quarta-feira, 26 de setembro de 2012

“Esta região é uma zona de excelência na produção de hortícolas”

Isabel Ferreira, diretora da Primohorta



"A agricultura e a floricultura fazem parte da identidade do Montijo,
isso é inquestionável, e funcionam como um cartão-de-visita", pelo que
"há um grande potencial, tanto do ponto de vista agrícola como
turístico" mas, para isso, a "imagem tem de ser trabalhada e é aí que
reside a falha". A diretora da Primohorta explica que, "quem é
curioso e quem faz turismo para conhecer as coisas mais diversificadas
pode descobrir imensa coisa no Montijo, onde é possível verem que,
afinal, nem as cenouras nem as batatas nascem dentro dos sacos".
Isabel Ferreira, em entrevista ao "Setúbal na Rede", não deixa de
denunciar que os agricultores têm "mais dificuldades atualmente do que
há uns anos atrás, porque os custos de produção são cada vez mais
elevados e algumas cadeias de distribuição destroem as margens de
lucro", além de que "Portugal importa o que os outros não querem
comer", porque os "estrangeiros valorizam o que é saudável e em
Portugal a valorização vai para o que é bonito".

"Setúbal na Rede" - De que forma a horticultura pode ser um recurso
turístico do Montijo?

Isabel Ferreira - A horticultura, a floricultura e as pescas marcam
presença nesta região desde sempre. Os comerciantes da Póvoa do Varzim
e de Coimbra vinham ao Montijo comprar as cenouras e as batatas,
porque esta região é uma zona de excelência na produção de produtos
hortícolas. É uma atividade económica com história, uma das mais
relevantes no concelho e, se a nível nacional a zona é bastante
conhecida, a nível de exportações, que eu tenha conhecimento, é a
Primohorta a maior entidade exportadora de batata e de cenoura. Penso
que quem é curioso e quem faz turismo para conhecer as coisas mais
diversificadas pode descobrir imensa coisa aqui no Montijo, onde é
possível verem que, afinal, nem as cenouras nem as batatas nascem
dentro dos sacos. Na Primohorta já tivemos algumas visitas de grupos
de alunos de várias universidades de Portugal, Cabo Verde e Japão que
aproveitam e ficam a conhecer todo o circuito. Há muito aquela ideia
de que as coisas na agricultura têm de funcionar de forma artesanal e
o Montijo pode mostrar que não tem de ser assim. Atualmente temos a
preocupação de dar resposta a quem nos procura, não é uma coisa que
fazemos todos os dias porque não nos chegam esses pedidos, mas é algo
muito fácil de organizar. Quem mostrar interesse nisso, pode marcar e
nós, dentro da empresa, articulamos as visitas pelas atividades que
desenvolvemos. Não sei onde está a lacuna, mas é a primeira vez que
sou confrontada com esta situação específica relacionada com o turismo
no Montijo nesta perspetiva, mas estamos recetivos e, se for
necessário, rapidamente fazemos um roteiro hortícola.

SR - A Primohorta ajuda, de alguma forma, a manter a identidade do
Montijo através da atividade agrícola?

IF - Sem dúvida alguma. O que muitos agricultores dizem é que, se não
fosse a Primohorta, a maioria já não estaria nesta atividade. Embora
muitas vezes a agricultura seja encarada de forma negativa, a minha
opinião é contrária, porque para se ser agricultor é preciso saber-se
muito e é uma atividade que continua a ser a base do nosso país. Aqui
no Montijo, para além de sabermos o que estamos a fazer, criamos
muitos postos de trabalho e temos aumentado o volume de vendas nos
últimos anos. A agricultura e a floricultura fazem parte da identidade
do Montijo, isso é inquestionável, e funcionam como um
cartão-de-visita. Na Primohorta acabamos por ser muito operacionais e
não cultivar tanto a vertente da imagem.

