terça-feira, 21 de agosto de 2012

Vindimas 2012. Seca provoca atraso e qualidade é uma incógnita

Por António Mendes Nunes, publicado em 18 Ago 2012 - 22:46 |
Actualizado há 2 dias 19 horas
No ano passado, por esta altura já se vindimava. Este ano, algumas
castas tintas ainda não acabaram o pintor. Fomos pelo país ver como
estão as vinhas e como se anuncia a colheita de 2012. Há menos uvas e
tanto pode ser boa como assim-assim. Ainda ninguém sabe

Como vão ser as vindimas este ano?
Com algum atraso em todo o país, como nos referiram uma dezena de
produtores e enólogos que contactámos nos últimos dias. Esses atrasos
regulam entre uma a duas semanas, os menores, até um mês ou mais nos
casos extremos.

E nem sequer estamos a fazer estas contas em relação ao ano passado,
que foi um ano excepcionalmente temporão (as uvas amadureceram cedo),
mas sim em relação à média dos últimos cinco anos. De qualquer modo,
de entre os enólogos contactados, parece-nos ser o Alentejo a região
onde as uvas vão começar a ser cortadas mais cedo.

João Portugal Ramos, que tem propriedades na zona de Estremoz, na
Região Tejo (ex-Ribatejo), nas Beiras (zona de Coimbra) e no Douro,
disse-nos que há um atraso, mas que conta começar a colher algumas
uvas brancas no Alentejo já para a semana e também no Ribatejo – estas
últimas para fazer espumante, um tipo de vinho que requer uvas com um
pouco mais de acidez, logo num ponto de maturação menos evoluído. Os
tintos, só em Setembro, atingindo-se o pico da vindima no Alentejo só
em meados do próximo mês, já que o estado de maturação de castas e de
vinhas é muito diverso.

Manuel Rocha, CEO da Adega de Borba, também refere que as vinhas dos
associados estão com um ligeiro atraso, mas que as coisas até se
poderão compor, se as temperaturas não forem muito altas.
Luís Serrano Mira, co-proprietário (com o irmão Carlos) da Herdade das
Servas, diz que os anos difíceis como este até podem ser
interessantes, porque podem ensinar muita coisa, já que o clima está a
mudar e é altura de se repensar se é melhor manter as vinhas velhas ou
procurar outras castas que reajam melhor a essa mudança.

Na península de Setúbal, Hélder Galante, director da Malo Wines
(Catralvos), também referiu um atraso de oito a 15 dias, iniciando a
colheita dos brancos a começar pelo moscatel e fernão pires dentro de
duas semanas e depois o verdelho, arinto e chardonnay, castas mais
serôdias (amadurecem mais tarde). A colheita dos tintos só deve
começar cerca de três semanas depois dos brancos.

Também na Região Lisboa (ex-Estremadura) se sente esse atraso, como
conta Luís Vieira, administrador da Quinta do Gradil, no concelho do
Cadaval. É costume começar a cortar os cachos na terceira semana de
Agosto, mas este ano só lá para a primeira semana de Setembro, porque
há talhões da mesma vinha e da mesma casta com desenvolvimentos muito
diferentes.

A Bacalhoa Vinhos está presente em quase todas as regiões portuguesas
(só falham o Tejo e o Algarve). O seu director de enologia Vasco Penha
Garcia afirma que na generalidade do país, apesar de tudo, a promessa
é boa em termos quantitativos, embora esteja tudo muito atrasado, com
videiras de uvas tintas que ainda não completaram o pintor (mundança
de cor nas castas tintas, que passam progressivamente de verdes a
rosadas e a roxo ou preto). "Nos últimos 20 anos sempre se começaram
as vindimas em meados de Agosto, este ano é muito pouco provável."

Luís Pato, vitivinicultor e enólogo com propriedades na Bairrada,
conta que algumas castas mais temporãs, como a maria gomes (nome que
na Bairrada se dá ao fernão pires), serão as primeira a ser cortadas.
Tintos para espumante só lá para o final da primeira semana de
Setembro, enquanto para vinho tinto só em final de Setembro, princípio
de Outubro.

