segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Agricultura a Globalização e a Economia

OPINIÃO

Sérgio Lavado

Tal como na grande maioria das coisas que influenciam a agricultura, a
globalização trouxe vantagens e desvantagens. Em relação à economia as
grandes questões que se colocam são:
- Politicas praticadas em cada país - Na Europa temos as politicas
mais proteccionistas que possivelmente existem no mundo, o que nos dá
algumas garantias de preços e nos garante uma reserva estratégica
alimentar mais ou menos estável. Mas, por outro lado, nos leva a
produzir culturas pouco adaptadas ao nosso ambiente, nos levou durante
muitos anos a produzir alguns produtos em quantidades exageradas, que
não podem ser exportados a preços competitivos devido aos elevados
custos de produção e mais grave que isso, levou a que em alguns países
europeus a agricultura não se tornasse tão tecnológica como em outros
países onde os agricultores são obrigados a ser competitivos porque as
produções são a única fonte de rendimento dos agricultores.
Isto
torna-se um ciclo vicioso e causa competição desleal. Por exemplo: um
agricultor dos Estados Unidos da América ou da Austrália quando põe as
sementes à terra sabe que a sua única fonte de rendimento é a colheita
que vai ter no final do ciclo produtivo, assim é obrigado a realizar
todas as operações culturais de forma a rentabilizar ao máximo a
cultura e é esse o estímulo para que ele faça apenas culturas
rentáveis no seu ambiente e além disso tente tomar as decisões mais
acertadas. Na Europa, com as políticas proteccionistas, é "mais fácil"
ser agricultor, uma vez que há outras fontes de rendimento para além
do valor dos produtos, o que chegou a ser levado ao extremo de haver
agricultores que vivem quase exclusivamente dos apoios da União
Europeia. Ora essa situação não só é má para os produtores do
estrangeiro que produzem as mesmas culturas (porque é lhes complicado
exportar para esses países) como é mau para a agricultura dos países
onde isso se pratica (porque não são estimulados a rentabilizarem as
culturas – já que a sua principal fonte de rendimento são os apoios e
não os produtos); na minha opinião as grandes vantagens que este tipo
de políticas acarreta são a garantia de uma reserva alimentar
estratégica que reduz a dependência do estrangeiro, a garantia de
preços mais ou menos estáveis e a preservação de algumas formas de
produção típicas da Europa – o grande problema é que isto a longo
prazo é insustentável e
- Diferenças geográficas entre os países – Na minha opinião foi um dos
factores que mais influenciou as desigualdades agrícolas que hoje em
dia existem devido à globalização. Antes da globalização cada país
tentava produzir um pouco de todas as culturas essências para a
alimentação, hoje com a globalização as coisas mudaram muito. Portugal
é um exemplo disso, há 50 anos produzíamos cerca de 50% do que
consumíamos, hoje apenas produzimos cerca de 20%. Isto deve-se a dois
factores: importação de produtos a preços inferiores aos nacionais e à
nossa limitação geográfica, já que somos um país de pequena dimensão,
em que a maioria do território é floresta, com o qual é muito difícil
duplicar ou triplicar as produções, como tem acontecido no Brasil
recentemente. Outro factor muito importante que entra aqui é o clima,
como é fácil de perceber, em agricultura, quanto mais estável for o
clima mais fácil é fazer o planeamento das culturas, claro que isso
reduz muito o risco e permite obter produtos a preços mais baixos.
Aqui temos o exemplo do leite: um holandês, para além de ter condições
térmicas óptimas para o bem-estar dos animais, tem um clima
excepcional para o desenvolvimento de forragens, claro que isso lhe
permite obter leite de vaca com custos de produção muito mais baixos
que um produtor português, que tem de importar ração da América do Sul
e além disso tem um clima com amplitudes térmicas anuais próximas ou
superiores a 20 ºC (que não permite às vacas expressarem o seu máximo
potencial genético) – Claro que o leite da Holanda é mais barato que o
português, mas isso não quer dizer que eles trabalhem melhor que nós,
é uma questão puramente geográfica. Com o mercado global um holandês
pode exportar leite para todo o mundo e forçar os produtores dos
países importadores desse leite a baixar o preço do seu leite,
diminuindo assim a rentabilidade e forçando muitos deles a fecharem as
portas da exploração.
