segunda-feira, 17 de setembro de 2012

“Os grupos anti-taurinos fazem publicidade gratuita às touradas”

Entrevista

António Manuel Cardoso é o mais antigo empresário tauromáquico com a
paixão de manter activa uma área da cultura portuguesa



António Manuel Oliveira Cardoso é o empresário tauromáquico há mais
anos em actividade. Conhecido por Nené, alcunha que vem dos tempos em
que jogava futebol, já explorou as praças de Vila Franca de Xira,
Salvaterra de Magos, Santarém, Almeirim. Actualmente no Ribatejo tem
as praças de Moita, Alcochete e Coruche. É um homem directo, terra a
terra. Diz que os empresários tauromáquicos estão a sobreviver movidos
pela paixão de manterem uma tradição activa. Fala dos borlistas nas
corridas, dos que não sabem comportar-se dentro de uma trincheira, da
necessidade de se encurtar a duração dos espectáculos e da importância
de se cativarem novos aficionados.

Edição de 2012-09-13

Já teve vontade de investir contra os manifestantes anti-touradas como
fez o cavaleiro Marcelo Mendes?

Estamos num país livre. Cada um tem a liberdade de gostar do que quer.
Não temos é o direito de impedir que alguém goste de alguma coisa. Já
fui à ópera e não gosto de ópera e não sou contra as pessoas que
gostam. Não posso investir contra pessoas que não gostam daquilo que
eu gosto nem posso obrigá-las a gostar. O que aconteceu com o Marcelo
foi um acto irreflectido.

Também é de ferver em pouca água?

Na vida sou directo e objectivo e por vezes até perco com isso. Há
coisas que mexem mais comigo que outras. Sou mais um cidadão normal
deste país.

Não o chateia ter grupos à porta da praça a manifestarem-se?

É bom haver os que não gostam, porque fazem com que os que gostam
ainda gostem mais. A polémica tem que existir na vida senão estamos
todos a dormir. Agradeço aos anti-taurinos que façam manifestações
porque nos estão a fazer publicidade gratuita. Mas eles esquecem-se
que também comem carne. Vendo a carne dos toiros depois de lidados a
uns supermercados por um preço mais económico do que vendia a outros.
Para que vejam que o toiro não serve só para ser espicaçado na arena,
mas também para dar de comer às pessoas e a preços mais baratos numa
altura de crise.

Nos dias das corridas quantas pessoas andam à sua volta a pedir-lhe bilhetes?

Muitas! Mas isso até é bom sinal. Quando não há gente a pedir borlas é
porque não há interesse pelo espectáculo que foi montado. Quando
aparecem muitos borlistas numa corrida é sinal que também há muita
gente a comprar bilhete.

Os bilhetes são oferecidos também para compor as bancadas da praça.

Da minha parte não. Há umas borlas para uns amigos. Nos meus
espectáculos 99,9 por cento das pessoas que estão a assistir têm
bilhete comprado.

Foi futebolista e forcado. Foi-lhe mais fácil enveredar por empresário
tauromáquico do que de futebol?

Fui um mau jogador do Alcochetense. Poderia ser empresário de
jogadores de futebol como o Ronaldo ou o Messi. Isso valeria a pena.
Foi uma área que não passou pela minha veia sentimental e a vida tem
que ser vivida com sentimento.

É fácil lidar com as vedetas da tauromaquia?

Ao contrário do que se pensa a tauromaquia não é uma passarela de
vaidades. Nas corridas de toiros há uns que são melhores e outros
piores. É mais difícil lidar com as primeiras figuras. É uma questão
também de mercado. As primeiras figuras são procuradas, as de segunda
ou terceira oferecem-se para tourear. Há uma discrepância da qualidade
artística que obriga a encontrarmos formas de lidar com as pessoas.

Os empresários estão sempre a queixar-se mas se as corridas não dessem
dinheiro não continuavam a trabalhar.

Este sector está mau como está toda a actividade empresarial no país.
Não quero estar a lastimar-me, mas neste momento estamos a sobreviver.
Os toureiros e ganadeiros estão a ajustar-se à situação económica que
vivemos. Houve um abaixamento de valores. Estamos todos a perder, mas
todos com arte e amor à festa dos toiros, que é um marco da cultura
portuguesa. Estamos a tentar manter essa cultura activa.

Para isso é preciso baixar o preço dos bilhetes.

Na generalidade os empresários já baixaram os preços, para que as
pessoas tenham condições para irem a uma corrida.

Ainda se justifica tanto cerimonial numa corrida fazendo com que
demore mais de duas horas?

