sábado, 5 de janeiro de 2013

Eleições

Carlos Neves

Em Outubro de 2013 teremos eleições autárquicas. Para além das
coligações ou candidatos já conhecidos ou esperados, quero deixar aqui
dois apelos: ao envolvimento dos agricultores na vida autárquica e ao
envolvimento das autarquias na agricultura.

Por opção pessoal, não tenciono envolver-me na política activa em
qualquer cargo de relevo nos tempos mais próximos. Não o faço por
desprezo da política ou dos políticos, o que seria discurso fácil
nestes tempos em que sofremos na pele as consequências de décadas de
política errada e não vemos luz ao fundo do túnel em que nos metemos.
Acredito na democracia como forma de governo cheia de defeitos mas
certamente menos má que qualquer anarquia ou ditadura de esquerda ou
direita. Vejo a política como a forma de governar a "Pólis", a cidade
onde somos cidadãos e creio que a política será tão melhor quanto mais
e melhores forem as opções para escolha dos eleitores. Tenho opinião e
faço escolhas como cidadão eleitor, mas como independente fico numa
posição mais equilibrada para representar os agricultores junto de
qualquer força política (e não tenho tempo para tudo). Apesar disso,
respeito os dirigentes agrícolas que tomem uma posição diferente e
deixo aqui um apelo à participação dos agricultores na vida partidária
e nas candidaturas autárquicas. Como cidadãos rurais, somos muitas
vezes afastados pela distância, pelo preconceito e falta de tempo do
governo da "cidade". Temos direitos e deveres como cidadãos e temos,
como agricultores, tarefas de produzir alimentos, ocupar o território,
modelar a paisagem, preservar tradições, património e habitats
naturais, de onde podemos levar conhecimento, experiência e valor para
a gestão autárquica e onde ganhamos por intervir onde se decidem as
regras que afectam o desenvolvimento da nossa actividade.

Recordo, por outro lado, um comunicado lançado em 2009 na AJADP com
"propostas para a actuação das autarquias no desenvolvimento da
agricultura." Nesse tempo em que ainda reinavam Sócrates & Jaime
Silva, as "novas tecnologias", a economia dos serviços e a agricultura
pouco importava, escrevi que "por vezes os autarcas deixam a
agricultura para segundo plano, atribuindo a responsabilidade pelo
sector ao Ministério da Agricultura ou a Bruxelas, onde se decide a
PAC, Política Agrícola Comum. Efectivamente, as autarquias não são
responsáveis pela política nacional ou comunitária, mas, a nível
local, podem adoptar uma atitude positiva e activa relativamente ao
sector agrícola."

Agora que Portugal e o resto da europa já assumem a agricultura, as
pescas e indústria como opções estratégicos, importa não gastar muito
tempo a discutir quem abandonou a agricultura mas olhar o presente e
futuro para decidir o que podemos fazer de concreto e positivo para
desenvolver o sector e o meio envolvente. De forma sintética, recordo
as propostas então apresentadas:

"1. Um regime especial para licenciamento das construções agrícolas,
simplificado nos procedimentos, com isenção de taxas de urbanização
para as construções existentes e uma taxa reduzida para as novas
construções;
2. Discriminação positiva nos vários impostos municipais e nas
percentagens dos impostos nacionais a que as autarquias têm direito;
3. Acesso à terra: Para disponibilizar terra aos jovens que se
pretendam instalar na agricultura ou aos agricultores instalados que
desejem aumentar a exploração agrícola, as autarquias podem
disponibilizar terras de que seja proprietárias, podem promover o
"arrendamento rural" como forma de ocupar terrenos incultos, criando
um "banco de terras" e também aumentar o imposto municipal para os
proprietários que recusem arrendar e tenham os terrenos incultos;
4. Criação de um prémio monetário para jovens que se instalem na
agricultura, atribuído anualmente a todas as novas instalações ou,
através de concurso, premiando os projectos mais inovadores e
sustentáveis do ponto de vista económico e ambiental, de modo a
premiar os melhores e promover os bons exemplos;
5. Promoção dos produtos agrícolas, facilitando a sua comercialização,
colaborando com as cooperativas agrícolas e organizações de produtores
já existentes ou apoiando a realização de feiras e exposições para a
venda directa desses produtos;
6. Sensibilizar as superfícies comerciais, nomeadamente as grandes
superfícies, para a comercialização dos produtos agrícolas da região;
7. Limpeza, pavimentação e alargamento dos caminhos rurais e
florestais que são essenciais para a nossa actividade;
8. Limpeza dos cursos de água, da sua vegetação, lixo e tratamento dos
esgotos que é fundamental para a utilização da água para rega;
9. Apoiar a formação e informação dos agricultores;
10. Facilitar a comunicação entre o sector agrícola e a sociedade
envolvente, através da exposições temáticas e visitas das escolas a
explorações agrícolas, para que as crianças descubram a origem dos
alimentos e valorizem o trabalho dos agricultores."
Creio que estas propostas permanecem actuais. Felizmente algumas foram
já implementadas em várias autarquias mas porque não têm patente
registada podem e devem ser replicadas noutros locais, mesmo com as
restrições orçamentais. Haja vontade, imaginação e iniciativa para
apoiar e desenvolver a agricultura. O futuro de Portugal e os
eleitores acabarão por agradecer.

Carlos Neves

Nota do Editor:
Carlos Neves é produtor de leite em Árvore - Vila do Conde e
Presidente da Associação dos Produtores de Leite de Portugal
(APROLEP).
Participa ou participou nos corpos sociais de diversas organizações
agrícolas (AJADP, AJAP, CAVC).

http://www.agroportal.pt/a/2013/cneves.htm

1 comentário:

ZÉ DA TERRA disse...

Sou um português emigrado na Escócia, à procura de um país que me perdeu. Continuo interessado em acompanhar o que se passa no nosso Portugal, mas infelizmente assisto invariavelmente a apelos à ajuda do estado. Este tipo de atitude por parte dos cidadãos suscita-me uma certa incredulidade; por um lado, a mim parece-me por demais evidente que o estado paupérrimo que construímos não tem meios para acorrer a essas solicitações; por outro lado, este modo de estar na sociedade já deu provas de não promover o crescimento económico.
Eu tenho noção do nó górdio em que o nosso país se encontra, e de como tudo parece difícil aos olhos de cidadãos enredados num estado padrasto como o português, onde a soberania económico/financeira está subalternizada, mas é mais do que tempo de mudar o estado das coisas! Podemos começar por mudar os comportamentos sociais, e a "subsídio-dependência", para começar, depois cultivar comportamentos mais objectivos, positivos e de esperança, e pode ser só o início, de um futuro melhor, e mais participativo, onde a palavra cidadania tenha um novo significado para o povo português!
Bem hajam.

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