terça-feira, 2 de outubro de 2012

“A agricultura pode ser uma aposta de futuro para Portugal”

Nuno Russo, diretor Regional de Agricultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo



"A agricultura está a ter uma atenção redobrada porque, ao contribuir
para o desenvolvimento rural e local, com grande esforço, contribui
para a exportação" e alguns sectores "podem ser tomados em
consideração numa perspetiva turística", como "a gastronomia e os
vinhos". Mas existe ainda a perspetiva do "turismo em espaço rural,
que pode ser analisado e aproveitado, pois é uma área onde há muito
trabalho para fazer". O diretor Regional de Agricultura e Pescas de
Lisboa e Vale do Tejo (DRAPLVT) entende que "é necessário uma
estratégia, onde se comece por fazer o estado da arte e que permita
encontrar o caminho a seguir". Nuno Russo, em entrevista ao "Setúbal
na Rede", considera que "é necessário divulgar e promover", defendendo
"uma união entre entidades públicas e privadas que consigam interagir,
reunir e discutir para apresentarem uma estratégia comum para
apresentar o melhor dos dois mundos, a agricultura e o turismo".

"Setúbal na Rede" - De que forma é que a componente rural tem
potencial turístico a explorar?

Nuno Russo - Concordo com algumas conclusões do Plano Estratégico para
o Desenvolvimento do Turismo do Montijo. Na minha opinião, a nível da
agricultura e da vida rural existem alguns sectores que podem ser
tomados em consideração numa perspetiva turística. A gastronomia e os
vinhos são uma área muito importante para o desenvolvimento rural e
local e podem ser aproveitados de melhor forma. Temos o turismo em
espaço rural que pode ser analisado e aproveitado pois é uma área onde
há muito trabalho para fazer e há, da parte do sector agrícola,
vontade para ter uma parte do seu negócio também ligado ao turismo. Os
produtos regionais e agrícolas, as denominações de origem e as
indicações geográficas protegidas começam a trazer muitas pessoas ao
espaço rural à procura desses mesmos produtos e existe também a
curiosidade de saber como se fazem e quem os faz. A agricultura, hoje
em dia, está a ter uma atenção redobrada porque, ao contribuir para o
desenvolvimento rural e local, com grande esforço, contribui para a
exportação.

SR - Se hoje algumas pessoas procuram a ruralidade, também é verdade
que os habitantes do meio rural muitas vezes se afastam.

NR - É verdade que essa tem sido a tendência, mas temos tentado
invertê-la através dos apoios que existem para o desenvolvimento rural
e local. A nível de desenvolvimento rural temos apoios para a
modernização da agricultura e para os jovens agricultores, por
exemplo, para que as pessoas utilizem o espaço rural e aí sedimentem
esforços e projetos. Por outro lado, temos o apoio ao desenvolvimento
local onde há um foco muito incisivo com entidades locais, municípios
e autarquias, onde os aspetos sociais do espaço local também são tidos
em conta e há um esforço para ligar o turismo, a agricultura e o
espaço rural.

SR - Há procura por esses apoios?

NR - Neste momento os apoios existem e o PRODER faz sessões de
divulgação desses mesmos apoios. Para a modernização e capacitação de
empresas vai abrir um, no dia 15 de Outubro, e a sessão de
esclarecimento esteve cheia. Esperemos que, desta forma, todos os
investimentos tenham condições para que sejam apoiados, ainda que haja
necessidade de investimento por parte dos agricultores. No último
concurso tivemos um total de propostas na ordem dos 900 milhões de
euros de investimento e tínhamos apenas 300 milhões para apoiar os
projetos. O apoio aos jovens agricultores é um concurso que está
aberto em contínuo e os projetos, desde que sejam tecnicamente e
economicamente viáveis, são analisados e aprovados. Nesta região os
apoios de desenvolvimento local são geridos pela ADREPES e, embora a
execução, até agora, não esteja a correr tão bem como o planeado, há
uma nova dinâmica e propostas de projetos por parte de pessoas mais
jovens.

SR – Mas sabe-se que em Portugal não se tem aproveitado o total das
verbas que estão disponíveis para o país.

NR - Isso acontece por várias razões. O programa relativo à parte
rural começou tarde e estamos com um atraso de dois anos na sua
execução. Atualmente o objetivo é chegar aos 60 por cento da execução
do projeto até ao final do ano e terminá-lo em 2015. Neste momento,
todos os projetos que tenham condições para serem aprovados são
facilmente analisados, decididos e tratados. O nosso objetivo é pôr
esses projetos a funcionar.

SR – Quando se concorre a esses projetos é preciso que sejam
economicamente viáveis. No cenário em que vivemos, como se pode
garantir isso?

