segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Mr. Magoo e o MAMAOT

Paulo Pimenta de Castro

Quincy Magoo era um velhinho baixo, careca e com grave deficiência
visual que se envolvia em situações cómicas e perigosas devido à sua
pouca visão. A personagem, um desenho animado, mais conhecida por Mr.
Magoo, foi criada pela United Productions of America.

A falta de visão de Mr. Magoo tem paralelismo com a atual falta de
Visão do MAMAOT para as florestas e para o setor florestal, facto que
também proporciona, a este último, situações caricatas e perigosas.

Analisemos os factos respeitantes ao caso específico da proposta de
alteração legislativa sobre as ações de (re)florestação com eucalipto.
Tal como concebida, tornou-se em si numa situação caricata e perigosa.

Tendo em consideração:

Que nos últimos 30 anos, apesar da ausência de apoios públicos a ações
de arborização com a espécie, a área de eucaliptal aumentou 354.000
hectares, um acréscimo de 91,7%, situando-se hoje nos 740.000
hectares, ou seja 21% da área florestal do Pais. Esta área florestal,
da qual depende a industria da pasta celulósica e do papel, e detida
maioritariamente por produtores privados, na sua grande maioria com
explorações de reduzida dimensão, abaixo dos 5 hectares, estas ultimas
situadas com maior destaque nas regiões Centro e Norte.

Que apesar do significativo aumento de área registado, os
especialistas reconhecem que a produtividade media nacional nos
eucaliptais se situa hoje ao nível de... 1928 (10 m3/hectare/ano),
facto que, sou por si, deveria recomendar uma aposta estratégica na
promoção da melhoria da qualidade dos eucaliptais atualmente
existentes em Portugal.

Que os preços pagos a porta da fabrica, nos últimos 30 anos, de acordo
com os dados publicados na Estratégia Nacional para as Florestas
(1975/2005) e os dados registados pelo Instituto Nacional de
Estatística, nas Contas Económicas da Silvicultura (2000/2010),
evidenciam queda sistemática, apesar de alguns picos registados na
década de 90. Isto, apesar do aumento no consumo intermédio na
produção, sobretudo dos custos com mão de obra e com gasóleo, bem como
da evolução favorável do preço da pasta celulósica de eucalipto no
mercado internacional. O rendimento empresarial líquido da
silvicultura e exploração florestal registou uma tendência de queda no
último decénio, situação desfavorável aos produtores silvícolas.

Que o setor da industria da pasta celulósica, de primeira
transformação, mais ligada a produção, era ate há alguns anos atrás
constituído por 4 empresas: a Portucel, a Soporcel, a Celbi e a Caima;
empresas essas que se foram fundindo, sendo o mercado atual ocupado
apenas por 2 empresas: a Portucel Soporcel e a Altri; uma das quais em
dificuldades financeiras, podendo perspetivar-se uma potencial
concentração numa única empresa.

Que, segundos dados dos últimos Inventários Florestais Nacionais
(1980/1989 e 2005/2006), os especialistas registam indícios de
crescente abandono da gestão nos eucaliptais nacionais, com especial
evidencia no período 1992 a 2005. Aguardam-se com expectativa os
números do ultimo Inventario (2011/2012), cujos valores deverão ser
disponibilizados ao longo do ultimo trimestre de 2012, no que respeita
a áreas, e inicio de 2013, nos referentes a volumes.

Que, segundo os dados disponíveis nos Serviços Florestais, o eucalipto
ocupa a segunda posição em termos de área ardida, no conjunto das
espécies existentes na floresta portuguesa, seguindo-se ao pinheiro
bravo. A área ardida de eucaliptal tem vindo a aumentar nas ultimas
três décadas, consequencia do aumento de área, claramente, mas também
da crescente ausência de gestão florestal (o que não gera negocio e
abandonado, logo desprotegido).

Em consequência, pode-se então resumir que, na história dos
eucaliptais nacionais nos últimos 30 anos, apesar de um aumento
significativo de área, a produtividade média nacional remonta a 1928,
os preços à produção têm decrescido ao longo dos anos, é evidente a
concentração do setor industrial da celulose, são cada vez mais
evidentes os indícios de abandono dos povoamentos com eucalipto e
aumenta a vulnerabilidade da espécie aos incêndios florestais.
Regista-se por um lado a aposta na massificação da cultura (aumento de
área, manutenção da produtividade), bem como um ajustamento, por parte
de milhares de produtores florestais, da gestão dos seus eucaliptais
(absentismo) às expectativas de negócios gerados pelo eucalipto.