- Novos mercados – A globalização traz a possibilidade de alguns
países produzirem certos produtos em quantidades superiores às suas
necessidades ou então produzirem produtos que não tem muita
valorização no seu mercado nacional. Aqui temos vários exemplos: o
Brasil estima-se que em 2050 alimente 40% do mundo, claro que isto são
óptimas perspectivas para os agricultores brasileiros uma vez que tem
muitas garantias de mercado. O caso dos vinhos, que inicialmente
apenas se consumia quase exclusivamente na Europa e que hoje se
consome quase no mundo inteiro, levou muitos produtores Europeus a
obterem grandes rendimentos desta cultura. Mas depois temos o outro
lado da moeda da globalização – atrás do vinho vão as videiras, e hoje
há vinhas nos 4 cantos do mudo, em países onde os custos de produção
são inferiores as nossos o que levou a surgirem os chamados "Países do
Novo Mundo" que hoje estão a tirar o mercado ao vinhos Europeus e daí
a recente crise na viticultura Europeia. O caso do Vinho do Porto e da
Pêra Rocha, que são produtos que tem custos de produção idênticos aos
restantes produtos com eles relacionados e que devido à sua grande
procura no estrangeiro atingem preços muito superiores e abrem-se
imensas portas nos 5 continentes.
- Afastamento do consumidor do produtor – Neste aspecto considero que
há duas questões chave – o marketing e a qualidade. Se quero vender o
meu produto tenho de fazer publicidade e assegurar qualidade – este
aspecto é tanto mais importante quanto mais distante está o produtor
do consumidor final. Temos o exemplo do presunto pata negra: há 30 ou
40 anos não era necessário ninguém fazer publicidade, nem assegurar
qualidade porque o consumidor comprava o produto directamente ao
produtor e desta forma sabia que aqueles presuntos vinham daqueles
porcos, que se alimentavam das bolotas daquele montado e que eram
curados daquela forma e, de acordo com isso, o consumidor sabia qual o
valor daquele presunto. Hoje o consumidor quando compra o presunto não
faz ideia em que condições foram criados os porcos, nem de que forma
foram curados os presuntos, assim compra o presunto ao qual se faz
mais publicidade e o que tem etiquetas que garantem determinados
parâmetros de qualidade. Eu sou o produtor dos melhores presuntos do
mundo, se não tiver uma empresa que confirme que esse produto é de
qualidade e se não lhe fizer publicidade caio no mercado de há 30 ou
40 anos: apenas consigo vender às pessoas que conhecem o meu sistema
de produção e a minha forma de transformação (que actualmente não é
quase ninguém porque a grande maioria da população vive em cidades,
local onde não há agricultura).
- Revendedores – A globalização criou outro mercado que é o da
revenda. A Holanda é dos maiores exportadores de produtos agrícolas da
Europa e do mundo. A estratégia dos holandeses é importar produtos de
países onde esses produtos têm pouco valor comercial (China
principalmente – produtos hortícolas) e voltar a exportar para países
de grande poder económico que estão dispostos a pagar esses mesmos
produtos a preços mais elevados que os praticados aquando da
importação por parte da Holanda.
A globalização é um processo sem retrocesso, cada vez mais vivemos num
mundo global e a cada dia se torna mais global. Em termos agrícolas há
que definir estratégias que permitam lidar da melhor forma com este
facto. Cada vez será mais difícil produzir culturas pouco adaptadas
aos climas, porque com o avanço da tecnologia cada vez será mais
rentável produzir essas mesmas culturas nos locais onde estão bem
adaptadas ao clima. Assim na minha opinião há que definir quais são as
necessidades produtivas que nos permitem assegurar uma reserva
alimentar estratégica e direccionar a maioria dos apoios europeus para
essas produções. Depois o resto dos apoios deve ser dirigidos para os
sectores agrícolas de maior importância nacional e torna-los cada vez
mais tecnológicos, mais eficientes, mais internacionais, de melhor
qualidade e de maior escala nacional, para que desta forma, num futuro
(que esperamos próximo) possam ser independentes de apoios e possam
ter dimensão internacional suficiente para poderem compensar as perdas
económicas que temos derivada da importação e da produção de culturas
pouco adaptadas ao nosso clima e ao nosso mercado.
Sérgio Lavado
Aluno do mestrado em Eng. Agronómica do ISA/UTL
http://www.agroportal.pt/a/2011/slavado2.htm

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