No Douro conversámos com quatro proprietários e ou enólogos: Stéphane
Ferreira, dono da Quinta do Pôpa (região de Tabuaço), Cristiano Van
Zeller (enólogo e dono da Quinta do Vale D. Maria), Paulo Ruão
(director de enologia e accionista de Lavradores de Feitoria) e Jorge
Moreira (produtor do Vinho Poeira e enólogo da Real Companhia Velha).
Também eles relataram atrasos que nalguns casos podem chegar às três
semanas.

Contudo, Jorge Moreira referiu que a maior parte da casta bastardo já
está pronta a vindimar. Será a excepção.

Atraso vem do Inverno Se há um atraso geral, de onde é que vem? Do
Verão seco, embora com temperaturas relativamente baixas que temos
tido?

Todas as pessoas com quem falámos são unânimes em afirmar que o atraso
se deve ao Inverno muito seco (crê-se que o mais seco dos últimos 65
anos), que atrasou imenso o abrolhamento das videiras. Como tudo
começou mais tarde, também deve acabar mais tarde. Mas será assim tão
linear? Não, não é, porque a vitivinicultura, isto é, a cultura da
vinha e a feitura do vinho, tem muito que se lhe diga.

Conta-nos Pedro Correia que as videiras são plantas altamente
resistentes e sabem-na toda. Assim sendo, entre outras habilidades,
são capazes de fechar os estomas nas folhas para não perderem, por
evaporação, a água que lhes é vital. Resistem, mas com esse fecho dos
estomas também cessa a entrada de dióxido de carbono, essencial para a
fotossíntese, e com isso a maturação pára. Se chover, a videira
recomeça imediatamente o seu ciclo normal, e é por essa razão que
nenhum dos técnicos contactados se quis arriscar a fazer um
prognóstico para a qualidade das uvas, e muito menos do vinho desta
safra. Tudo porque dois ou três dias de chuva em Agosto e a manutenção
de uma temperatura mais ou menos amena podem mudar tudo num instante.

Mas então é ou não verdade que as videiras, para produzirem com
qualidade e regularmente, gostam de um bocadinho de stress hídrico e
que, actualmente, uma boa parte das vinhas já tem instalada rega?

Sim, tudo isso é verdade e, quanto à falta de água, as videiras
(sobretudo as mais velhas) são capazes de lançar raízes que chegam aos
dez metros de profundidade em busca de lençóis freáticos. O problema é
que, sem a reposição que a chuva de Inverno permite, esses lençóis
estão também à míngua. Choveu alguma coisa em Abril, mas já era tarde.
João Portugal Ramos contou-nos que a precipitação normal na zona das
suas propriedades em Estremoz ronda os 500 milímetros, por metro
quadrado e por ano, e que entre o final das vindimas de 2011 e agora
só caíram cerca de 100 milímetros – cinco vezes menos!

Há a rega e uma boa parte dos novos projectos já a contempla mas, como
refere Pedro Correia, é uma solução muito cara, sobretudo no Douro,
por uma questão do relevo do terreno. O mesmo nos referiu Luís Vieira,
afirmando que na Quinta do Gradil se utiliza a rega sobretudo para as
plantações mais jovens e nas encostas, não a utilizando nos vales.

Mas quem quer uvas de boa qualidade também não pode abusar da rega,
sob pena de ter uvas grandes mas desinteressantes, com pouco álcool,
pouco açúcar e poucos frutados (aquilo que eu, em miúdo, sempre ouvi
chamar de uva mijona).

É, portanto, pelo equilíbrio entre uma série de factores que têm de
ser ponderados por estes enólogos (no lote dos nossos melhores) que o
destino da colheita passa. E uma decisão errada pode deitar tudo a
perder.

É por essa razão que, como atrás referimos, os enólogos vão à vinha
todos os dias saber do estado de maturação. E como o fazem?

