domingo, 4 de dezembro de 2011

“Souvenir” algarvio com amêndoas dos EUA, figos da Turquia e cestos de Taiwan

OPINIÃO
Antonieta Guerreiro
ex-Deputada PSD na Assembleia da República eleita pelo Algarve
18-07-2011 18:35:00
Um turista que leve como "souvenir" algarvio um cesto de figos cheios
com amêndoas leva, num cesto fabricado em Taiwan, figos da Turquia e
amêndoas dos Estados Unidos e enquanto esteve hospedado, o hotel
serviu-lhe ao pequeno-almoço sumo de laranja de pacote tendo no bar,
atrás do balcão, uma máquina para fazer sumo natural. Esta é a
realidade e numa altura em que tanto se fala de consumir o que
nacional vale a pena pensar nisto.
Se perguntássemos à empresa que produz os "souvenirs algarvios" porque
não compram cá amêndoas e figos teríamos respostas como: – "não há
produção suficiente" ou que "os produtos regionais são mais caros".
Porquê? Porque "a mão-de-obra é cara e as pessoas ganham mais a servir
às mesas nos restaurantes à beira mar do que andar na serra "à apanha"
nem pleno Verão" ou "porque a produção é pouca".

Somos impulsionados a comprar o que é nacional. Contudo, perdoe-me
o(a) leitor(a), quando foi pela última vez ao mercado da sua terra?
Sabe que a maioria dos mercados municipais foi requalificada e
funcionam com horários adaptados (como é o caso do Mercado Municipal
de Portimão)?
Sabe que aí encontra pequenos produtores e retalhistas e ainda os
artesãos e artesãs de cestos e doces. Mulheres donas de preciosas mãos
as quais moldam, sabiamente, obras de arte extraordinárias a que
chamamos "Doce Fino", "Queijos de Figo" e cestos de palma que tantas
vezes impressionam os nossos visitantes.
Acontece que depois de ter descoberto onde comprar o que é nosso
quando vai pagar um produto sem valor acrescentado - à excepção do
facto de ser nacional/regional e feito pelos métodos artesanais - nota
uma grande diferença no preço.
Porque são os nossos produtos mais caros? Porque razão a colocação dos
nossos produtos no mercado é tão difícil? Porque razão a mão-de-obra
para a apanha dos frutos secos é tão dispendiosa? Porque não se usam
braços mecanizados em vez do tradicional varejo da amêndoa?
Porque razão continua a haver apanha clandestina de alfarrobas e
porque razão as fábricas de transformação as compram a pessoas que não
são os legítimos proprietários dos terrenos? Porque são os "doces
finos" feitos com massa de amêndoa importada da Califórnia?
Porque razão se abandonou quase completamente a produção de frutos
secos? Porque razão se investiu quase tudo na "monocultura" do Turismo
sem pensar num Plano B?
Porque razão tem havido investigação na Universidade do Algarve sobre
as propriedades da Alfarroba e poucos sabem disso?
Porque razão as novas estirpes de Figo, mais resistentes, criadas pela
UALG são compradas por marroquinos e não pelos produtores locais?
Com tanto desemprego porque não dão os mais velhos oportunidade aos
jovens (na maioria com formação académica) para trabalharem os solos
aliando a sabedoria ancestral às novas tecnologias?
Pessoalmente, acho que temos de começar por algum lado e o incentivo
ao consumo do que é nacional é importante, mas isso só não chega.
Mais do que apelar à compra dos produtos nacionais é importante apelar
à produção.
Para isso são necessárias políticas agrícolas estruturantes começando
pela política dos solos (quase sempre votados à especulação
imobiliária) e terminando no controlo das grandes superfícies sobre a
aquisição dos produtos agrícolas – pois estas (com ganhos anuais na
ordem dos 5 milhões) compraram, antecipadamente, a produção que vai
ser colhida daqui a 4 meses mas que só será paga a 120 dias após a
entrega.
A ministra Assunção Cristas tem muito para fazer. Serão necessários
muitos anos para que sejamos competitivos em termos agrícolas. O
trabalho a fazer deverá ser sustentável de modo a que as nossas
amêndoas, figos, laranjas, aguardentes, licores e azeites entre outros
sejam líderes mercado trazendo consigo valor acrescentado ao mercado
global.
Só com valor acrescentado na arte de bem-fazer é que se justifica o
preço. Este segmento de produtos caracteriza-se pela sua qualidade e
diferenciação.
Ou seja, pela sua produção limitada e singular muitas vezes com um
design exclusivo e arrojado, tornam-nos acrescentados de valor e
diferenciados da concorrência – vulgo, produtos gourmet!
Se fomos os pioneiros da globalização agora temos de tirar partido
dessa adversidade. Comprar directamente ao produtor é uma pequena
acção que pode ser profícua e simbólica mas não resolve o problema
estruturante.
A criação de uma cooperativa de consumo para os produtos tradicionais
como já existe no Alentejo é uma medida plausível - haja vontade e
abertura de mentalidade para isso!
Mais do que comprar nacional o importante é exigir que se produza
nacional e que comercialize com ética o é regional.
http://www.observatoriodoalgarve.com/cna/opinioes_ver.asp?opiniao=1125

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