Entretanto, no concelho de Coruche aconteceu uma coisa muito positiva.
O presidente da câmara envolveu-se na certificação do sobreiro e de
toda a atividade da cortiça e foi a câmara municipal, em conjunto com
o grupo Amorim, que procedeu à certificação do montado de sobreiro
porque considerou que a cortiça era um bem precioso para o concelho.
Da mesma forma que o Montijo encomendou um estudo, Coruche fez a mesma
coisa e o executivo envolveu-se na iniciativa. Aqui poderia fazer-se o
mesmo em relação à batata, à cenoura e à cebola, porque nesta região
existe muito potencial. É o caso da cebola de Alcochete, que tem
características únicas e come-se como quem come uma maçã. O mercado
exige muito e as empresas acabam por não ter tempo. Por isso, as
entidades públicas têm também de se envolver nestas iniciativas.
Sempre que solicitamos temos o apoio da câmara municipal mas, por
vezes, esse apoio deveria surgir sem serem as próprias empresas a
pedirem, porque trazem mais-valias também à região. E nesta área há
tudo a fazer.

SR - A batata e a cenoura do Montijo têm características especiais?

IF - Sim, porque aqui há um microclima que, em conjunto com areias e
solos perto de água, permite-nos produzir cenouras o ano inteiro. Há
um grande potencial, tanto do ponto de vista agrícola como turístico.
Na minha opinião, já existe a imagem do Montijo como local de
excelência da horticultura, mas essa imagem tem de ser trabalhada e é
aí que reside a falha.

SR – Mas é um facto que a agricultura tem vindo a ser uma área
desinvestida ao longo dos últimos anos?

IF - A Primohorta tem contribuído para uma inversão disso. O Montijo
sofreu uma grande especulação imobiliária, devido à Ponte Vasco da
Gama e ao anúncio da construção do novo aeroporto, e por isso qualquer
terreno que fosse agrícola foi comprado para construção e plantou-se
casas, cimento e betão em vez de hortícolas. Para os proprietários dos
terrenos era mais rentável vender para a construção do que para a
agricultura e gerou-se um grave problema, o desordenamento do
território. Na agricultura é necessário fazer rotação de terras e os
agricultores mais pequenos não o podem fazem porque os proprietários
dos outros terrenos pedem valores muito elevados. A Primohorta tem
ajudado a gerar riqueza, ainda que os agricultores tenham mais
dificuldades atualmente do que há uns anos atrás, porque os custos de
produção são cada vez mais elevados e algumas cadeias de distribuição
destroem as margens de lucro. Se a produção não estivesse organizada,
esses agricultores talvez já tivessem abandonado a atividade.

SR - Como surgiu a Primohorta?

IF - Há muitos intermediários a vender produtos fitofármacos e os
agricultores gastavam muito dinheiro em produtos desnecessários e
precisavam de uma orientação técnica que os ajudasse. Por outro lado,
tanto havia excesso como falta de produção, e quando os agricultores
tinham muito os intermediários baixavam os preços, quando era o
contrário os agricultores aumentavam os preços. Havia fronteiras
fechadas e ambas as partes podiam brincar com os preços, mas a
abolição das fronteiras e a circulação livre de mercadorias trouxe
grandes mudanças no sector.

A Primohorta veio concentrar os agricultores e fazer planos de
produção. Nesta fase produzimos 66 toneladas de cenouras por dia,
temos 14 produtores e um técnico de campo que todos os dias fazem os
ajustes necessários. No ano passado a exportação foi 42 por cento do
nosso volume de vendas e quando os nossos agricultores não têm os
produtos de que precisamos, tentamos ir à procura de outros que
funcionem como nossos sócios e tentamos trabalhar em harmonia. No
fundo, o que fazemos é concentrar grande parte da oferta e colocamo-la
no mercado e para isso é preciso perceber que todos são importantes e
fazem falta, tanto os grandes produtores como os mais pequenos.
Estamos no meio de dois lados muito fortes, de um lado os agricultores
e do outro lado a distribuição, e a função da Primohorta é agradar às
duas partes de igual forma, sem que nenhuma saia prejudicada.

