terça-feira, 22 de novembro de 2011

Uma Troika de Soluções

OPINIÃOI

Carlos Neves

Passaram os fenos, sementeiras de milho, regas, silagens, sementeiras
para o Inverno e até as tempestades depois do Verão no Outono. Mais
dia, menos dia, telhados e muros estão reparados. É tempo de fazer
contas à vida para ver o que sobrou no bolso além das facturas por
pagar. Pouco ou nada. Depois da tempestade vem a bonança mas depois da
crise na agricultura a crise continua. Que fazer, então? Proponho três
caminhos ou, se preferirem, uma troika de medidas:
Arrumar a casa

Em todas as casas paredes que racham, telhados que envelhecem,
canalizações que se rompem. Em todas as máquinas há peças que se
gastam e revisões a fazer. Uma empresa agrícola é uma máquina que
consome factores de produção e produz alguma coisa: leite, carne,
vinho, hortícolas, etc. Há máquinas que consomem muito e produzem
pouco. Há campos que levam muito adubo e produzem pouco milho,
vacarias onde entra muita comida e sai pouco leite. Em tempo de crise
há que "afinar a máquina" e fazer a manutenção da estrutura. Ver onde
desperdiçamos, onde podemos cortar, onde estamos a perder, onde
podemos aumentar a eficiência. Nos campos? Na vacaria? E aí dentro, na
alimentação, na reprodução, na saúde dos animais, no maneio, na
qualidade do leite? A diferença entre ganhar pouco ou perder muito
está em casa.
As telhas do telhado tapam muita coisa e algumas tapam muitas dívidas.
Pior do que a lista dos que faliram é a lista dos que podem fechar. O
crédito nos fornecedores não parou de aumentar, mas a corda não estica
sempre e começa a apertar. Também foi assim com o nosso país, a tal
ponto que tivemos de pedir ajuda externa porque no "mercado" não havia
mais crédito. E a "ajuda" em forma de crédito veio, mas acompanhada
pelas medidas negociadas com a troika (Banco Central Europeu, Comissão
Europeia e Fundo Monetário Internacional), que basicamente se resumem
a isto: reduzir os gastos do país para equilibrar com o rendimento, a
única forma de mostrar aos credores que teremos capacidade para pagar
as dívidas no futuro, porque só assim nos emprestarão mais dinheiro…
Não vou agora entrar no debate sobre a dose correcta de austeridade,
mas apenas aproveitar esta ideia para as nossas empresas em
dificuldades: Quando um agricultor precisa de crédito no banco ou no
fornecedor, é preciso ver o que correu mal e corrigir ou, sendo caso
de investimento, se ele vai ter retorno. Pedir empréstimo sem mudar de
vida empurra o problema para a frente mas soma juros à despesa, isto
é, adia mas agrava o problema. É tempo de pensar nisto a sério: tal
como precisamos de ajuda de um treinador para perder peso ou deixar de
fumar, precisamos de alguém que, caso a caso, em sigilo, numa relação
de confiança, ajude o empresário a cortar despesas, melhorar o
rendimento, renegociar créditos, etc. Há gente que trabalha de sol a
sol e pode perder tudo o que tem se não tiver ajuda na gestão,
nomeadamente na gestão financeira.
Valorizar a produção
O rendimento da nossa produção agrícola depende do mercado e da
Política Agrícola Comum, que regula o mercado e dá ajudas directas
quando não consegue regular o mercado para níveis de preço justo aos
produtores. As ajudas já foram ligadas à produção, depois desligadas
no RPU, agora aponta-se um valor fixo por área que mantém diferenças
entre países mas agrava a situação de sectores com pouca área
disponível para cultivo, como a produção de leite em Portugal.
Adiante. As reformas de PAC nunca são tão más como parece quando
surgem nem tão boas como os governos pintam depois da negociação. Mas
não esperem muito de um país endividado e de uma Europa sem dinheiro
para acudir a tantas dívidas de tantos países.
Há que lutar no mercado e na sociedade para vender o mais possível ao
melhor preço. Já evoluímos alguma coisa desde o tempo em que defender
a agricultura e a produção nacional era pregar no deserto. Presidente,
Governo, Assembleia da República, jornais, revistas e televisões
descobriram finalmente a agricultura e querem acabar com o défice
agro-alimentar. Os nossos apelos ao consumo nacional tiveram
finalmente eco mas restam dois grandes problemas: a falta de dinheiro
nos consumidores e as guerras entre a distribuição e a agro-indústria.
A ministra da agricultura já prometeu "calibrar" essas relações,
veremos como e quando passa das palavras aos actos.
Arrumar as casas comuns
Com a falta de dinheiro nos consumidores, não é boa altura para andar
na rua a exigir aumentos do preço, sobretudo se tivermos telhados de
vidro, na nossa casa ou nas casas comuns, nomeadamente as
cooperativas. Muitas estão quase falidas, outras podiam emagrecer
despesas e passar mais valor ao produtor. Também aqui há "aeroportos"
a parar e "gorduras/regalias" a cortar. Certamente será doloroso,
fazer dieta custa muito. Mas é urgente rever o sistema que temos. Com
a redução brutal de produtores e a melhoria de vias e meios de
comunicação, faz sentido mantermos as mesmas cooperativas, uniões,
federações, empresas participadas, associadas, subsidiárias ou, muitas
vezes, subsidiadas? Procuremos bons exemplos nos países que estão
melhor. Procuremos bons exemplos entre nós. Não vou agora entrar em
detalhes, mas tão só apontar algumas características comuns entre as
melhores cooperativas do mundo: transparência, democracia, gestão
profissional, directores qualificados e com limite de mandatos,
organização clara, boa comunicação com os sócios, posição clara no
mercado… Cada um veja e actue na sua cooperativa, como lhe compete.
Comece por ir à assembleia-geral. É um direito e um dever.
Nenhum destes três caminhos é a solução única para os nossos
problemas, mas nenhum pode faltar. E não vale a pena discutir qual o
mais urgente ou importante. Temos de os percorrer em simultâneo, para
que sejam pilares sólidos da ponte que nos leve da crise a um futuro
melhor.
Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP
PS – Já depois de escrito este texto, precisamente no dia da sua
publicação no Jornal "Terras do Ave", decorreu a primeira reunião da
"PARCA – Plataforma de Acompanhamento das relações na cadeia
agro-alimentar". Está dado o primeiro passo para um diálogo efectivo e
permanente entre Produção, indústria e distribuição. Certamente será
um caminho longo e difícil, mas estaremos atentos e faremos força...
http://www.agroportal.pt/a/2011/cneves5.htm

Sem comentários:

Enviar um comentário