domingo, 23 de setembro de 2012

“É possível haver um circuito turístico ligado à suinicultura”

Vítor Menino, presidente da direção da Associação Livre de Suinicultores



"Há muitas pessoas que vivem nos centros urbanos e que têm curiosidade
em conhecer este tipo de coisas", mas primeiro é necessário
"desmistificar" a ideia que existe em relação às suiniculturas. O
presidente da direção da Associação Livre de Suinicultores (ALIS)
defende que "é preciso que as pessoas saibam em que condições os
porcos são criados, onde e como habitam e as condições que lhes são
dadas", explicando que "as explorações atuais são locais muito
asseados" e "podem coexistir" com o homem sem fazer má vizinhança.
Vítor Menino, em entrevista ao "Setúbal na Rede", explica que um dos
objetivos da ALIS é lutar "para que esse preconceito seja
ultrapassado", porque "o porco tem de ser visto como um bem e não como
um encargo para a sociedade". No entanto, admite que "a classe
política nunca valorizou esta área", porque "não há razão nenhuma para
que Portugal não seja autossuficiente".

"Setúbal na Rede" - De que forma é que a suinicultura pode ter
potencial turístico no Montijo?

Vítor Menino - Esta é uma atividade que tem história e raízes na
cultura e tradição portuguesa e que evoluiu tecnologicamente ao longo
dos últimos anos, permitindo que Portugal seja hoje competitivo.
Infelizmente, a suinicultura ainda é muito mal vista pelo cidadão
urbano e essas ideias erradas têm de ser desmitificadas. O porco
existe e pode ser criado em ótimas condições porque, se elas não
existirem, o animal não pode ter o nível de produtividade que
precisamos para sermos competitivos. O primeiro dia da Feira do Porco
vai ser dedicado à escola e às crianças, porque queremos explicar-lhes
de onde vêm as febras e as bifanas e pretendemos mostrar que o porco é
um animal por quem se nutre carinho. Mesmo para a subsistência da
própria atividade é preciso que as pessoas saibam em que condições os
porcos são criados, onde e como habitam e as condições que lhes são
dadas.

SR – Sente que prevalece a ideia de que a suinicultura está
relacionada com má vizinhança por causa do cheiro desagradável?

VM - Essa é uma ideia que pertence ao passado. As explorações atuais
são locais muito asseados e as pessoas deviam perceber que os homens e
os animais fazem parte da natureza e podem coexistir, ao contrário
daquilo que os dogmas afirmam. Ainda há prevaricadores, mas na grande
maioria dos casos é possível viver paredes meias com uma suinicultura
sem que isso traga má vizinhança. Na minha opinião, nos dias de hoje,
os homens agridem mais os animais do que os animais agridem os homens.
A ALIS nunca defendeu prevaricadores, defendemos apenas aqueles que
sabemos que são cumpridores e que cumprem as condições de higiene e
saúde, porque se apenas esses existirem, a sociedade pode conviver
saudavelmente com as suiniculturas. Na Alemanha e na Dinamarca há
explorações em que de um lado vivem os animais e do outro lado do
mesmo edifício vivem as pessoas e mesmo em Portugal já há muitas
explorações em que os animais dejetam diretamente para uma fossa, que
está ligada a uma estação de tratamento e por isso não há cheiros nem
dejetos visíveis.

SR - Uma das preocupações da ALIS é garantir o cumprimento das normas?

VM - Sim, sem dúvida. Representamos 50 mil reprodutores associados,
num universo de 200 mil, e representamos um terço do efetivo de fêmeas
suinícolas a nível nacional. A ALIS é a associação suinícola mais
antiga com âmbito nacional e é igualmente a mais representativa, daí
que neste momento tenhamos a presidência da Associação Portuguesa de
Suinicultores. Antigamente, o Montijo agrícola era menos respeitador,
os porcos eram criados de uma outra forma e havia alguma agressão em
termos de cheiros. Hoje, isso já não acontece porque as explorações do
Montijo cumprem integralmente as regras exigidas.

SR – Por que razão a sede da ALIS é no montijo?

VM - A sede da ALIS é no Montijo por motivos históricos. A atividade
intensiva da suinicultura começou entre 1950 e 1960 e o que se fazia
em termos de troca de animais era feito no Montijo e na zona de
Leiria. As pessoas compravam os animais no Alentejo e iam a pé até
Bragança, de feira em feira. Mais tarde, com o aumento da
industrialização na zona da Grande Lisboa, começou a haver um consumo
maior do que a produção e como o Montijo era um lugar de passagem
entre o Alentejo, onde havia as criações, e as várias zonas de
consumo, passou a ser uma zona de excelência de engorda de porcos. A
suinicultura intensiva começou no Montijo e continua até hoje, em
especial na zona este do concelho, porque o desenvolvimento urbano
assim o ditou.

SR – O Montijo ainda é a capital do porco?

VM - Sim, ainda é aqui que se faz a Feira Nacional do Porco e a maior
parte da massa cinzenta da atividade concentra-se no Montijo, embora
existam outros locais bastante produtivos e com bastante importância,
como Leiria e Benedita.

SR – Essa poderia ser uma bandeira que o Montijo devia assumir de
forma mais marcante?

VM - Eu acho que sim, mas é preciso desmitificar o porco, porque
quando vendermos a imagem do porco este tem de ser um animal
acarinhado. É isso que estamos a tentar fazer na Feira do Porco, até
porque o porco tem de ser visto como um bem e não como um encargo para
a sociedade. Lutamos para que esse preconceito seja ultrapassado,
porque as suiniculturas devem significar progresso e evolução social e
não podem ter a si associadas o negativismo que tem caracterizado a
atividade até hoje.