O que se constata em 2012:

O MAMAOT apresentou uma proposta de alteração legislativa as ações de
arborização e rearborização com eucalipto, com o objetivo de facilitar
a massificação desta cultura, em concreto no minifúndio. Esta proposta
aparece de forma avulsa, extemporânea a discussão de uma estratégia
nacional para as florestas e irresponsável do ponto de vista da gestão
e do planeamento florestal, bem como da proteção dos recursos
naturais.

O Ministério, com esta proposta, conseguiu a proeza de opor a fome a
vontade de comer, situação caricata e potencialmente perigosa.
Instaurou no setor florestal uma verdadeira "guerra civil", com a
fileira da madeira e mobiliário e a fileira da pasta e papel a
degladiarem-se publicamente, dois verdadeiros "tigres de papel",
dependentes que são de uma floresta de sustentabilidade, no mínimo,
duvidosa. Foi feito tudo o que não se deveria esperar do Ministério da
tutela, o fomento da conflitualidade por uma postura de parcialidade.

A iniciativa esta longe de ser inovadora, de quebrar ciclos, de
aproveitar oportunidades. Ao invés, fomenta mais ainda a estratégia de
massificação da cultura dos últimos 30 anos. Mais quantidade, igual ou
menos qualidade. Uma pobreza politica (muita politics, nenhuma
policy).

A proposta do MAMAOT e estrategicamente negativa, perde uma excelente
oportunidade de valorizar a gestão florestal ativa e a certificação
florestal. Independentemente da dimensão (em área) da ação de
arborização ou rearborização, não faz sentido a exigência de
requerimento de autorização para quaisquer povoamentos florestais
sujeitos a Planos de Gestão Florestal (PGF), já de si aprovados pelos
Serviços Florestais, muito menos por explorações com áreas florestais
certificadas, em concreto de eucalipto, as quais, para alem do PGF
aprovado oficialmente, são ainda auditadas regularmente por entidades
terceiras especializadas. Ora, são precisamente as áreas com maiores
indícios de absentismo que a proposta isenta de autorização (indicio
evidente da aposta numa campanha de massificação da cultura).

A iniciativa perde ainda uma excelente oportunidade de ser
politicamente audaz, ao não anular definitivamente a cobrança de taxas
no inicio de processos biológicos de evidente e reconhecido sequestro
de carbono. Quanto muito fará sentido a analise de taxas ao nível de
procedimentos de libertação do carbono retido pelos eucaliptais.

Se o objetivo e o aumento das exportações, as arborizações e
rearborizações só gerarão material lenhoso a 12 anos, pelo que será
mais consequente a intervenção nos eucaliptais já instalados,
melhorando a sua gestão, garantindo a sua proteção e, quando possível,
melhorando a sua produtividade. A 12 anos, só mesmo para apoio à
liquidação dos encargos com as PPP, de 2025 em diante.

O Ministério conseguiu ainda a proeza de, a nascença, estigmatizar o
recém criado Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF), com uma proposta caricata, do ponto de vista conservação da
Natureza, e perigosa, do ponto de vista florestal. Dificilmente será
possível dissociar, no futuro, o ICNF da "Campanha do Eucalipto".

A via da qualidade representa árduo trabalho (investigar, divulgar,
formar). A via do facilitismo favorece a aposta na quantidade, na
massificação

indiscriminada, como visa a proposta legislativa do MAMAOT. Todavia,
mais tarde o diferencial (económico, ambiental e social) entre estas
duas vias terá de ser liquidado, acrescido de juros (aliás, como
atualmente todos nós bem sabemos).

A contestação à iniciativa do MAMAOT, não deve ser centrada na árvore
em si, com lugar na floresta produtiva nacional, tal como a indústria
papeleira, mas sim na estratégia do MAMAOT, semelhante à Campanha do
Trigo implementada pelo Estado Novo. Todavia, no caso presente, não
são assegurados serviços de extensão rural, para apoio à gestão dos
eucaliptais, nem condições justas de acesso aos mercados, permanecendo
os agricultores e produtores florestais à mercê de posições
monopolistas da indústria transformadora, cada vez mais centrada num
único operador económico.

Tal como Quincy Magoo teria hoje disponíveis inúmeras soluções
técnicas para melhorar significativamente a sua visão, evitando assim
envolver-se em situações cómicas e perigosas, também o MAMAOT tem a
oportunidade de definir uma Visão que represente uma verdadeira
mudança de paradigma nas florestas em Portugal, não se expondo a
situações caricatas, nem se estigmatizando em soluções perigosas. Será
capaz de operar essa mudança? Condições políticas não lhe faltam, mas
a cada dia que passa adensam-se as dúvidas que a consiga operar.

Lisboa, 3 de setembro de 2012

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao
Investimento Florestal

http://www.agroportal.pt/a/2012/pcastro5.htm

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