segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Floresta - «Temos condições fantásticas para sermos uma potência florestal»

Paulo Castro, presidente da direcção da Acréscimo - Associação de
Promoção ao Investimento Florestal, acredita que Portugal pode
tornar-se uma «potência florestal». A floresta como contributo para a
economia do país, através da paisagem, dos recursos energéticos. O
responsável defende que os políticos devem ser mais cautelosos no
anúncio de avultados valores em linhas de financiamento e prestar mais
atenção à aplicação desses mesmos dinheiros. Ou seja, garantir que são
aplicados e que geram riqueza para o país. A Acréscimo nasceu em 2011
com o objectivo de contrariar a degradação do território florestal
português.

Sara Pelicano | terça-feira, 10 de Janeiro de 2012

Café Portugal - Em termos genéricos como caracteriza o actual momento
da floresta portuguesa?
Paulo Castro - Segundo os discursos oficiais, estamos num processo de
insustentabilidade de utilização dos recursos florestais. Temos uma
floresta desprotegida, subaproveitada. Temos, numa primeira fase de
cuidar daquilo que já existe e que está degradado por problemas com
pragas e doenças que se vão alastrando. Cuidar daquilo que já está
plantado, que está em crescimento e que pode gerar retorno a mais
curto prazo. Depois fazer investimento em nova floresta, garantindo
que haverá gestão activa subsequente. Quanto à população que trabalha
a floresta, os últimos diagnósticos que conheço já datam de alguns
anos mas apontam para um envelhecimento dos proprietários florestais
no activo. Agora com o cadastro simplificado anunciado, sabemos que em
grande parte da área florestal supostamente privada já não se conhecem
os donos, ou os donos não conhecem o que têm.

C.P. - Enumerou algumas das dificuldades que o sector atravessa. Pode
pormenorizar?
P.C. - Por um lado, há uma prática burocrática associada a projectos
de investimento florestal que tem de ser revisada. A burocracia
desmotiva grande parte dos potenciais investidores. Temos de ter em
atenção que os potenciais investidores são os proprietários florestais
que, na sua grande maioria, são pessoas já com alguma idade, logo com
pouca paciência para aturar algumas loucuras burocráticas. Por outro
lado, as taxas de financiamento decresceram sem que fossem criados
mecanismos que pudessem servir de almofada a esse decréscimo de
subsídios a fundo perdido. Do nosso ponto de vista, deveriam ser
criados fundos de garantia ou mecanismos que apoiassem esse
investimento que não fossem necessariamente subsídio a fundo perdido
mas que fossem subsídio a fundo perdido acompanhado de linhas de
crédito específicas.

C.P. - Um desses fundos burocráticos é, por exemplo o PRODER (Programa
de Desenvolvimento rural de Portugal Continental), em vigor pelo
período de 2007 a 2013. Conta, neste momento, com uma taxa de execução
de apenas 5%. O actual Governo já anunciou medidas para agilizar os
processos de execução do PRODER?
P.C. - Já solicitámos audiências com os responsáveis políticos mas
ainda não se concretizaram. Aquilo que nos preocupa é a forma como
essa taxa vai ser melhorada. Consideramos que maior aplicação dos
fundos do PRODER deve acontecer garantindo o tal retorno económico
para a sociedade e sobretudo garantindo que o investimento que vai ser
feito na floresta é seguido de uma gestão activa desse território onde
o dinheiro está a ser aplicado. É fácil anunciar investimentos de
milhares de euros em meia dúzia de hectares. Mas tem de haver a
garantia de que aquelas espécies, plantadas com financiamento, vão
crescer e mais tarde vão gerar riqueza, seja pelos bens que geram ou
pelos serviços que irão proporcionar. Temos de mudar aqui o paradigma,
ou seja, não é só a aplicação dos dinheiros na floresta mas é a
garantia de que esse dinheiro vai gerar riqueza para a sociedade. Isto
o que queremos debater quando se realizarem as solicitadas audiências.