SR – As suiniculturas podem ser um produto turístico?

VM - Sim e os suinicultores estão abertos a isso. Há regras de
segurança à saúde animal que exigem que as visitas cumpram alguns
preceitos de higiene e desinfeção. Por exemplo, se alguém for visitar
uma exploração deve tomar banho antes e depois da sua visita e não
deve visitar outra exploração no mesmo dia, porque há a possibilidade
de levar vírus para porcos de outra exploração. Atualmente, os
produtores têm de ter esses procedimentos todos os dias.

SR – Há hoje uma nova geração de suinicultores?

VM - O produtor típico já não existe. Hoje o trabalho numa
suinicultura não é um trabalho físico porque é um plano informático
que gere a exploração. Qualquer pessoa pode fazê-lo facilmente através
do programa e hoje não se transporta ração, não há limpezas físicas
nem água e tanto as ventilações como a temperatura são automatizadas.
A temperatura ambiente nos animais varia com a idade e isso pode
acontecer no mesmo espaço físico. Hoje a produção atingiu níveis de
competitividade que eram impensáveis há alguns anos atrás e isso só é
possível devido à evolução que aconteceu a nível genético, alimentar e
logístico. Por exemplo, todos os porcos numa suinicultura são cem por
cento fruto de inseminação artificial e a única função do porco
barrasco é namorar com a porca para que ela tenha fluídos para que o
espermatozoide ande mais rápido.

Há muitos jovens a entrar nesta atividade, especialmente mulheres
jovens. As explorações já não vivem com o suinicultor antigo, pois
agora os responsáveis são técnicos com cursos superiores, na maioria
dos casos. As mulheres são mais perfeitas, metódicas, organizadas e
têm mais vocação e aptidão para este tipo de trabalho, porque são
capazes de parar e ouvir. Os melhores resultados a nível de
produtividade são de explorações que são geridas por jovens e
mulheres.

SR - A qualidade daquilo que se produz nesta zona está ao nível de
outros países?

VM - Se se comer carne de porco oriundo da Europa essa carne é
completamente saudável. A América aprovou agora a utilização de
ractopaminas, que são hormonas de crescimento que são proibidas na
Europa, porque a própria Organização para a Agricultura e Alimentação
desaconselha. Na Europa não se utiliza qualquer medicamento nos
animais se não houver uma prescrição médica e, quando esses animais
são abatidos, essa informação sobre os químicos dados aos porcos é
disponibilizada. É totalmente seguro consumir carne produzida em
Portugal e no espaço europeu. Por outro lado, sabemos que se comermos
carne de porco produzida no nosso país, essa carne provém de um animal
cujos alimentos foram higienizados e isso é um sinal de segurança.

SR - Com essas exigências, não se perde na competitividade?

VM - Obviamente que sim. Atualmente sabemos que a Organização Mundial
de Saúde vai condicionar as carnes dos Estados Unidos da América e do
Brasil porque utilizam hormonas e químicos de crescimento. Não podemos
competir com a utilização de produtos que a nós nos são vedados e os
consumidores precisam de saber que essas carnes possuem químicos e
produtos de crescimento artificial. É por isso que defendemos que tem
de se criar barreiras, para bem do consumidor e da produtividade
europeia, já que as cadeias de distribuição não estão preocupadas com
isso, uma vez que querem comprar o mais barato e vender mais barato
que os outros supermercados.

SR - Qual é o estado de saúde dos produtores que se mantém no Montijo?

VM - É muito débil. Temos desafios constantes e crescentes e nos
últimos cinco anos temos passado por um período extremamente difícil
em toda a Europa, mas em especial em Portugal, porque a classe
politica nunca valorizou esta área. Portugal conseguiria ser
exportador, mas atualmente, por termos uma deficiência de produção de
cerca de 40 por cento, temos de importar. Temos um clima fantástico,
condições técnicas e logísticas ótimas, por isso o problema está no
facto de os políticos acharem que esta atividade não precisa de ser
potenciada e por esse motivo têm criado inúmeras barreiras, coimas e
processos muito burocráticos. Não há razão nenhuma para que Portugal
não seja autossuficiente.

SR – O Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo do Montijo
identifica a produção de carnes como um atrativo turístico. Quando
este plano for executado, esta atividade pode já não existir?

VM - Vai continuar a haver produção de carne. Temos espaço, vontade e
pessoas necessárias para que esta atividade cresça e conseguimos ser
muito competitivos. É necessário existir um trabalho concertado em que
a Câmara Municipal do Montijo e a Escola Profissional do Montijo ajam
em conjunto com a nossa associação. Estivemos 30 ou 40 anos a
deseducar em relação aos animais e às suas condições e agora temos de
fazer o caminho inverso e temos de levar as crianças até aos animais.
Os portugueses ainda não têm consciência disso, mas a carnes
portuguesas são seguras e saudáveis.

SR – Se aumentar o número de turistas a visitarem as explorações, isso
pode prejudicar a produção?

VM - Desde que os visitantes cumpram as barreiras de segurança
impostas, não vai prejudicar a produção, antes pelo contrário. É
possível haver um circuito turístico ligado à suinicultura porque há
muitas pessoas que vivem nos centros urbanos e, como não têm qualquer
noção de como isto funciona, têm curiosidade em conhecer este tipo de
coisas.

http://alis.suinicultura.com

Pedro Brinca e Rita Marques - 22-09-2012 01:19


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