sábado, 11 de agosto de 2012

A 'planta do futuro' que viajou nas caravelas da América para Cabo Verde

Actualizado ontem, às 08:43
Lusa


Viajou do México até Cabo Verde, nas caravelas portuguesas, serviu
para iluminar as ruas de Lisboa e ganhou nome por resolver a prisão de
ventre. A purgueira já faz voar aviões e perfila-se como uma "planta
do futuro".

No Jardim Botânico, em Lisboa, uma equipa de cientistas estuda-lhe há
três anos as características, numa estufa onde há "jatropha curcas",
nome científico da planta, de 80 proveniências diferentes, de África a
Ásia e às Américas, distibuída por três centenas de vasos. Contudo,
nem mesmo na estufa se conseguem reproduzir em Portugal as condições
de calor e humidade que fazem crescer as purgueiras, que chegam a
atingir os cinco metros de altura e a produzir 2,5 toneladas de
sementes por hectare, como já acontece na Índia.

O projecto, que inclui a caracterização genética e o estudo das
doenças e pragas que atingem a espécie, foi iniciado a pedido de uma
empresa que admitia desenvolver aplicações da planta em África,
explicou à agência Lusa a investigadora Maria José Silva, 52 anos,
coordenadora da equipa.

Na Europa, garante, só a Universidade de Wageningen, na Holanda, está
a desenvolver um projecto semelhante com a planta que, tal como o
rícino se for consumida em pequenas doses ajuda a combater a prisão de
ventre, o que lhe valeu o nome porque foi baptizada em África. Em Cabo
Verde chegou mesmo a ser a planta mais abundante.

É na Ásia, contudo, que o uso da planta está mais avançado. A Índia
tem as maiores plantações do mundo e, no Japão, uma marca de
automóveis está a estudar as pequenas alterações necessárias para
comercializar viaturas cujos motores passem a consumir o óleo clarinho
das purgueiras.

Para ser usado nos motores a gasóleo, basta ser filtrado, ao contrário
dos restantes biocombustíveis, que necessitam de outros tratamentos
químicos que penalizam a sua utilização do ponto de vista económico.

"No anos 1960, a Mercedes pôs uma viatura a andar 20 mil quilómetros
exclusivamente com este óleo", conta Maria José Silva.

Se o futuro do óleo produzido a partir da planta de cheiro pouco
agradável pode passar pela substituição do petróleo e dos combustíveis
que fazem mover os automóveis, o presente acontece no ar. Já foram
realizados voos de aviões comerciais exclusivamente com óleo de
purgueira e há companhias que voam com 50% daquele combustível.

"Há, claramente, em todo o mundo, um forte interesse por esta planta",
afirma a engenheira agrónoma do Centro de Ecofisiologia, Bioquímica e
Biotecnologia do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT).

Presumem os cientistas que a 'jatropha' foi levada por marinheiros
portugueses do México para Cabo Verde, por volta do século XVI,
cumprindo a prática comum na altura de levar plantas de uns
continentes para outros.

Apesar de ser usada na alimentação humana na sua origem, no
arquipélago então colonizado por Portugal, sem que se perceba ainda
porquê, a planta ganhou características tóxicas que impediam as
abundantes cabras das ilhas de a incluir na sua dieta.

O facto conduziu à protecção da espécie e contribuiu para a sua
multiplicação, nomeadamente para formar vedações naturais, mas décadas
depois seriam as próprias autoridades coloniais a incrementar a
produção, na altura para fazer sabão com o óleo, que também era usado
para aquecimento ou iluminação pelos ilhéus.

Essa utilidade acabaria por levar à sua exportação para Portugal, onde
veio substituir o azeite, mais caro, como fonte de iluminação nas ruas
de Lisboa, nas décadas de 1830 e 1840, e originar as fábricas de sabão
na margem Norte do rio Tejo.

"O famoso sabão de Marselha também era feito com óleo de purgueira",
recorda Maria João Silva.

Entretanto, a toxicidade deixou de ser um obstáculo, e foram
desenvolvidos métodos que permitem que o bagaço resultante da obtenção
do óleo possa ser dado como ração a animais ou usado para fertilizar
solos.

Sendo da família da planta da borracha, a purgueira também é rica em
latex. Basta arrancar-lhe uma folha para que comecem a brotar gotas
desta substância, cujas características estão a ser estudadas, mas que
a investigadora do IICT admite poderem ter uma vasta utilização em
medicina.

Com mais estas duas vertentes, a purgueira ganha pontos para se tornar
na "planta multi-usos" que investigadores viam nela há muitos anos,
neste caso numa vertente mais sustentável, ao vir proporcionar
alimento para gado e latex às populações das zonas inóspitas onde
consegue sobreviver, e a quem já possibilita aquecimento e iluminação,
além de evitar a erosão dos solos e a consequente desertificação.

Pelo lado industrial, a purgueira também se apresenta como forte
candidata ao pódio das espécies mais rentáveis, para produzir
biocombustíveis pela característica que a distingue do milho, do
sorgo, da soja, do amendoim ou da palma: não é consumida pelo homem,
ao contrário de todas as outras.

E em climas com bastante humidade, as plantas podem mesmo dar duas
produções por ano, em vez de uma única.

http://www.dnoticias.pt/actualidade/pais/339330-a-planta-do-futuro-que-viajou-nas-caravelas-da-america-para-cabo-verde

Sem comentários:

Enviar um comentário