quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O nosso Verão de verdade climática

23 Setembro 2012 | 23:30
Jeffrey D. Sachs - © Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org

Jeffrey D.

OpiniãoO nosso Verão de verdade climática

O clima é o padrão geral da temperatura e da pluviosidade em
determinado lugar. O estado do tempo é a temperatura e a pluviosidade
nesse determinado lugar, em determinada altura. Como diz o velho
ditado, "o clima é aquilo que esperamos; o estado do tempo é aquilo
que temos".
Há anos que os cientistas do clima têm vindo a advertir o mundo para o
facto de a pesada utilização de combustíveis fósseis (carvão, petróleo
e gás natural) ameaçar o planeta com alterações climáticas induzidas
pelo Homem. A crescente concentração de dióxido de carbono na
atmosfera, um subproduto da queima dos combustíveis fósseis, aquece o
planeta e altera os padrões de chuvas e tempestades, elevando também
os níveis do mar. Agora, essas mudanças fazem-se sentir em todos os
quadrantes, apesar de poderosos lobbies empresariais e propagandistas
dos meios de comunicação social, como Rupert Murdoch, tentarem negar a
verdade.

Recentemente, os Estados Unidos começaram a viver a sua pior seca de
sempre dos tempos modernos. A região do Midwest e dos Estados das
Planícies Altas, que são o celeiro do país, estão a arder sob uma
enorme onda de calor, e mais de metade do país está em estado de
emergência devido à seca e com um cenário pouco tranquilizador pela
frente.

Do outro lado do mundo, Pequim foi atingida pelas piores chuvas alguma
vez registadas, com cheias que fizeram muitas vítimas mortais. O Japão
tem também sido vítima de uma vaga de chuvas torrenciais nunca antes
vista. Duas das regiões áridas de África – o Corno de África, a
Oriente, e o Sahel, a Ocidente – registaram devastadores períodos de
seca e fome nos últimos dois anos: as chuvas não vieram, fazendo com
que muitos milhares de pessoas morressem, enquanto milhões correm
risco de vida devido à fome.

Os cientistas atribuíram um nome à nossa era, Antropoceno, um termo
que vem do grego e que significa "época dominada pelos seres humanos"
– trata-se de um novo período da História da Terra, em que a
humanidade se tornou a causa das alterações climáticas a nível
mundial.

A humanidade afecta não só o clima da Terra como também a química dos
oceanos, os habitats terrestres e marinhos de milhões de espécies, a
qualidade do ar e da água, bem como os ciclos da água, do nitrogénio,
do fósforo e de outras componentes essenciais que sustentam a vida no
planeta.

Durante muitos anos, o risco de alterações climáticas foi grandemente
encarado como algo que aconteceria num futuro distante, um risco que
talvez se colocasse aos nossos filhos ou aos nossos netos. Essa ameaça
deveria ter sido, naturalmente, motivo suficiente para agir. Mas agora
temos uma melhor percepção das coisas e estamos a perceber que as
alterações climáticas também nos dizem respeito a nós, à actual
geração.

Já entrámos numa nova era muito perigosa. Se você for um jovem, as
mudanças climáticas e outros ricos de danos ambientais provocados pelo
Homem serão factores primordiais na sua vida.

Os cientistas enfatizam a diferença entre clima e estado do tempo. O
clima é o padrão geral da temperatura e da pluviosidade em determinado
lugar. O estado do tempo é a temperatura e a pluviosidade nesse
determinado lugar, em determinada altura. Como diz o velho ditado, "o
clima é aquilo que esperamos; o estado do tempo é aquilo que temos".

Quando as temperaturas estão especialmente elevadas, ou quando as
chuvas são particularmente fortes ou fracas, os cientistas tentam
determinar se essas condições atípicas resultam de alterações
climáticas duradouras ou se simplesmente reflectem uma prevista
variabilidade.

