terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Viticultor: O guardião da vinha

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10 de Janeiro, 2012por Gabriela Oliveira
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@José Sérgio
As geadas e as baixas temperaturas deixaram a vinha despida. A
folhagem caiu, as plantas estão em descanso e «é tempo da poda, de
cortar tudo o que está a mais para garantir a qualidade da produção»,
diz Carlos Mira, 41 anos, viticultor por vocação e paixão.
Tem a seu cargo 200 hectares de vinha, em três propriedades
pertencentes à família e cuja produção dá corpo à conhecida marca
Herdade das Servas. «Foi um projecto meu e do meu irmão Luís. Quando
terminámos a universidade sabíamos que queríamos dar continuidade à
tradição familiar. Não tínhamos dimensão para produzir vinhos em

massa, mas tínhamos know-_-how para apostar na qualidade e satisfazer
clientes exigentes. Esse era o nosso objectivo». Um sonho ousado, que
ficou dois anos a marinar e está em marcha há doze, com sucesso.
No montado que era do avô, às portas de Estremoz, onde antes pastavam
vacas e eram cultivados cereais, os irmãos aproveitaram o declive
acentuado para erguer o rústico e imponente edifício – que alberga a
adega, os escritórios e o centro de enoturismo – e estender a vinha
das Servas, plantada em 2007. A meia hora de distância, ficam as
antigas vinhas do Azinhal e Judia (a mais antiga, com 60 anos), que
Carlos supervisiona diariamente.
«Está a ver estes gomos? Daqui vão brotar os frutos. Deixamos apenas
dois gomos por talão. A parte aérea corta-se», explica o proprietário,
de tesoura em riste, segurando a haste da videira. Prefere a poda de
cordão bilateral curto, «porque a planta fica mais equilibrada, com os
braços em T». Adapta-se a poda à filosofia da vinha. Se o objectivo é
a qualidade, tem de se deixar menos carga para que a planta canalize
todo o seu vigor para os frutos. «Mas depende sempre de cada cepa. Se
é velha, podemos puxar por ela para dar o máximo. Se é nova, não faria
isso».
Desde o final de Novembro até Janeiro, há a poda para realizar mas
todos os meses estão escalonados e a faina só se atrasa quando as
condições climatéricas não o permitem. De Janeiro a Fevereiro aplica
os herbicidas, de Março a Junho os fungicidas, em Agosto controla a
maturação e em Setembro e Outubro, realiza a vindima. A
calendarização, por vezes, sofre alterações: «Já aconteceu vindimar as
castas de branco em Agosto porque tivemos um Verão escaldante».
Ter picos de boa produção é fácil. «Difícil é em anos menos bons
manter a qualidade estável. E a nossa aposta sempre foi a constância
da qualidade», garante o viticultor. Como é que isso se consegue?
Tudo começa na escolha do terreno, da casta e do porta-enxerto, mas
também é fundamental a preparação do solo antes do plantio (que passa
por rasgar bem a terra para que as raízes possam penetrar em
profundidade), o espaçamento entre as cepas (cerca de um metro) e
entre as linhas (mais de dois metros), a escarificação do solo nas
entre-linhas durante o Outono e o Inverno para que as águas da chuva
penetrem o subsolo (o que evita a rega no Verão), a poda e tantos
outros truques para controlar as pragas ou para proteger a maturação
das uvas.
A preocupação com as doenças da vinha levou Carlos Mira a tomar
medidas de prevenção. «Não fico à espera que as coisas aconteçam.
Estou de sobreaviso e quando é preciso actuo rapidamente». Por isso,
não dispensa a consulta diária de quatro sites meteorológicos na
internet, onde recolhe informações sobre o grau de humidade, a
temperatura, a pluviosidade, a velocidade do vento, o orvalho e até as
temperaturas a dois e a cinco centímetros abaixo do solo.
Há seis anos investiu na sua própria estação meteorológica, instalada
na herdade do Azinhal, e que hoje está apetrechada com equipamento GPS
que permite medir «com exactidão» a humidade da vinha, a temperatura e
pluviosidade, e saber «a probabilidade em tempo real» das doenças e
das pragas atacarem. O equipamento veio de França e Carlos Mira tem
mantido intercâmbio com Ivon Bugaret, especialista em doenças da vinha
e professor na Universidade de Bordéus.
Para controlar pragas, recorre a vários métodos. Para detectar o
avanço da Cicadela, também conhecida como cigarrinha verde, faz a
contagem de 100 folhas: se 50 estiverem afectadas, actua
preventivamente. Quanto às traças, pode ter de recorrer a armadilhas
com feromonas para as contabilizar. «Quando é preciso, mobilizo as
equipas e, em dois ou três dias, todas as vinhas são tratadas, seja
feriado ou fim-de-semana».
Mais do que as pragas, há algo que os irmãos, há muito, aprenderam a
respeitar: a força da natureza. Não esquecem a Primavera em que uma
geada extrema se abateu sobre um vale e dizimou por completo uma vinha
da família. «É o que chamamos uma geada negra. A vinha ficou
totalmente destruída, parecia queimada».
Desde crianças que os dois irmãos acompanhavam os trabalhos no campo.
«Nascemos, fomos criados e educados na cultura da vinha e do vinho!».
O bisavô materno foi um dos fundadores e o primeiro presidente de uma
Adega Cooperativa no Alentejo. Já o avô paterno criou uma das
primeiras empresas particulares na produção de vinhos da região.
Calculam que a tradição da vinha perdure há pelo menos sete gerações.
Nas propriedades da família foram conservadas talhas de barro, datadas
de 1667, utilizadas na produção do vinho.
Dividida em talhões, a recente vinha da herdade das Servas tem uma
selecção de 13 castas tintas e nove brancas, onde não podiam faltar
Touriga Nacional, Aragonês, Syrah, Alicante Bouschet, Trincadeira,
Alvarinho, Roupeiro ou Viognier. Cada casta é vindimada separadamente
e a vinificação e o estágio também são feitos sem nunca se misturarem
entre si, até à fase final. Os vinhos de gama superior podem ficar em
estágio, em barricas de carvalho, 12 a 15 meses, findo esse prazo são
engarrafados e ficam de novo em estágio, sem rótulo, nos cestos
metálicos, mais 8 a 10 meses. Só então são comercializados. É um
processo moroso.
Da última colheita resultaram 1.500 toneladas de branco e tinto e a
herdade das Servas ainda não está no auge da sua produção, admitem.
«Passámos de 20 mil garrafas para mais de um milhão». Um crescimento
sustentado, que responde à procura e à abertura de novos mercados. 80%
da produção fica no país, 20% vai para o exterior, estando a marca
presente em 16 países, desde o Canadá ao Brasil, passando por Angola,
Japão ou Austrália. No início de 2011 arrecadaram mais um prémio, a
medalha de ouro no Challenge International du Vin, em França, onde
concorreram cinco mil vinhos de 35 países, o que teve «um sabor
especial».
online@sol.pt
http://sol.sapo.pt/inicio/Vida/Interior.aspx?content_id=38380

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