NR - A maior parte dos projetos já têm o acompanhamento de consultores
que acompanham a área da agricultura. O que se verifica é que alguns
dos agricultores têm muita capacidade de trabalho e inovação, mesmo
face a todas as dificuldades económicas. Chegam até nós projetos com
alguma dimensão que querem evoluir e chegar a outro tipo de
consumidores. Julgo que não é um risco muito grande apostar na
agricultura, pois tenho visto uma grande evolução dos conhecimentos ao
longo dos anos e os jovens que entram hoje na área têm formação
específica. Para os projetos que nos são apresentados temos parâmetros
de avaliação com indicadores económicos, mas podemos correr o risco de
chumbar alguns que poderiam ter continuidade e também podemos correr o
risco contrário. A nossa taxa de reprovação não é muito elevada, mas
nos projetos que são recusados identificamos as razões da nossa recusa
e nos próximos concursos os produtores podem tentar colmatar essa
falha.

SR – A crise tem contribuído, de alguma forma, para um retorno ao meio rural?

NR - Eu não quero acreditar que seja apenas pela crise que as pessoas
voltam ao meio rural. A agricultura tem sido falada nos últimos tempos
pelos seus bons exemplos, enquanto antigamente acontecia exatamente o
contrário. O que temos de garantir é que quem entra para a profissão
está ciente dos constrangimentos, burocracias e potenciais da área.
Ultimamente tem-se visto a agricultura nos debates, nas feiras e
exposições e nos meios de comunicação e isso é sinal de que a
agricultura pode ser uma aposta de futuro para Portugal. Estamos a
corrigir um erro do passado apostando na organização da própria
produção. Um dos principais objetivos do ministério e da nova política
comum é exatamente esse, que a produção esteja organizada de acordo
com uma estratégia. Pese embora a questão da crise, as pessoas vêm na
agricultura uma boa aposta mas têm de ser informadas e devem ter apoio
sobre o que produzir, como produzir e como escoar.

A região de Lisboa e Vale do Tejo tem mais de 50 por cento das
organizações de produtores do país. Considero que trabalho numa região
que é a mais organizada a nível nacional e também a mais
profissionalizada, e por isso é mais fácil transmitir aos produtores a
questão da necessidade da organização. Os próprios produtores começam
também a perceber que não há outra forma de trabalhar se não a
organização e a coexistência de capacidades. É necessário haver
concentração de oferta para depois se conseguir um melhor
estabelecimento de preços na cadeia alimentar.

SR – A questão da grande distribuição continua a ser um problema para
os produtores?

NR - Sim. Por muito que se trabalhe bem, que se tenha bons produtos e
se diminuam os custos de produção, a grande dificuldade é o
estabelecimento de preços e o escoamento dos produtos. A produção, a
indústria e a distribuição começaram a juntar-se para debater estas
ideias, mas continua a ser complicado definir políticas, estratégias e
memorandos de entendimento. É preciso que não estejam de costas
voltadas e por isso o Governo criou uma plataforma com o objetivo de
discutir os problemas da agricultura em termos de criação de preço.
Têm havido reuniões regulares onde a distribuição está presente e
tem-se chegado a alguns entendimentos acerca de como a cadeia vai
funcionar no futuro. São pequenos passos e há muito trabalho a fazer,
mas é um sinal de que a distribuição está disponível para dialogar e
que a produção quer sugerir formas para ultrapassar essas
dificuldades. Uma das principais queixas por parte da distribuição é
que a produção não está organizada e muitas vezes falta-lhe o peso
para ter capacidade de argumentação e é esse trabalho que está a ser
feito.

SR - O facto de estarem a entrar jovens na atividade está a trazer
novas mentalidades que levem mais facilmente à organização do sector?

NR - A idade média do agricultor português é muito elevada e por isso
damos incentivos para aumentar o número de jovens agricultores. Na
grande maioria estes novos agricultores têm áreas de especialização
ligadas à agricultura e pecuária, têm outra perspetiva acerca da área
e mostram-se com vontade de aprender, trazendo uma renovação na
agricultura portuguesa. Tenho como prioridade aumentar o número de
candidaturas de jovens agricultores na região, porque Lisboa e Vale do
Tejo é o local onde menos jovens apresentam candidaturas e isso é
essencial para trazer mais modernidade à agricultura. Tenho conhecido
muitos exemplos de alta tecnologia associada à agricultura, como por
exemplo, na zona do Oeste, uma empresa que tem uma robótica idêntica à
Autoeuropa para fazer o empilhamento na fase final do embalamento das
frutas e muito pouca gente sabe que isso é possível. São estes
exemplos que temos de dar à sociedade para que percebam que esta
agricultura não é igual à que existia há uns anos atrás e que é
possível aproveitar as tecnologias que existem no mercado para um
maior rendimento.

