios) que os nossos parceiros que outros países da
comunidade têm, com politicas agrícolas bem definidas. Eles estão mais
desenvolvidos porque tiveram políticas nacionais para defender o
sector, para o poder modernizar e dinamizar. Aqui, os políticos não
têm dado a devida atenção ao sector. Devo no entanto fazer uma
referência ao ministro da Agricultura António Serrano, que está de
saída, e que fez uma abordagem diferente ao sector agrícola,
procurando valorizar o mundo rural e os seus produtos; veja-se o caso
da feira Fruit Logística, em Berlim, onde tivemos no ano passado um
pavilhão português muito digno, com produtos de alta qualidade.

Agradecimentos:
A Revista 'abolsamia' agradece a colaboração da empresa
Tractorusseira, concessionária da marca de tractores New Holland.
http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2467&article_type=noticia

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