SR – No fundo, ajuda a atribuir escala ao sector, associando pequenos
e grandes produtores?

IF - Sem dúvida. A Primohorta é a maior organização de produtores a
nível da cenoura e da batata mas somos muito pequenos quando
comparados a outras associações de outros países. Quando fechamos um
contrato com a Alemanha eles não querem carregar dois camiões de
cenoura, querem carregar dez camiões por dia e isso significa que
temos de ter acordos com outras entidades. Temos conseguido fazer isso
com muita dificuldade porque em Portugal há um problema de
mentalidades e de estrutura e as pessoas não percebem que o mais
importante é fazer-se e vender-se e não interessa qual é o saco que
embala os nossos produtos.

SR – Mas há também um maior esmagamento das margens de lucro?

IF - Sim, mas os produtores são os principais culpados. Em Portugal, a
nível de custos de produção, somos semelhantes aos outros países, mas
há um mercado paralelo sem faturação muito grande e as regras não são
iguais para todos. A loucura do preço tem vindo a prejudicar toda a
cadeia, inclusivamente a qualidade e a segurança alimentar. Temos
plena consciência de que há muitos produtos que vêm de fora e depois
aparecem catalogados como "produto nacional" e nós sabemos que não o
são, só que não há qualquer tipo de controlo.

Por outro lado, quanto maiores forem os impostos, maior será a fuga
fiscal. Muitos produtores dizem-nos que não sabem como vão fazer,
porque para a Primohorta tem de haver faturação, mas se retirarem
dinheiro para pagar a única mão-de-obra que arranjam vão ser
penalizados pelo Estado em 60 por cento porque não têm como justificar
esses gastos, já que é difícil arranjar mão-de-obra legal. No dia em
que as questões de fiscalidade e de segurança alimentar forem
resolvidas isso será um grande contributo para a horticultura, porque
atualmente as regras não são iguais para todos. A Primohorta não tem o
preço mais barato porque cumprimos um conjunto de requisitos que
muitas outras entidades não cumprem, mas na relação de qualidade/preço
ganhamos, sem dúvida.

SR - As mentalidades estão preparadas para apostar na qualidade e para
trabalharem em conjunto?

IF - Já percorremos um grande caminho. Este grupo de agricultores que
representamos tem entre a quarta classe e a licenciatura, mas o nível
de conhecimento deles é muito elevado, pois são pessoas de mente muito
aberta e com grandes conhecimentos. Temos formações em sala em que
todos os produtores vão e estão interessados, há muita proatividade e
procura pelo conhecimento. Nós estamos muito aquém daquilo a que
poderíamos ir no que diz respeito aos fundos comunitários, mas os
produtores não querem ser subsídio-dependentes porque a penalização é
maior do que o benefício. Os mercados abastecedores começaram a ter
dificuldades e a distribuição começou a pagar melhor, mas mesmo assim
continua-se a comprar pelo preço mais baixo, independentemente da
qualidade.

SR - Como é que a Primohorta exporta tanto se em Portugal há falta de
produtos hortícolas?

IF - Porque os estrangeiros valorizam o que é saudável e em Portugal a
valorização vai para o que é bonito. Acontece várias vezes os
motoristas perguntarem-nos "como é que levamos cebolas, batatas e
cenouras para a Alemanha e França e paramos em Espanha para carregar
os mesmos produtos para serem consumidos cá?". No fundo, o que
acontece é que Portugal importa o que os outros não querem comer. Aqui
no Montijo temos produtos hortícolas altamente nutritivos e podíamos
aproveitar mais esse potencial. Há imensa coisa que poderíamos
dinamizar, até do ponto de vista turístico, pois existe a
possibilidade de se criarem spas de cenouras, de apostar a nível
gastronómico e até da própria saúde, onde há muitas atividades que se
podem desenvolver e nas quais a escola profissional também se poderia
envolver.

www.primohorta.pt

Pedro Brinca e Rita Marques - 26-09-2012 09:17

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