SR - Esta nova mentalidade permite encontrar novos caminhos que
conjuguem a produção agrícola com a oferta turística?

NR - É necessário uma estratégia, onde se comece por fazer o estado da
arte e que permita encontrar o caminho que devemos seguir. Do
diagnóstico feito para o PEDTM há dois pontos que foram identificados
muito bem na minha opinião. A "não existência de uma estratégia que
promova o potencial turístico pelos produtos transformados pela
indústria de carne" e "a vontade do poder local na dinamização e
divulgação dos produtos provenientes da horticultura, floricultura e
cortiça". É necessário divulgar e promover e por isso é preciso uma
união entre entidades públicas e privadas que consigam interagir,
reunir e discutir para apresentarem uma estratégia comum para
apresentar o melhor dos dois mundos, a agricultura e o turismo.

SR – Os produtores estarão disponíveis para ponderar outras
utilizações dos terrenos para além da produção agrícola?

NR - Temos uma iniciativa muito recente que se chama "Projeto Vale do
Tejo" que reúne os seis grupos de ação local da região, que até agora
trabalhavam individualmente com a sua estratégia interna. Começámos a
pensar como podíamos promover os produtos agrícolas regionais, criámos
um logótipo e uma imagem, mas ainda nos falta aprofundar a estratégia,
embora já tenhamos começado a agir em alguns encontros. Inicialmente,
o objetivo era promover produtos tradicionais, mas depois começámos a
trabalhar na questão da produção turística e tentámos ver como é que a
agricultura e o turismo poderiam associar-se. Parte dos produtores têm
também uma parte ligada ao turismo rural, de habituação ou de
equitação e há sempre uma forma de conseguir conjugar as duas coisas.
O projeto ainda está no início mas já deu alguns frutos e temos de
definir uma estratégia que englobe agricultura, turismo e talvez
autarquias e municípios.

SR – Os vinhos da Península de Setúbal podem ser um exemplo a seguir?

NR - Os vinhos são um produto aqui da região com enorme sucesso. Houve
uma grande aposta na qualidade e na excelência e isso deu frutos. Foi
uma aposta ganha e é necessário juntar a esse trabalho outros que
possam ter também sucesso, como a floricultura, a suinicultura ou a
horticultura. Há aqui grandes potenciais em termos de produtos
agrícolas que podem ter um sucesso semelhante àquele que hoje o vinho
tem na região. Há muito trabalho para fazer, mas há que aprender com
os exemplos positivos e seguir-lhe os passos. Na região, os vinhos
tomaram iniciativa num trabalho para a qualidade, promoção e
internacionalização e há que dar mérito à Comissão Vitivinícola
Regional e aos produtores. Os outros sectores têm de olhar com bons
olhos para esse trabalho e ver como é que podem fazer nas suas áreas.
Existe um grupo de trabalho entre a Direção Regional de Agricultura, o
Gabinete de Planeamento e Políticas e a Associação Portuguesa de
Produtores de Plantas e Flores Naturais para fazer uma recolha do que
existe em termos de produtores e produção a nível nacional e assim ver
como podemos apoiar o sector e qual o sentido em termos de apostar no
futuro. Descobri recentemente que existe uma marca de flores do
Montijo e isso é algo de louvar e também aqui na região, até ao final
deste ano, tentaremos organizar um seminário sobre as conclusões deste
grupo de trabalho. No caso da suinicultura podemos ver a capacidade
que têm de projetar parcerias na Feira do Porco e a nível da
horticultura existem produtores muito capacitados e há condições para
avançar com os projetos. Dá trabalho, mas com interajuda e vontade
conseguimos.

SR – O Montijo tem também uma tradição piscatória que está quase
perdida. Sente que há potencial para a recuperar?

NR - As pescas estão no âmbito das nossas competências e
responsabilidades e, por isso, a Direção Regional reuniu, há uns
meses, com todas as organizações de pescadores da região de Lisboa e
Vale do Tejo, em especial com os de Setúbal e Sesimbra, e trocámos
ideias, conhecemos o sector e percebemos que aí há muito trabalho para
fazer. Estamos a acompanhar algumas iniciativas e acredito que as
pescas, embora tenham passado muitas dificuldades no passado, hoje
podem ajudar no aumento da produtividade do país. No entanto, no outro
lado temos a vertente mais ligada à pesca de autossuficiência, que se
tem vindo a perder e é aí que é mais difícil dar alguma rentabilidade.
Na vertente turística pode-se aproveitar, mas eu próprio não conheço a
pesca da zona do Montijo. Contudo, a nível turístico há sem dúvida
potencial, e é importante avaliar e estudar para ver onde reside a
possibilidade de sucesso.

www.draplvt.min-agricultura.pt

Pedro Brinca e Rita Marques - 02-10-2012 08:29

http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=17964

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