segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Carta Aberta à Ministra da Agricultura e do Ambiente

Acréscimo

Exma. Senhora Ministra,

Em simultâneo ao anúncio noticioso do grupo Portucel, em maio último,
onde se menciona que a empresa faz depender um investimento de 2 mil
milhões de euros (anúncio similar havia sido antes publicado, mas no
Brasil), com a criação de 15 mil postos de trabalho, de 40 mil
hectares de eucaliptal, o Ministério coloca à discussão pública uma
proposta de alteração legislativa às ações de (re)florestação com
espécies de rápido crescimento, onde tem expressão incontestada o
eucalipto. Porventura tratar-se-à de uma estranha coincidência, ou
talvez não, aspeto que, em nome da transparência e da independência do
Estado face a interesses acionistas, importa esclarecer. Reconhecendo
que o grupo Portucel exporta 95% da sua produção, que representa 3%
das exportações portuguesas de bens e quase 1% do PIB, também é certo
que, só em 2010 e 2011, recebeu do Estado cerca de 50 milhões de euros
em benefícios fiscais, não tendo a Acréscimo, até ao momento, obtido
dados sobre os montantes e a avaliação da utilização de fundos
públicos por este grupo empresarial, antes e após a privatização.

Tendo o eucalipto lugar nos espaços florestais nacionais e assumida a
concordância quanto à necessidade de simplificação de procedimentos
burocráticos, a proposta como apresentada pelo Ministério merece-nos
as maiores reservas, sinteticamente distribuídas pelas cinco vogais:

Avulsa – A proposta do MAMAOT respeita apenas ao início do ciclo de
produção florestal. Então, quais as garantias de que os povoamentos
criados vão chegar ao final do seu ciclo (ao fim de 12-15 anos)? Ou
seja, quem garante que está mitigado o risco de arder por falta de
adequada gestão florestal?

Extemporânea – Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as
Florestas (ENF), faz sentido moldar uma peça do puzzle, quando todo o
puzzle está em análise? Mais, se o resultado desta avaliação está
anunciado, pelo Ministério, para o o tempo presente
(setembro/outubro), porque surge antes uma proposta pontual, logo em
maio. Existe alguma estratégia para assegurar a poll

Irresponsável – Sem garantia (contratualizada) de subsequente gestão
florestal, toda e qualquer (re)florestação tem um risco acrescido de
incêndio florestal, logo potenciador da perda de bens pelo próprio
responsável pela (re)arborização, mas também e fundamentalmente os de
terceiros, de toda a Sociedade pelo impacto dos incêndios ao nível dos
solos, da água e das violentas emissões de carbono, bem como na perda
de dinheiros públicos (concretamente no combate), hoje tão escassos.
Ora, os eucaliptais tem um elevado risco de combustibilidade, são
fortes candidatos, quando não geridos, a promover a "indústria do
fogo".

Opaca – Se a intenção que está na base da proposta é o reforço das
exportações, fator fundamental para a alavancagem da economia
nacional, importa esclarecer que eventuais arborizações a partir de
2013, só disponibilizarão rolaria de madeira para pasta celulósica e
papel a partir de 2025 e 2028, altura em que se espera que o País já
não esteja sob resgate internacional. Pressupõe-se assim que a
arborização com eucalipto não dará resposta atempada à atual crise.
Mas, a beneficiação dos eucaliptais existentes, visando um sustentável
aumento da produtividade (onde a atual média nacional não evolui desde
1928, situando-se nos 10 metros cúbicos por hectare e por ano), já
poderá produzir resposta favorável no curto e médio prazo. Porque não
esta via? Haverá algo mais em jogo?

Unidirecional – Face ao carácter específico da iniciativa legislativa,
independentemente da intenção, propositada ou não, do Ministério, o
facto é que a sua iniciativa favorece única e incompreensivelmente uma
fileira do setor florestal, subestimando as demais, designadamente a
da cortiça e a da madeira e mobiliário.

Sendo comprovado que no setor florestal predominam relações win-lose,
visíveis nas estatísticas do INE, com evidente monopólio (ou
oligopólio) industrial, a proposta legislativa do Ministério não
acautela os interesses de quem menciona querer "livrar" da atual carga
burocrática, os agricultores e proprietários florestais. Ou seja, ao
contrário do que ocorreu na Campanha do Trigo, de 1938, agora o
Ministério não disponibiliza apoio à gestão florestal, nem acautela um
justo acesso aos mercados por parte dos potenciais produtores de
eucalipto. Evidencia-se sim uma resposta a anunciados interesses da
indústria (conforme notícia no Jornal I, de 15 de maio último), sem
salvaguardar a Lavoura (apesar das manifestações políticas do CDS-PP
serem a favor da defesa desta última). Anunciada a PARCA para o setor
agroalimentar, o Ministério abstém-se de responsabilidades na
regulação dos mercados de produtos florestais, apesar das múltiplas
evidências de concorrência imperfeita.

Outros aspetos fundamentais para o setor florestal, apesar de
constarem no programa do Governo, têm sido pouco evidentes quanto à
sua concretização. A realização e atualização do cadastro rústico é um
desses aspetos. Como tem sido apanágio no passado, estará aqui o
Ministério também a encanar a perna à rã?

Quanto á Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), a respetiva
avaliação tem registado uma morosidade do tipo "obra de Santa
Engrácia". Será propositada? Espera-se que tal não sirva de
justificação a mais iniciativas avulsas, extemporâneas,
irresponsáveis, opacas e unidirecionais. A avaliação da EFN é
fundamental para o planeamento da utilização dos fundos da PAC
2014/2020, bem como do Fundo Florestal Permanente, evitando assim os
maus exemplos do passado e a perda de milhões de euros.

Lisboa, 15 de outubro de 2012

A Direção da Acréscimo

http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2012/10/15c.htm

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