quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Hortas sociais: O regresso à agricultura nas cidades

Publicado por Jornal O RibatejoFotogalerias, twitter,
ÚltimasTerça-feira, Setembro 18th, 2012

Reportagem de Vanessa Colaço
vanessa.acolaco@gmail.com
Enquanto prepara o terreno para plantar hortaliças, Manuel perde-se em
memórias de infância que surgem ao ver uma criança de meses que se
embrenha na terra em brincadeiras. Estamos nas Bio Hortas Urbanas de
Almeirim um espaço que reúnem gerações.
Candidataram-se ao programa e, agora que receberam uma horta para
cultivar, partilham a tarefa com familiares e amigos num total de
cerca de 150 pessoas envolvidas no cultivo das 60 hortas, só no
município de Almeirim. Os números demonstram um claro interesse pela
agricultura em concelhos urbanos historicamente ligados à atividade,
mas onde atualmente esta constitui apenas uma pequena parte da
ocupação laboral, com a predominância dos setores secundário
(indústria) e terciário (serviços).
Cartaxo, Rio Maior, Almeirim e Santarém são exemplos de concelhos que
abraçaram este projeto de desenvolvimento sustentável que visa o
aproveitamento de espaços na periferia ou centro das cidades.
No passado mês de abril, a iniciativa arrancou na zona norte da cidade
de Almeirim onde uma área de 1.516m2 foi dividida em 60 lotes
distribuídos gratuitamente. Para que a exploração fosse feita à luz da
agricultura biológica foram organizadas quatro sessões de formação, em
sala e no terreno, um complemento educativo que surgiu da parceria
entre a Câmara Municipal e a Agrobio – Associação Portuguesa de
Agricultura Biológica.
Meses depois, o conceito deu frutos no concelho do Cartaxo, por
iniciativa da Eco Cartaxo – Movimento Alternativo Ecologista, e
começaram a ser cultivados na Quinta das Pratas, inicialmente, 14
talhões. Os valores do campo foram redescobertos e a adesão dos
habitantes foi uma boa surpresa para os seus empreendedores.
Rapidamente, foram preenchidos os 22 espaços disponíveis, atingindo-se
os 100% de ocupação. Estima-se que estejam envolvidas nesta iniciativa
entre 50 a 60 pessoas, que perfazem um grupo heterogéneo englobando
diferentes níveis sociais, de formação e faixas etárias, à semelhança
do que acontece nas restantes hortas da região. O fim primordial dos
alimentos é o consumo familiar, apesar de ser permitida a
comercialização dos produtos.
Em Rio Maior, a iniciativa avançou com a distribuição de 31 talhões,
dos 44 disponíveis. O terreno com cerca de 1.800m2 dispõe de
abastecimento de água, uma zona de compostagem e arrumos.
A antiga Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, foi o primeiro
local a receber um projeto desta natureza. Levado a cabo pela Casa
Solidária das Artes e Ofícios, o projeto, na altura pioneiro, data de
2011. Ao contrário dos exemplos anteriores, as hortas foram criada
estritamente numa prestativa de apoio social a famílias afetadas pelo
desemprego ou em situação de carência socioeconómica. Aqui encontraram
uma ocupação que ajuda a manter hábitos de trabalho e proporciona a
aquisição de competências profissionais, no âmbito da agricultura
tradicional. Têm neste momento 8 talhões ocupados, bem como
laranjeiras e limoeiros a serem cultivados no espaço comunitário. Os
22 lotes ainda disponíveis aguardam a ocupação e exploração por parte
de famílias em dificuldades interessadas na atividade agrícola.
As hortas comunitárias são uma realidade um pouco por todo o pais e
chegaram ao Ribatejo para promover uma alimentação saudável e um novo
conceito de comunidade, baseado no estreitamento de laços entre
habitantes e na otimização da qualidade de vida nos centros urbanos.
O espírito comunitário que se vive entre os horticultores estende-se à
manutenção, feita de forma participada e à aprendizagem conjunta,
usufruindo da sabedoria dos mais experientes. Cultivam e consomem os
frutos do próprio trabalho numa experiência que será, no mínimo,
enriquecedora. A obtenção dos lotes não está dependente de qualquer
pagamento e os critérios de seleção baseiam-se na ordem de chegada das
inscrições e na proximidade da residência ao local das hortas.
Contudo, os materiais necessários são da responsabilidade do
horticultor que, caso não os possua, terá de os adquirir.