C.P. - Na perspectiva da Acréscimo como poderá ocorrer essa mudança?
P.C. - Numa primeiro fase, achamos que deve ser feita uma avaliação
daquilo que foram a aplicação do dinheiro do Programa Agro, do PRODER,
entre outros. Esta avaliação deverá ser realizada não no sentido de
sacar responsabilidades mas no sentido de ver efectivamente o que
correu mal, o correu bem e apostar sobretudo no que correu bem. Depois
é assegurar que as verbas aplicadas efectivamente trarão retorno
económico, ou seja, garantir que existem mecanismos que assegurem que,
para além da aplicação dos dinheiros, haverá uma gestão activa da
floresta onde esses dinheiros foram aplicados. Por outro lado, a
criação de instrumentos financeiros que ajudem os investidores a
suportar aquilo que é o seu investimento próprio, ou seja, aquilo que
não é financiamento a fundo perdido. Em termos de aplicação do
dinheiro, do PRODER, e estamos a pouco anos da conclusão deste quadro,
termina em 2013, acho que o dinheiro deveria ser aplicado de forma
muito concreta, não dispersa por pequenos investimentos mas aplicado
naquilo que de alguma forma possa responder às maiores necessidades do
sector e da floresta em si.

C.P. - O abandono das terras, a burocracia, entre outros factores,
levaram à perda de competitividade. Por exemplo, actualmente
importamos material lenhoso num valor anual que ronda os 200 milhões.
O que está mal na sociedade e políticas nacionais para ocorrer este
cenário?
P.C. - Temos de distinguir aqui uma prática da indústria, que recorre
a importações para controlar os preços na produção nacional. Por outro
lado, temos de fazer uma intersecção desse facto com a situação de
termos um milhão e meio de hectares abandonados ou semi-abandonados.
Não vemos que haja razoabilidade em grande parte das importações que
são feitas. Aquilo que é a estratégia da própria indústria, do nosso
ponto de vista, é condenável. Estão a enviar verbas para o exterior
quando podiam ser aplicadas na floresta nacional. Mas de facto, há uma
necessidade dessas importações face à escassez de matéria-prima e é
previsível que tenha agravamento nos próximos anos.

C. P. - Em Março de 2011, o Governo liderado por José Sócrates
anunciava um investimento na floresta de 745 milhões de euros, mas sem
citar a origem do valor. Entretanto, o Governo mudou. Houve avanços em
relação aos valores a investir no sector?
P. C. - A Associação já questionou o actual Secretário de Estado das
Florestas, Daniel Campelo, sobre essas afirmações feitas em Março do
ano passado. Não obtivemos resposta. Suspeitamos que não haja
enquadramento para essas verbas anunciadas. O que defendemos na
Associação é que haja uma mudança em termos de postura política e que
não se façam anúncios de milhões de euros para investimentos que
depois não se concretizam. Este procedimento descredibiliza não só a
classe política mas também o sector. Anunciar é fácil, concretizar nem
tanto.

C.P. - A população portuguesa paga, por exemplo, uma taxa no
combustível, que deverá ser aplicada na floresta. Considera que esse
dinheiro está a ser bem aplicado?
P.C. - Os contribuintes portugueses descontam, através de uma taxa no
combustível, para o Fundo Florestal Permanente que necessita de uma
avaliação urgente. Este fundo já foi alvo de várias críticas. Depois
contribuem também para o PRODER [programa de desenvolvimento rural],
que além de fundos nacionais tem também fundos dos contribuintes da
União Europeia. Ora, é importante que haja, por parte de quem dispõe
destas verbas, indicadores de transparência que demonstrem aos
investidores, que são os contribuintes, de que há um retorno económico
desse investimento. Ou seja, tem de haver resultados, não
necessariamente em termos de retorno financeiro, mas em termos de
retorno económico. Tem de haver a indicação de que a floresta que foi
criada, ou a floresta que foi melhorada, vai gerar riqueza e que pode
ser depois usufruída pela sociedade.

