terça-feira, 30 de outubro de 2012

Cultura do cânhamo no Ribatejo é sustentável e tem “enorme potencial económico”

REGIÃO

Manuel Fernandes Vicente em Domingo, Outubro 28, 2012 - 19:22




I Encontro de Canhamieiros, realizado ontem em Riachos, decidiu
avançar para a criação de uma associação própria.

A criação de uma Associação de Cooperantes da Agro-Indústria do
Cânhamo Industrial e a convicção da viabilidade e sustentabilidade
económica, ecológica e técnica da cultura foram os principais
resultados do I Encontro Nacional de Canhamieiros – Amigos do Cânhamo
que ontem reuniu com mais de duas dezenas de participantes no Museu
Agrícola de Riachos. A produção de cânhamo já foi uma realidade muito
presente na região, sobretudo entre 1940 e 1970, atingindo um pico de
produção em 1944, ano em que foram criadas, segundo Joaquim Rodrigues
Bicho, que foi durante alguns anos responsável pela Fiação e Tecidos
de Torres Novas, 450 toneladas de fibra de cânhamo, resultado de 500
hectares de terras dedicadas à cultura. Na região, a cultura, bastante
exigente em recursos hídricos, foi particularmente intensa ao longo
das terras que marginam o rio Almonda, em especial na freguesia de
Riachos, e também próximo do Tejo, em Constância. Com terrenos de
aluvião, abundância de água e solos considerados tecnicamente entre os
mais férteis do país, o vale aluvionar do Almonda e os terrenos
vulneráveis às cheias do Tejo podem ser terras privilegiadas para a
produção da planta.



O encontro ficou marcado negativamente pela ausência de responsáveis
do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do
Território e da Escola Superior Agrária de Santarém, considerados
fundamentais no relançamento da cultura no país e no Ribatejo, que
possui também condições edafoclimáticas propícias à cultura da planta.


A cultura do cânhamo industrial, distinta da cultura da cannabis
sativa, que possui conhecidas propriedades psicotrópicas, é nesta
altura uma opção agrícola com bastante viabilidade. Segundo um jovem
agricultor que veio do Algarve ao encontro no museu de Riachos, a
produção de cânhamo pode tornar-se economicamente interessante. Mas
para isso há que ir mais além do que a simples produção de fibra de
cânhamo, que ao ser vendida no estrangeiro, traz receitas exíguas, que
mal compensam todos os custos de produção e comercialização da
cultura. " É necessário usar a imaginação e a criatividade – e fazer
com que o cânhamo possa ser transformado em algo que possa dar-lhe
valor acrescentado. Apostar só no cânhamo sem lhe incorporar a
valorização de um produto transformado deve ser uma ideia para
abandonar. Para isso é necessária a criação de uma unidade de
transformação", observou o agricultor algarvio, preocupado com a forma
de conseguir alfaias agrícolas, e esclarecendo os presentes de vários
aspetos da cultura e do enquadramento legal que a envolve. Afirmou que
dispõe de 40 hectares disponíveis para o cânhamo, e há mercado
internacional para adquirir a produção que se vier a fazer.


A cultura do cânhamo, na diversidade das suas sementes, possui vastas
qualidades e aplicações, diversificando-se entre a produção de têxteis
e aptidões medicinais ou psicotrópicas e lúdicas. "Mas tem sido vítima
de uma campanha de diabolização da planta, que alimenta preconceitos
devido aos seus efeitos psicotrópicos", refere o mesmo jovem
agricultor, notando que é preciso vencer o preconceito e reforçar o
associativismo entre os futuros produtores para repartir os custos,
por exemplo, da criação de uma unidade central de transformação que
possa ser utilizada por todos.


Com diversas variedades genéticas disponíveis, além da fibra para
tecidos, cordas, guitas e fios de sapateiro, o cânhamo, que "gosta de
calor e muita água", pode ser utilizado na produção de biodiesel (cada
hectare da cultura origina nove mil litros de combustível),
florescências (cada grama pode valer cinco euros), sementes
alimentares; papéis resistentes (como os da marca Almaço, produzidos
durante anos na empresa Porto de Cavaleiros, em Tomar), para as
Bíblias, ou de fumar; encerados, herbicidas, painéis isolantes para as
autoestradas (substituindo a imputrescível lã de rocha), argamassas
leves, cimento de cânhamo, até azeite e caixões feitos a partir da sua
fibra. Além disso, como ao longo do crescimento da planta caem
bastantes folhas, que servem de manta morta, o cânhamo, que deita a
raiz muito funda, estrutura e enriquece as terras, em especial nos
solos esqueléticos. Mas se traz tantos bens e benefícios, é
sustentável, trava o abandono da agricultura e das zonas rurais, tem
atualmente mercados assegurados, como o de Inglaterra, e é uma
interessante alternativa de emprego para jovens desempregados que
queiram apostar na agricultura, a produção de cânhamo conhece também
ponderosos entraves. O encontro apontou o preconceito social contra "a
planta" e a fraca capacidade de lobbying, de associativismo e de
financiamento da cultura, que está legalizada em Portugal, em
conformidade com as diretivas da União Europeia. As barreiras
institucionais e a aparente indiferença dos partidos na Assembleia da
República aos contactos que os promotores do encontro solicitaram
também não têm sido animadoras. A necessidade de sensibilizar e atrair
para a cultura as instituições universitárias ligadas ao setor e o
Ministério da Agricultura foi considerada essencial. Com um enorme
potencial económico e capacidade de gerar emprego no setor agrícola,
em época de crise generalizada, os participantes acordaram em marcar
novo encontro já para Fevereiro de 2013 para aprofundar a constituição
de uma associação própria.


Manuel Fernandes
Vicente

http://www.entroncamentoonline.pt/portal/artigo/cultura-do-c%C3%A2nhamo-no-ribatejo-%C3%A9

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