quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Bem-Vindos!

Carlos Neves

Era uma vez um pai que tinha dois filhos. O mais velho ficou com ele a
trabalhar a terra. O mais novo partiu, faliu e voltou mais tarde,
arrependido e foi recebido com alegria pelo pai (para mais detalhes,
ler Evangelho de Lucas cap.15, 11-32). Era uma vez um país com 10
milhões de filhos. Os mais velhos e meia dúzia de jovens agricultores
ficaram a trabalhar a mãe terra, os outros partiram á procura de vida
melhor. Partiram muitas vezes aconselhados pelos pais, como cantaram
os Rio Grande no "Postal dos Correios" - "…o rapaz estuda nos
computadores, dizem que é um emprego com saída…" - e regressam agora
em alta velocidade (para mais detalhes, vejam o telejornal e leiam os
jornais). 240 jovens agricultores com projecto aprovado por mês. 2800
entre Janeiro e Outubro. Instalaram-se mais jovens agricultores no
último ano que nos seis anteriores.

A agricultura melhorou assim tanto? Não, foi o resto que piorou. A
agricultura portuguesa vai seguindo o seu caminho, entre as vozes
ignorantes que decretaram o seu fim vezes sem conta e os que de vez em
quando têm paixões arrebatadoras pelo sector primário. Hoje muitos
jovens metem na gaveta o canudo de um curso que lhes serve de pouco e
deitam um olho às terras subaproveitadas da família, aos fundos
comunitários e arriscam investir na agricultura. Deixam de lado as
produções tradicionais e investem nas últimas "tendências", como os
pequenos frutos, de que o mirtilo é o exemplo mais famoso. Sem
ressentimentos de irmão mais velho, permitam-me breves comentários a
este fenómeno:

1) É muito positiva esta súbita paixão pela agricultura. A terra
precisa de jovens e o povo precisa de toda a comida que possamos
produzir. A agricultura deixa de ser o exclusivo de idosos desanimados
e recebe uma nova vaga de jovens empreendedores. Mas, atenção:

2) É preocupante que muitos dos novos agricultores partam do zero,
transformando completamente as explorações agrícolas da família que
estavam em "hibernação" à décadas ou mesmo entrando na agricultura sem
qualquer tradição familiar nas últimas gerações. É preocupante porque
o aprendiz que não teve mestre aprenderá à custa dos seus erros, o que
pode sair caro. Para prevenir isto, é fundamental procurar informação,
visitar explorações instaladas, ouvir opiniões, estagiar em
explorações disponíveis, procurar apoio técnico competente e fazer um
plano de negócios realista.

A agricultura já não exige o esforço físico de sol a sol como
antigamente, já há tractores com ar condicionado, previsão do tempo na
internet, programas informáticos, estufas automatizadas, mas … o
estrume ainda cheira a estrume, as moscas sujam, as estufas são
quentes, o sol queima, o pó e a lama alternam-se, o clima prega
partidas. Isto já não é tão duro como foi mas ainda não é tão doce
como parece, visto da cidade, a saborear "pão de trigo com linguiça
para a merenda / sempre dá pra enganar a saudade".

3) Com mais ou menos dificuldade, será possível ultrapassar o desafio
de produzir muito, bom e barato. Resta vender bem, o calcanhar de
Aquiles da agricultura portuguesa. Na fileira agro-alimentar, entre
produção, indústria e comércio estamos todos no mesmo barco, mas os
agricultores são os escravos no porão a remar ou meter carvão nas
máquinas. Quando o Titanic começa a meter água, são os de baixo que
molham os pés. É por isso que são precisas as associações,
organizações de produtores e cooperativas, para divulgar informações,
defender os produtores no mercado e organizar a recolha, calibragem,
transformação, embalamento e armazenamento dos produtos agrícolas em
boas condições até ao cliente final. E é preciso que a Europa e os
governos, além de dar apoios à instalação, criem e exijam o
cumprimento de regras de mercado que equilibrem as relações e protejam
o elo mais fraco da cadeia, a produção.

4) Por vezes, o tempo desgasta e corrompe o funcionamento de
organizações agrícolas fundadas para defender os produtores que acabam
atrofiadas na mão de dirigentes que se perpetuam no poder, com a
desculpa de não haver ninguém para os substituir. É muito importante
que os novos agricultores levem a sua energia e juventude para as
organizações agrícolas envelhecidas. Importa não generalizar, separar
o trigo do joio, salvar o que for possível ou partir para novas
associações ou cooperativas se necessário.

Sejam bem-vindos então à agricultura, produzam o melhor possível,
controlem a comercialização e renovem também as organizações
agrícolas. Boa sorte e bom trabalho!

(publicado na Edição de Dezembro da Revista "Mundo Rural")

Carlos Neves

http://www.agroportal.pt/a/2012/cneves5.htm

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