C.P. - Quais as mais-valias associadas a um investimento na floresta?
P.C. - Há a mais-valia que diz respeito à paisagem e ao próprio
recreio, digamos assim, proporcionado pelas florestas. Há um conjunto
de serviços, alguns contabilizados, outros não, que as florestas
disponibilizam. As principais vantagens estão na área económica
naquilo que é designado o sector florestal onde nós temos excelentes
capacidades, ao nível da Europa, para produzir produtos de qualidade e
temos prova disso: a indústria de celulose, de aglomerados.
Efectivamente, temos uma boa cotação externa naquilo que produzimos.
Temos a questão energética também. A floresta pode dar algum
desempenho energético. E temos a questão da protecção dos recursos
hídricos, da protecção dos solos, da paisagem, do lazer, da própria
caça que permitem, no momento crítico que o país atravessa, gerar
riqueza. A floresta contribui também para o bem-estar das populações
rurais e pode reduzir a taxa de êxodo rural. A floresta, associada à
agricultura, gera bem-estar às populações. Isso está provado em vários
países da Europa, onde as regiões mais ricas são regiões onde há de
facto uma boa relação entre a floresta e agricultura. Temos condições
fantásticas para sermos uma potência florestal. Em Portugal, não se
faça de crescimento de árvores a cem anos, mas em décadas.

C.P. - A actual Ministra da Agricultura, Assunção Cristas, quer
penalizar o abandono das terras. Em seu entender é este o discurso que
o sector precisa ouvir, ou antes, o incentivo a quem produz para
produzir mais?
P.C. - O país precisa de gerar riqueza e de utilizar todo o seu
potencial seja em prédio urbano, seja em prédio rústico. Nessa
perspectiva não me choca que não sejam beneficiados aqueles
proprietários rústicos que de facto não produzam riqueza. E este é um
discurso diferente do que penalizar. O que defendemos é que quem não
faz uma gestão do seu espaço, quem não produza bens e serviço à
sociedade, não deverá ter benefícios. Mas esta questão implica que se
conheçam os proprietários e, neste momento, estamos numa situação em
que grande parte do país, sobretudo em locais onde a floresta está
numa situação mais crítica, não se sabe quem são os proprietários.
Essa medida poderá ser utilizada mas depois de ser feito cadastro.
Contudo, nas regiões em que já há cadastro, não nos parece aceitável
que essa medida seja já aplicada. Ou seja, uns por já terem cadastro a
serem penalizados fiscalmente e aqueles que, por incúria do Estado,
não se sabe quem é o dono vão permanecendo sem penalização.

C.P. - A Acréscimo nasce em 2011 com que motivações?
P.C. - A associação foi constituída em Agosto de 2011. Reúne um
conjunto de cidadãos de diferentes áreas, não apenas florestal, mas
económica, educação, direito. Pessoas que, após uma análise dos
últimos dez anos sobre as florestas e o sector florestal, sentiram
necessidade de colocar o seu saber, conhecimento e experiência
profissional no sentido de alterar aquilo que do nosso ponto de vista
é o caminho para o desastre, num país que tem excelentes condições
para evitar esse desastre. A nossa preocupação é com a floresta e com
o sector florestal. Não nos preocupamos em ter muitos associados,
queremos sim que quem se associe possa contribuir para contrariar a o
estado de degradação deste sector.

C.P. - Quais as acções que têm previstas?
P.C. - Estamos a organizar uma série de seminários a nível regional.
Está em estudo a possibilidade de envolver a classe decisora em
eventos específicos. Estamos a trabalhar com grupos parlamentares e
com comissões de agricultura e ambiente no sentido de criar talvez um
grupo AD-HOC de deputados que acompanhem regularmente as questões de
política florestal. Temos medidas para avançar ligadas ao
financiamento ou criação de um fundo de garantia para servir de
almofada aos investidores florestais naquilo que diz respeito ao
investimento próprio. Temos acções que visam promover a gestão activa
das florestas, quer com acções de formação profissional a técnicos, em
que gostaríamos de envolver as universidades, quer com acções de
sensibilização.

http://www.cafeportugal.net/pages/noticias_artigo.aspx?id=4385

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