sábado, 10 de março de 2012

O regresso do vinho de Carcavelos

A propósito da nova loja do vinho de Carcavelos, Mariana Correia de
Barros fez uma viagem pela era do Marquês de Pombal, e descobriu a
interessante produção vínica de Oeiras.

Enquanto reconstruía a Baixa de Lisboa e endireitava as contas do
país, o Marquês de Pombal geria uma pequena produção vinícola na sua
propriedade de Oeiras. Atente no adjectivo: pequena. Habituado a
pensar em grande, o também Conde de Oeiras formulou um decreto que
obrigava a Companhia do Alto Douro – no século XVIII esta companhia
detinha o exclusivo da produção dos vinhos do Porto – a comprar parte
da produção do vinho de Carcavelos para, justificava na altura,
encorpar o produto. Assim garantia o escoamento do seu próprio vinho.
Este é um dos muitos episódios associados à história do vinho de
Carcavelos, que está a ser recuperado pela Câmara Municipal de Oeiras.
"Estou baralhado, Oeiras ou Carcavelos?" Carcavelos, caro leitor.
Maria de Lurdes Vaz, secretária geral da Confraria do Vinho de
Carcavelos, explica: "No tempo do Marquês de Pombal, e dentro da sua
quinta, o Palácio pertencia à zona de Oeiras, e as vinhas estavam no
território de Carcavelos. Nessa altura havia ainda uma produção na
Quinta do Barão, em Carcavelos."
Podíamos recuar ainda mais no tempo e falar de alguns registos dos
romanos sobre a existência de um vinho na zona, ou de dados que
confirmam o cultivo de vinhas no século XIV. Mas sejamos francos: o
momento de glória foi em meados do século XVIII, altura em que,
inclusivamente, o Rei D. José I enviou duas garrafas do vinho de
Carcavelos à Corte de Pequim. E os chineses começaram a mostrar
interesse em Portugal.
No século XIX, à semelhança do que aconteceu no resto do mundo, a
filoxera – simultaneamente o nome da praga e do insecto que a causou,
atacando as vinhas – chegou a Carcavelos e fez com que o vinho
entrasse em decadência.
À excepção de algumas produções locais, como a Herdade dos Pesos ou a
Quinta do Barão (ainda encontra garrafas à venda da Garrafeira
Nacional), não se produziu mais vinho na quinta do Marquês de Pombal –
mesmo quando Carcavelos se tornou região demarcada, a 18 de Setembro
de 1908.
Quase 100 anos depois, a Câmara de Oeiras entrou em acção. Em 1999
estabeleceu um protocolo com a Estação Agronómica Nacional, instalada
nos terrenos da quinta desde 1961, para explorar a vinha. "No total
são 12,5 hectares, que podem ser estendidos até aos 25", diz Maria de
Lurdes Vaz. E só têm a agradecer à Estação, que em boa hora deixou um
talhão experimental para estudo. "Isso permitiu voltar a plantar as
vinhas para a produção do vinho."
Até agora foram investidos cerca de dois milhões de euros na
recuperação da produção. "Não só para reabilitar a antiga adega, mas
também para tornar os terrenos aráveis e plantar a vinha." Depois de
um primeiro lote de experiência que não chegou a ser comercializado,
lançaram em 2009 o lote inaugural do vinho de Carcavelos, de seu nome
Conde de Oeiras. "Produzimos uma média de sete mil garrafas. Este ano
esperamos produzir oito mil, e o objectivo é, em 2016, estar a
produzir 30 mil."
Mas não pense que lá por ter como produtor alguém mais habituado a
tratar de despachos do que a plantar uvas, este vinho é uma
brincadeira de meninos. Para ter uma ideia, as pipas que a Câmara
adquiriu são de carvalho francês, feitas numa tanoaria em Palaçoulo,
Miranda do Douro e, apesar de o Conde de Oeiras ser um branco doce
(juntamente com o Porto, Madeira e Moscatel de Setúbal, é um dos
quatro generosos portugueses), os enólogos já estão a fazer
experiências com tintos e meios secos. Mais: a adega, que fica no topo
da quinta, trabalha todos os dias (está aberta ao público nos últimos
sábados de cada mês) até às duas e meia da tarde. Graças a uma
história rica como esta, nasceu a Confraria do Vinho de Carcavelos.
"Foi fundada em 2009 com a ideia de agregar as Câmaras de Oeiras e
Cascais." É que parte deste último concelho está dentro da região
demarcada, apesar de actualmente não produzir vinho. Entre pessoas
ligadas à produção e curiosos, conta com 82 confrades, que dão
notoriedade ao vinho, e organizam jantares vínicos, provas, cursos e
visitas guiadas à adega.
Actividades que se intensificaram com a abertura da Loja da Confraria
do Vinho de Carcavelos, no centro de Oeiras, dia 11 de Novembro de
2011 – "dia de São Martinho, o padroeiro do vinho", aponta Pedro
Caetano, também confrade. A loja é um dos únicos pontos de venda do
Conde de Oeiras (30€/garrafa), já que não se encontra no mercado em
geral. "Também temos algumas garrafas antigas, oferecidas por pessoas
daqui." Infelizmente, apenas em exposição. Para cálices, tem de pedir
a garrafa da casa. Um conselho: acompanhe-o com um dos bolos criados
para o efeito. Doce mais doce não há.
Rua Cândido dos Reis, 51 (Oeiras). 21 441 4908. Seg-Sáb 11.00-19.00
quarta-feira, 7 de Março de 2012

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