Mais uma vez, Pedro Correia ajuda-nos: "Na nossa casa, o
acompanhamento da evolução da maturação das uvas começou na passada
segunda-feira, trabalho que inclui uma amostragem de bagos, casta por
casta, quinta por quinta, realizado por uma equipa especializada de
acordo com o plano de amostragem previamente estabelecido para cada
quinta (pontos de amostragem definidos para cada bloco monovarietal).

O acompanhamento do processo de maturação das uvas inclui análises
químicas dos mostos, complementadas com a análise sensorial dos bagos.

Da análise química podemos obter informação sobre a concentração dos
açúcares, dos ácidos e dos importantes compostos polifenólicos,
relacionados com a cor e sabor dos vinhos tintos.

A análise sensorial de bagos possibilita a avaliação dos três
componentes de forma independente: a polpa, que nos permite perceber a
relação açúcares/ácidos, que em função da evolução da maturação vai
reflectindo o aumento dos açúcares e a diminuição da concentração dos
ácidos, aproximando-nos do equilíbrio de sabores desejado; a película,
onde se localizam os compostos e precursores aromáticos, a cor e
também uma parte dos taninos, que nos permitem apreciar a evolução dos
sabores herbáceos para os sabores e aromas retronasais de fruta
fresca, e nos dedos podemos avaliar a facilidade com que a cor se
liberta da película; as grainhas, que são reservatórios de taninos,
compostos importantes para a longevidade e potencial de envelhecimento
dos vinhos, com as quais podemos perceber a evolução da maturação
destes compostos pela transformação de aromas herbáceos e uma
adstringência exagerada em aromas de frutos secos, torrefacção,
amêndoas, indicadores de uma maturação a chegar ao ponto óptimo.

Nas grainhas, a avaliação da cor (que vai desde o verde até ao
castanho escuro) também nos permite perceber se a evolução positiva
está a ocorrer. Toda essa informação é uma ferramenta importante para
nos ajudar a tomar decisões críticas, designadamente, relacionadas com
o timing de colheita, no ponto óptimo de maturação das uvas, ou seja,
aquele que corresponde a um relação favorável açúcares/ácidos, à cor
que facilmente se extrai a partir das películas e também a taninos
maduros e doces."

NA ADEGA Quando a vindima arranca, outro problema se coloca: o
processamento das uvas
Para os produtores que têm uma capacidade instalada que lhes permita
vinificar tudo de uma só vez é mais fácil, mas para quem tenha grandes
quantidades é mais complicado.

A família Symington, que processa, por ano, várias dezenas de milhões
de litros de vinho (tranquilos e fortificados), tem vários centros de
vinificação. O maior é na Quinta do Sol, onde têm duas adegas a
funcionar em paralelo. A maior recebe uvas próprias e uvas de compra,
cuja qualidade também é controlada, produzindo DOC Douro tinto e
branco e vinho do Porto.

A outra adega, dos reservas, é mais pequena e cada cacho passa por uma
selecção manual (todos os bons produtores o fazem para as suas
melhores colheitas, como é exemplo a foto que publicamos da triagem na
Herdade das Servas). Seguem-se processos diferentes consoante o tipo
de vinho que se quer obter, mas isso já é um assunto que não passa por
este artigo sobre as vindimas.

No entanto, não queremos deixar de apontar o exemplo da Adega de
Borba, que recebe uvas dos vários sócios e onde é necessário
estabelecer uma calendarização complicada com cada produtor para não
haver engarrafamento à porta da adega. Manuel Rocha conta que nem
sempre é fácil, mas que tudo acaba por se resolver.

E se o grande medo de Abraracourcix, o chefe da aldeia gaulesa onde
vivia Astérix, era que o céu lhe caísse em cima da cabeça, o grande
medo dos nossos vitivinicultores é que chova durante a vindima. "É um
desastre!", dizem.

http://www.ionline.pt/portugal/vindimas-2012-seca-provoca-atraso-qualidade-uma-incognita

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