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Bio Hortas crescem em Almeirim
Com apenas seis meses de existência, as Bio Hortas Urbanas de Almeirim
registam bons resultados em termos de produção e satisfação dos
participantes, o que leva o vice-presidente Pedro Ribeiro a considerar
que esta foi uma "aposta de sucesso".
"Em 10 dias distribuímos todas as hortas e já temos lista de espera.
Estamos a projetar numa zona circundante, que estava prevista para
outro tipo de intervenção, o aproveitamento de mais espaços para
tentar reduzir a lista de espera", explica Pedro Ribeiro.
O município procurou atender a três vertentes essências. "O facto de
sermos um concelho agrícola e maior parte das pessoas de gerações mais
avançadas terem tido, com alguma regularidade, contacto com o campo
foi um dos motivos pelos quais quisemos permitir o regresso das
pessoas à terra e à agricultura. Por outro lado, o facto de as hortas
serem um complemento aos orçamentos familiares que, ao final do ano,
pode representar uma poupança de centenas de euros acabando por
consumirem alimentos de qualidade superior. Por fim, uma componente de
interação social. Há gente passa o dia inteiro nas hortas, o que para
49m2 parece um abuso, mas estão ali sobretudo pelo convívio",
esclarece Pedro Ribeiro.
Havia pouca convicção no bom resultado deste projeto devido ao facto
de o terreno, ao fundo da Avenida da Liberdade, ter sido durante anos
um depósito de lixos, ser um terreno árido e com eucaliptos que sugam
a água e os nutrientes da terra. Depois de um trabalho de
aproveitamento, que incluiu a desarborização, regularização e
abastecimento de água, nasceram as Bio Hortas e preparam-se agora para
aumentar o espaço de cultivo.
Numa segunda fase do projeto, está a ser pensada a expansão para mais
do dobro dos talhões, ainda sem aprovação nem previsão de datas. A
próxima melhoria efetiva será a colocação de uma casa de banho, um
pequeno telheiro para servir de espaço de refeições e, possivelmente,
um pequeno grelhador.

Jovens querem cultivar a terra
A maior surpresa foi o interesse dos jovens nesta experiência
agrícola. No concelho de Almeirim 58% dos horticultores têm menos de
45 anos e apenas 13, dos 60 inscritos, se encontram reformados ou
desempregados. Os jovens casais que aderiram a esta iniciativa trazem
os seus filhos para cultivar os alimentos que depois consomem em suas
casas.
"É muito interessante ver aqui crianças de três ou quatro anos, e
sentir que estas gerações se estão a aproximar da terra. Alguns pais
dizem que os filhos preferem vir para a horta do que ir para o ATL",
explica Vera Nunes, uma jovem engenheira do ambiente que faz o
acompanhamento das bio hortas.
"Há um convívio enorme e principalmente entre pessoas com mais idade,
que se dispõem a ajudar, e os jovens, que estão recetivos, havendo uma
partilha muito grande de experiências", o que leva a engenheira a
acreditar que a interação e diferença de idades entre os horticultores
são os motivos para o sucesso da iniciativa.
As normas neste espaço são simples e a regra-chave é a não utilização
de qualquer tipo de produtos químicos nas colheitas, algo que vai
totalmente contra as práticas biológicas. Para além disso, preza-se a
manutenção e preservação do local e o máximo respeito pelos espaços
alheios e comuns. A revitalização do terreno foi possível devido ao
empenho de todos, a ajuda dos conhecimentos de adubagem e agricultura
biológica, o envolvimento e disponibilidade dos especialistas que têm
acompanhado todas as fases do processo.

http://www.oribatejo.pt/2012/09/hortas-sociais-o-regresso-a-agricultura-nas-cidades/

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