Assim sendo, será que a actual onda de calor nos EUA (que torna este
Verão o mais quente de sempre), as fortes inundações em Pequim ou a
severa seca no Sahel são um caso aleatório de mau tempo ou meramente o
resultado de alterações climáticas induzidas pelo Homem?

Durante muito tempo, os cientistas não souberam responder com precisão
a este tipo de perguntas. Não tinham a certeza se um determinado
desastre climático podia ser atribuído a causas humanas ou a uma
variação natural. Eles não tinham sequer a certeza de que conseguiram
saber se um determinado evento (como fortes chuvas ou seca) era tão
extremo que ficava fora da variação normal.

No entanto, nos últimos anos, uma nova ciência de "detecção e
atribuição" [de causas] tem vindo a registar grandes progressos, tanto
em matéria conceptual como empírica.

A detecção significa determinar se um evento extremo faz parte de
normais flutuações meteorológicas ou se é um sintoma de uma alteração
mais profunda e de longo prazo. A atribuição significa a capacidade de
relacionar as causas prováveis de um evento com a actividade humana ou
outros factores. A nova ciência da detecção e da atribuição está a
aguçar os nossos conhecimentos – e também a dar-nos mais motivos para
preocupação.

Vários estudos realizados no ano passado demonstraram que os
cientistas podem, de facto, identificar alterações climáticas de longo
prazo na crescente frequência de eventos extremos – como ondas de
calor, fortes chuvadas, graves períodos de seca e grandes tempestades.
Ao recorrerem a sofisticados modelos de simulação do clima, os
cientistas estão não só a detectar alterações climáticas de longo
prazo como estão também a atribuir, pelo menos parte desses eventos
extremos, a causas humanas.

Os dois últimos anos trouxeram-nos uma série chocante de eventos
extremos em todo o mundo. Em muitos casos, foram factores naturais de
curta duração que estiveram na sua origem e não a actividade humana.
Em 2011, por exemplo, o fenómeno climatérico La Niña prevaleceu no
Oceano Pacífico. Isso significa que a água quente ficou
particularmente concentrada perto do Peru. Esta situação temporária
provocou muitas mudanças de curto prazo nos padrões da chuva e da
temperatura, conduzindo, por exemplo, a fortes cheias na Tailândia.

No entanto, mesmo depois de terem identificado cuidadosamente essas
mudanças naturais de ano para ano, os cientistas também estão a
descobrir que é muito provável que vários desastres recentes reflictam
igualmente alterações climáticas provocadas pelo Homem. A título de
exemplo, o aquecimento do Oceano Índico, que tem a mão do Homem, terá
provavelmente desempenhado um papel na severa seca que se registou em
2011 no Corno de África, que levou à escassez de alimentos e ao
subsequente período de fome e aos conflitos, atingindo milhões de
pessoas pobres. A actual mega-seca nos Estados Unidos da América
reflecte, muito provavelmente, um misto de causas naturais, como o
fenómeno climatérico La Niña e uma enorme onda de calor que foi
intensificada pelas mudanças climáticas induzidas pelo Homem.

As provas são sólidas e estão a acumular-se rapidamente. A humanidade
está a colocar-se num crescente perigo devido às mudanças climáticas
induzidas pelo Homem. Na qualidade de comunidade global, temos de agir
rapidamente e de forma resoluta nos próximos 25 anos, passando de uma
economia baseada em combustíveis fósseis para uma economia baseada nas
novas e avançadas tecnologias energéticas, de baixa produção de
dióxido de carbono.

A opinião pública mundial está pronta para ouvir essa mensagem e agir
com base nela. No entanto, os políticos de todo o mundo mostram-se
hesitantes, especialmente porque as empresas de petróleo e de carvão
são bastante poderosas em matéria política.

Para o bem-estar da humanidade, e até mesmo para a sua sobrevivência,
as provas científicas e os conhecimentos tecnológicos terão de
triunfar sobre a ambição míope, sobre a hesitação política e sobre a
incessante propaganda anti-científica por parte dos grupos
empresariais.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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