sexta-feira, 13 de julho de 2012

Cabras ainda não foram para o mato prevenir os incêndios porque falta dinheiro

13.07.2012
Fábio Monteiro

Passados dois anos, o "Self-Prevention", um projecto ibérico de
introdução de cabras nos matos para prevenir os incêndios, orçado em
48 milhões de euros, ainda não arrancou em Portugal por falta de
verbas. Prometia-se criar 558 postos de trabalho, reintroduzir 150 mil
cabeças de gado caprino nas zonas raianas dos distritos da Guarda,
Bragança, Zamora e Salamanca (Espanha), como "limpadores naturais" dos
campos.

"Ainda não conseguimos financiamento em Portugal. Temos o projecto em
alguns concursos europeus, mas não é fácil arranjar fundos dada a
especificidade" da iniciativa, disse ao PÚBLICO uma das responsáveis
da delegação portuguesa no "Self-Prevention", Teresa Pêra.


Mas não falta só dinheiro. "Não existe a área mínima necessária. É
necessário no mínimo uma área de 200 hectares [de terrenos públicos]
para este tipo de projecto e o município não tem esta área
disponível", afirmou Vítor Proença, responsável pela comunicação na
Câmara do Sabugal, o único município português que chegou a reunir-se
com os parceiros espanhóis. O porta-voz admitiu que o projecto não
deverá avançar naquele concelho.

Em Espanha, porém, a falta de espaço não foi um obstáculo. Robleda, em
Salamanca, é o único local na Peninsula Ibérica onde o projecto chegou
a avançar, no ano passado, com a introdução de 200 cabras em 53
hectares.

Pastoreio orientado avança no planalto de Jales

Apesar do fracasso do "Self-Prevention", a Aguiarfloresta - Associação
Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar decidiu apostar na ideia
e tentar concretizá-la. Através do projecto "Economountain, economia
da biodiversidade nas serras de Vila Pouca de Aguiar", Duarte Marques,
presidente da Aguiarfloresta, introduziu já 50 cabras no planalto de
Jales, em Trás-os-Montes. Este vai funcionar em parceria com a
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, cujos investigadores vão
analisar o impacto da presença do gado na fauna e na flora. E neste
caso, o financiamento é garantido pelo Fundo EDP para a
Biodiversidade, com 160 mil euros.

Um rebanho de 50 cabras – que poderá aumentar no futuro - vai
pastorear uma área de 90 hectares. "Vamos fazer um tipo de pastoreio
orientado, em que instalamos os animais em locais estrategicamente
identificados como favoráveis à redução do número de ocorrências e
também à limitação da expressão do fogo", explica Duarte Marques.

O pastoreio orientado consiste na colocação de um grande número de
cabras por hectare durante um curto período, no máximo até cinco dias.
"Esta técnica é útil quando se trabalham faixas de redução de
combustíveis, pois os custos são mínimos quando comparados com os 750
euros que os bombeiros sapadores cobram por hectare", afirma Henrique
Pereira dos Santos, consultor independente na área da gestão da
biodiversidade.

Este tipo de intervenção faz ainda mais sentido no noroeste do país,
onde "existe um crescimento da cobertura vegetal acelerado devido à
grande concentração de humidade", tornando os gastos ainda maiores.
"Este método pode ser um investimento a longo prazo e de baixo custo",
sublinha.

A opção pelas cabras deve-se ao facto de serem animais robustos, que
se adaptam a territórios montanhosos, por vezes agrestes, e que
ingerem tipos de vegetação que a maioria dos outros animais não
consome.

A Aguiarfloresta está ainda a trabalhar com os pastores daquela
região, de forma a integrá-los também na gestão do território e defesa
da floresta e, ao mesmo tempo, valorizar a pastorícia. A ideia é
incentivar a aposta nos produtos associados à actividade, como a
carne, leite ou o queijo, com vista à dinamização da economia local.
Vão ser criadas plataformas virtuais para a venda destes produtos,
para aproximar os produtores dos consumidores. "Espera-se obter uma
solução mais barata e de maior valor ambiental do que as que
habitualmente são usadas", salientou Duarte Marques.

Método mais eficaz se for complementar

O recurso ao gado caprino para prevenir os incêndios não é uma
novidade em Portugal. Há projectos já no terreno em Castelo Branco e
no Piódão, por exemplo, mas os resultados estão aquém do esperado,
mais uma vez devido à falta de apoios financeiros e ao desinteresse da
população local, queixam-se as associações responsáveis por estes
projectos.

A verdade é que os investigadores ainda não têm certezas quanto à
eficácia deste método. "Ainda não está comprovado cientificamente que
o uso de cabras no controlo da vegetação possa ajudar na prevenção de
incêndios, mas já existem registos que o pastoreio de cabras em zonas
previamente ardidas diminui a probabilidade da reincidência de
incêndios", afirma Paulo Fernandes, investigador e membro do Grupo de
Fogos da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

A intervenção é mais eficaz para manter áreas que foram tratadas com
outras técnicas, como a limpeza de matos através das equipas de
sapadores florestais ou o uso do fogo controlado. "Este tipo de
intervenção só funciona nos primeiros anos de crescimento do coberto
vegetal, pois, após um certo ponto do crescimento da vegetação, as
cabras já não o conseguem digerir" acrescenta.

http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1554816

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