Há alterações previstas no novo regulamento tauromáquico, que nunca
mais é aprovado. O Ministério da Cultura deve andar preocupado com
outras coisas. Já não sei se percebo ou se aceito isso. Pretende-se
tirar esses pontos mortos e já temos vindo a adaptar-nos ao novo
regulamento. Quando o cavaleiro vai à praça o seu bandarilheiro
atravessa a arena e todos se cumprimentam, todos se abraçam seis
vezes. Basta uma vez e nas restantes o cavaleiro entrar já com a
bandarilha na mão, por exemplo. Tenho feito corridas com uma média de
uma hora e 45 minutos, duas horas. Com o novo regulamento ainda mais
tempo se vai poupar.

Banalizou-se as voltas à arena. É uma perda de tempo?

No futuro vai ser o público a escolher com os lenços, como acontece em
Espanha, e com a autorização do director de corrida o toureiro pode
dar a volta. Evita-se que toda a gente dê a volta à arena como um
simples condimento do espectáculo. Isto torna o espectáculo mais sério
e mais honesto para com o público.


Um profissional dos toiros que ganhou a alcunha no futebol

A alcunha de Nené, pela qual é conhecido no meio taurino António
Manuel Oliveira Cardoso, foi ganha quando o empresário tauromáquico
era futebolista nas camadas jovens do Alcochetense e era comparado,
pela sua forma pouco agressiva de jogar, com o conceituado futebolista
com o mesmo nome que então brilhava no Benfica.

"O Nené tinha a fama de nunca sujar os calções e eu era um bocado
amaricado a jogar à bola. Ainda por cima aqui em Alcochete jogava-se
rijo, era canela até ao pescoço. Diziam que eu parecia o Nené e acabei
por ficar com a alcunha do meu amigo Nené", explica o empresário, que
nasceu em Alcochete em 16 de Junho de 1954.

Com três filhos, de dois casamentos, que lhe dão uma mãozinha no
negócio, o empresário vive por esta altura em alta rotação devido à
realização da feira taurina da Moita. Durante as quase três horas que
estamos com ele o telemóvel não pára de tocar, até ficar sem bateria.
A logística de um festival taurino é pesada.

Tem o ar confiante de quem já pisou as arenas como forcado, tendo sido
cabo do grupo da sua terra. Sabe o que é sentir o medo de enfrentar a
fera olhos nos olhos e a alegria de receber o carinho do público.
Hoje, do outro lado da trincheira, a sua preocupação é garantir bons
cartéis e boas bilheteiras, sabendo que tem de amealhar no Verão para
viver no Inverno. Porque de Outubro a Março as praças estão fechadas e
ele só vive disso, assumindo-se como "um profissional dos toiros". O
amor à festa brava é alimentado também nas tertúlias onde se debatem
as corridas recentes ou se fala da tauromaquia em geral. "Sou muito
conversador, se calhar até de mais", afirma no seu discurso fluente e
"com o coração ao pé da boca".

Antes de se dedicar de corpo e alma à festa brava, António Cardoso foi
funcionário da Segurança Social. "Era uma actividade mais estável mas
não me incentivava nada a trabalhar. Não tenho perfil para funcionário
público". Foi também presidente do Alcochetense, mas diz que a
experiência no dirigismo desportivo não o motivou.

Nené chega com algum atraso sobre a hora marcada e leva-nos até ao seu
escritório, no centro da vila, onde decorre a conversa. O seu braço
direito, Rui, está numa secretária ao telefone. Uma ventoinha ajuda a
aliviar o calor. Não se vêem computadores e durante a conversa
percebe-se que Nené não é um ás das novas tecnologias, embora as
aproveite com a ajuda dos filhos.

Actualmente é o empresário mais antigo em actividade, explorando seis
praças, entre elas a de Coruche. Já explorou praças como as de
Santarém, Vila Franca de Xira ou de Almeirim e defende que deve haver
rotatividade entre os empresários, já que o efeito novidade ajuda a
atrair o público. E sem público a festa não resiste.


É mau quando os forcados amadores se regem por princípios comuns

Foi forcado, mas como empresário não lhe custa que os forcados sejam
os parentes pobres da festa?

Os forcados organizaram-se e têm uma associação com normas que
impuseram exigindo mais segurança e uma tabela de preços. Quando um
forcado amador se gere por princípios comuns é mau. Cada grupo deve
ter os seus princípios.

É contra a existência de uma associação de forcados?

Sou contra o facto de estarem todos normalizados. Quase que me parece
um sindicato. Antes, como cabo dos forcados de Alcochete, cheguei a
pedir mais dinheiro às empresas e conseguia conciliar uma justeza de
valores. Agora há uma tabela. Como empresário não me custa pagar mais
porque há grupos que valorizam mais a festa que outros. Há sempre os
bons, os medianos e os maus e nos forcados é a mesma coisa. Prefiro
contratar um grupo que está no auge e negociar o que vou pagar.

Mas que influência é que isso tem?

Dou um exemplo: Helder Antoño morreu na praça de Alcochete e o
dinheiro que ganhámos foi para lhe fazer uma estátua. Tem que haver um
espírito de união entre um grupo e não entre grupos, até porque há
alguns que furam as regras da associação.

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