quinta-feira, 15 de março de 2012

Cientistas detectam “revolução” invisível das acácias contra plantas nativas

13.03.2012
Helena Geraldes
Não são precisas muitas acácias para alterar um ecossistema. Apenas
uma pode alterar os solos, através de interacções invisíveis, e a uma
distância muito maior do que o pensado, segundo cientistas portugueses
e alemães, num artigo a publicar amanhã na revista Ecological Letters.
As estratégias de sobrevivência da acácia (Acacia longifolia),
originária do Sul da Austrália e da Tasmânia, foram reveladas numa
duna costeira de Pinheiro da Cruz, no concelho de Grândola, por
investigadores do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de
Lisboa e do Departamento de Ecologia Experimental e de Sistemas da
Universidade alemã de Bielefeld.

A espécie, trazida para Portugal para fins ornamentais e para fixar os
solos, tornou-se numa ameaça descontrolada e uma dor de cabeça para
associações florestais, municípios, empresas e particulares. E não é
por desfear a paisagem; a árvore compete com as plantas nativas pelos
recursos, nomeadamente pela água, e altera o funcionamento do solo.
Agora, as duas universidades acreditam que podem ajudar a fazer a
diferença no combate à exótica que a Universidade de Coimbra acredita
ser a mais agressiva em solo de Portugal Continental.
"Pela primeira vez usámos isótopos de azoto para identificar o padrão
especial de influência da acácia no sistema circundante", disse
Cristina Máguas, do Centro de Biologia Ambiental, ao PÚBLICO.
Os investigadores ficaram surpreendidos com a descoberta. "Assim que
uma simples acácia se instala numa zona, e antes de nos apercebermos
que está em curso uma invasão desta espécie exótica, a planta deixa
imediatamente a sua marca no sistema e altera-o para seu próprio
benefício", acrescentou. As alterações, invisíveis para quem olha a
paisagem, foram detectadas graças à utilização dos isótopos estáveis
de azoto.
De acordo com Cristina Máguas, as dunas são normalmente pobres em
nutrientes e as plantas nativas estão bem adaptadas. Ora, a acácia
"está associada ao enriquecimento do solo em azoto" e "a incorporação
do azoto fornecido por si reflecte-se nos tecidos das outras plantas",
explica um comunicado da Universidade de Lisboa. Para detalhar a
interacção "invisível" entre as acácias e as outras plantas, os
cientistas mapearam numa área de duna com poucos metros de extensão a
abundância de azoto utilizando a camarinha Corema album, arbusto
endémico. Para isso, explicam, mediram a quantidade de azoto nas
folhas desse arbusto e notaram que esta quantidade aumenta
significativamente com a proximidade da acácia.
Preparar o palco
Aquilo que mais surpreendeu os investigadores foi a distância
alcançada por estas interacções. Normalmente não seriam consideradas
ainda "invadidas" por acácia. "O enriquecimento em azoto nas folhas da
camarinha foi detectado a uma distância superior a três vezes a área
ocupada pelas acácias", dizem. "É como se a planta preparasse o palco
– neste caso o solo – para a sua própria chegada, conseguindo
condições que a favorecem competitivamente."
Questionada sobre se o aumento dos níveis de azoto no solo não iria
beneficiar também as espécies de plantas nativas, Cristina Máguas
reagiu prontamente. "A curto prazo pode ter benefícios, porque se
trata de nutrientes. Mas a médio e longo prazo... nunca." À medida que
as acácias se multiplicam e cobrem o ecossistema "vão abafando o
espaço das outras plantas".
A investigadora do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de
Lisboa, acredita que esta metodologia dos isótopos de azoto permitirá
"fazermos um diagnóstico precoce do problema, em tempo muito útil para
a recuperação do sistema".
"Este método é importante para a conservação pois permite identificar
precocemente os efeitos associados às invasões por plantas fixadoras
de azoto" e ainda "monitorizar a persistência destes efeitos em
processos de erradicação".
Cristina Máguas adiantou ao PÚBLICO que ainda há trabalho para fazer.
"Para o futuro queremos transpor esta metodologia para qualquer ponto
do globo e depois para uma escala muito maior". A investigadora
salientou as possibilidades das imagens de satélite. "Gostaríamos de
conseguir cruzar os dados obtidos através da metodologia que
utilizámos com as imagens de satélite para ficarmos com uma ideia à
escala regional ou mesmo global", acrescentou.
Estima-se que a Europa gasta por ano cerca de dez mil milhões de euros
para travar as espécies invasoras, como a acácia mas também como o
jacinto-de-água ou o lagostim-do-Louisiana.
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1537657

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