quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ORÇAMENTO DA UE: Livrem-se da PAC

27 novembro 2012 THE GUARDIAN LONDRES

AFP
A Política Agrícola Comum foi um dos pontos polémicos da cimeira da UE
da semana passada. Em plena crise económica, como podemos juntar-nos
aos franceses e defender que se gaste €50 mil milhões numa política
que beneficia os proprietários ricos e não faz nada para proteger o
ambiente, escreve, encolerizado, o colunista ambientalista George
Monbiot.

George Monbiot
Há uma clara simetria nos números que ajudaram a afundar a cimeira
europeia. O orçamento proposto era superior, em €50 mil milhões, ao
que o Governo do Reino Unido poderia aceitar. É este o montante que os
agricultores europeus recebem anualmente. A controversa correção
orçamental a favor do Reino Unido ascende a €3,6 mil milhões por ano:
um pouco menos do que a nossa contribuição para os subsídios agrícolas
da Europa.

Pairando sobre a cimeira da semana passada, envenenando todas as
negociações, flutua uma política de gastos elevadíssimos chamada
política agrícola comum. As conversações fracassaram em parte porque,
pressionado por François Hollande, o presidente do Conselho Europeu
propôs aumentar o grande bolo em mais oito mil milhões de euros
durante seis anos. Raramente estou do seu lado, mas os Governos
britânico e holandês tiveram razão em dizer que não.

O facto de o povo da Europa tolerar este roubo é motivo de espanto
constante. Os subsídios agrícolas são o equivalente da ajuda feudal,
no século XXI: os impostos que os vassalos medievais eram obrigados a
pagar aos seus senhores pelo privilégio de lhes colocarem o jugo. O
regime de pagamento único, que representa a maioria do dinheiro, é um
prémio à propriedade da terra. Quanto mais se tiver, mais se recebe.

Por uma espantosa coincidência, os maiores proprietários de terras
incluem-se entre as pessoas mais ricas da Europa. Todos os
contribuintes da UE, incluindo os mais pobres, subsidiam os senhores
da terra: não uma vez, como aconteceu durante o salvamento dos bancos,
mas perpetuamente. Todas as famílias do Reino Unido pagam em média 245
libras [cerca de €300] por ano para manter o estilo de vida a que os
milionários estão habituados. Neste continente, não foi concebida
nenhuma outra forma mais regressiva de tributação desde a queda das
velhas autocracias. Não se preocupem com o facto de os agricultores
franceses despejarem estrume nas ruas: devíamos despejar estrume em
cima dos agricultores franceses.

Excedente de ovelhas inundou o mercado


Seria injusto ficar por aí. Há muita gente no Reino Unido que merece o
mesmo tratamento. No ano passado, o comité do ambiente, alimentação e
assuntos rurais da Câmara dos Comuns defendeu, num relatório
estranhamente desequilibrado, que o sistema de subsídios agrícolas não
vai suficientemente longe. O comité quer complementar os pagamentos
pela posse da terra com o relançamento dos pagamentos por cabeça de
gado: dinheiro por cada animal que os agricultores amontoam nos seus
campos.

Este disparate ultrapassa os disparates dos franceses. Houve
excelentes razões para os pagamentos por cabeça de gado serem
suspensos gradualmente, em 2003. Estes constituíam um incentivo a
encher as colinas com tantos animais (sobretudo ovelhas) quanto
possível, sem ter em conta o impacto que isso tem sobre o mundo
natural e sobre o bem-estar das ovelhas. O excedente de ovelhas
inundou o mercado, levando à falência os agricultores que os
pagamentos deveriam proteger. A proposta do comité é consentânea com
um princípio europeu de longa data e tolo: quanto menos uma região é
adequada para a agricultura, mais dinheiro se gasta para garantir que
a exploração agrícola continua a ser ali praticada. É esta a lógica
subjacente a subsídios extra como os pagamentos destinados a zonas
desfavorecidas.

Esta abordagem é justificada através de uma afirmação sem fundamento:
essa agricultura, em especial nas zonas de montanha, é necessária para
proteger o ambiente. A Comissão Europeia defende que a agricultura é
essencial para "combater a perda de biodiversidade" e reduzir as
emissões de gases com efeito de estufa. Estas afirmações raramente são
acompanhadas de qualquer coisa que se assemelhe a uma referência
científica. Refletem uma visão bíblica da orientação humana. Seria
encantador acreditar que os agricultores que exploram os outeiros, os
proprietários de terras com quem é mais fácil simpatizar, produzem
apenas coisas boas – mas isso é pura realização de um desejo.

Travar o crescimento de árvores e arbustos


Ao longo das últimas décadas, verificou-se um declínio catastrófico da
vida selvagem, em resultado do pastoreio, escoamento de águas,
submersão de resíduos que envenenam as correntes de água e remoção de
habitats pelos agricultores. O chocante relatório da semana passada
sobre a situação das aves no Reino Unido mostra que, desde 1966, se
perderam 20% das aves, sendo essa perda de 50% nas terras agrícolas.

O sistema de subsídios não promove apenas esta destruição: exige-a.
Uma norma europeia insiste em que, para receberem os principais
pagamentos, os agricultores devem impedir "a invasão das terras
agrícolas por vegetação indesejável". Por outras palavras, devem
travar o crescimento de árvores e arbustos. Para receberem o seu
dinheiro, os agricultores não são obrigados a cultivar produtos nem a
manter animais nas terras mas têm de as manter ceifadas. Em toda a
Europa, são destruídos habitats da vida selvagem – em muitos casos, em
terras sem valor para a agricultura – simplesmente para expandir a
área elegível para subsídios.

A Comissão Europeia defende que os subsídios são necessários para
ajudar os agricultores a "dar resposta à crescente procura mundial de
alimentos, que se espera venha a aumentar em 70% até 2050". Mas, se se
espera que a procura mundial de alimentos aumente 70%, porque são
precisos os subsídios? Ainda não há muito tempo, os pagamentos
agrícolas eram justificados através do argumento de que a procura
mundial era baixa. Agora, são justificados através do argumento de que
a procura é alta. Primeiro vem a política e as justificações ficam
para mais tarde.

A Europa está em crise. Está em crise porque o dinheiro se acabou.
Serviços públicos essenciais estão a sofrer cortes (em muitos casos,
injustamente e desnecessariamente) e, ao mesmo tempo, são pagos
anualmente €50 mil milhões a proprietários de terras. Quase nunca, na
área do conflito humano, foi dado tanto a tão poucos.

http://www.presseurop.eu/pt/content/article/3084381-livrem-se-da-pac?xtor=RSS-9

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