quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

“Há quem leve o consumidor a acreditar que está a beneficiar os produtores portugueses quando isso não é verdade”

21 de Fevereiro de 2012 às 00:18:13, por PEDRO DURÃES
A afirmação é de João Paulo Girbal, presidente da Centromarca, que
acusa algumas marcas e cadeias de distribuição de se aproveitarem da
falta de informação dos consumidores para levá-los "a acreditar que
está a beneficiar os produtores portugueses quando isso não é
verdade". "Estes esforços de apoio à produção local pelas cadeias da
distribuição acabam por ter um objectivo mais de marketing do que real
pois não são consubstanciados num comportamento leal com a
generalidade dos fornecedores", aponta, em declarações no âmbito de um
artigo sobra a portugalidade como estratégia de marca, publicado na
edição desta semana do M&P. A Centromarca é reúne as empresas de
produtos de marca.

Meios & Publicidade (M&P): Qual a importância que pode hoje em dia
assumir o factor "portugalidade" na estratégia das marcas? Muitas
marcas têm vindo a apostar na portugalidade e no facto de serem
produzidas em Portugal como factor preponderante nas suas estratégias
de comunicação. Acha que este argumento funciona para os consumidores
nacionais?
João Paulo Girbal (JPG): A portugalidade é um factor competitivo
importantíssimo. Os consumidores, mais do que nunca, estão atentos à
proveniência dos produtos que consomem e sempre que podem escolhem
produtos nacionais porque têm um impacto directo no emprego e na
economia local. Ser produzido em Portugal ou ter uma elevada
incorporação de valor em Portugal significa criar riqueza local e dar
trabalho a portugueses e, simultaneamente, diminuir as importações. Um
aspecto que é fundamental para esta dinâmica positiva de preferência
dos produtos com cada vez maior incorporação nacional é a informação
que se transmite aos consumidores, nomeadamente nas embalagens, para
que possa fazer uma escolha informada. Hoje a informação é
insuficiente e há quem abuse dessa situação levando o consumidor a
acreditar que está a beneficiar os produtores portugueses quando isso
não é verdade. É neste contexto que aparecem alguns produtos com
"dupla nacionalidade", como os dióspiros de Portugal/Espanha ou as
mangas amadurecidas em Portugal.
M&P: A portugalidade é uma boa estratégia para os mercados externos?
Será um trunfo ou um entrave ao sucesso nos mercados de exportação?
JPG: Salientar a portugalidade nos mercados externos será tanto mais
importante quanto Portugal se afirmar como marca que empresta valor
aos produtos e serviços que exportamos. Nalgumas áreas temos esse
reconhecimento mas, na maior parte, ainda há muito trabalho a fazer
para que a portugalidade seja uma mais-valia para quem exporta. A
marca Portugal tem de se afirmar como aspiracional e significar algo
que os consumidores no estrangeiro procurem nas diferentes
áreas/categorias.
M&P: Em que situações poderá ser positivo omitir ou mostrar que as
marcas são portuguesas nos mercados internacionais? Ou seja, em que
casos é melhor omitir a nacionalidade para avançar com a
internacionalização e em que casos ser uma marca portuguesa pode ser
uma mais valia?
JPG: Com honrosas excepções, como por exemplo a nossa oferta
turística, alguns vinhos, produtos derivados da cortiça ou peixe do
Atlântico, os fabricantes devem trabalhar assumindo que a marca
Portugal está a ser construída pelo que fazem e exportam mais do que a
emprestar credibilidade aos seus produtos e serviços.
M&P: As marcas de distribuição estão a crescer em quota de mercado mas
são, muitas vezes, resultado de produtos importados. Como vê esta
situação?
JPG: É uma situação claramente prejudicial à nossa economia. O emprego
sofre e a carga do Estado Social que temos agrava-se porque é preciso
gradualmente suportar mais gente e empresas em situações de
dificuldades extremas à custa dos que ainda contribuem. A forma não
transparente como são construídos os preços com que aparecem os
produtos nas prateleiras distorce o mercado e dá aos donos dessas
prateleiras um poder exagerado que chega ao ponto de decidir que
produtos e empresas produtoras podem ser permitidas estarem no
mercado. É impossível a um produtor de grande consumo não estar
presente na grande distribuição porque 90% do que se compra e vende
passa por 9 entidades, em que duas controlam cerca de 60%. Por outro
lado, as marcas da distribuição não contribuem em nada para as nossas
exportações, pois o consumidor dos outros mercados não as conhece nem
as procura. Não é viável vender capacidade produtiva num mercado
global em que todos têm acesso às mesmas tecnologias, às mesmas
matérias-primas, os transportes de longo curso têm custos semelhantes
mas, quando chegamos aos custos de produção, eles são muitíssimo mais
baixos noutras geografias do que na União Europeia. Para exportar
sustentadamente é essencial ter marca e trabalhar muito e bem para que
seja reconhecida e querida nos diferentes mercados.
M&P: Apesar desta aposta em produtos importados, as cadeias de
distribuição levam a cabo estratégias de comunicação de promoção e
apoio aos produtores nacionais. Não estão a correr o risco de serem
percepcionadas como hipócritas com este tipo de contra-senso?
JPG: Estes esforços de apoio à produção local pelas cadeias da
distribuição acabam por ter um objectivo mais de marketing do que real
pois não são consubstanciados num comportamento leal com a
generalidade dos fornecedores. Que diferença pode fazer este esforço
se, ao mesmo tempo que supostamente se apoiam uns (poucos), se
fragilizam e destroem um número incomparavelmente superior de
produtores? Quando se vende abaixo de custo com recurso a importação
de produtos que Portugal tem em quantidade suficiente para as suas
necessidades não estamos a apoiar a produção nacional. Há casos onde
estas situações chegam à comunicação social e ao público consumidor
mas muitos outros há que passam despercebidos do público excepto
daqueles que têm a má fortuna de serem afectados directamente. O
consumidor, à medida que percebe a realidade à sua volta com a
destruição do emprego na produção e indústria e com os casos reais de
gente que conhece pessoalmente, vai começando a perceber onde está a
verdade. Este caminho não é rápido e não tenhamos ilusões porque, como
demonstram os últimos números sobre o investimento em publicidade em
Portugal, a área do comércio, e especificamente da grande
distribuição, é a que mais cresce e já ultrapassou em valor absoluto
todas as outras, tendo uma enorme capacidade para ir trabalhando a
opinião pública com mensagens por vezes pouco claras sobre a
portugalidade dos produtos que ostentam as suas marcas.
http://www.meiosepublicidade.pt/2012/02/21/ha-quem-leve-o-consumidor-a-acreditar-que-esta-a-beneficiar-os-produtores-portugueses-quando-isso-nao-e-verdade/

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