terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Matérias-primas agrícolas estão entre a oportunidade de investimento e a ética

DESTAQUE
08/01/13, 00:03
Por Vítor Norinha/OJE
Há 13 anos cerca de 80% dos intervenientes nos mercados ligados às
matérias-primas agrícolas, e falamos de trigo, soja, milho, cacau ou
açúcar, eram agricultores e/ou industriais do setor.

Hoje, cerca de 85% dos intervenientes no mercado são gestores ou
especuladores. Qual a fronteira entre o negócio e a ética?

Investir em petróleo ou ouro parece fácil e algo perfeitamente
integrado na economia mundial. São ativos ligados à indústria ou que
servem de refúgio aos investidores. Mais difícil é antecipar a subida
ou a queda do milho ou do trigo, sendo este último a matéria-prima
agrícola mais transacionada nos mercados.
Inicialmente, as transações a futuro destas matérias-primas eram
vistas como forma de proteção pelos agricultores, sobretudo os grandes
produtores norte-americanos, que criam proteger-se das questões
climáticas, enquanto do lado dos industriais queriam garantir uma
transação do bem de base agrícola num produto industrial com preços
previamente acordados, evitando a flutuação e a turbulência no preço
quando apresentados ao consumidor final.
Mas a grande volatilidade dos produtos agrícolas tornaram estes ativos
bem mais interessante do que o petróleo. A grande mudança dá-se em
2005 quando a China e a Índia fazem importações massivas e registam
alterações comportamentais ao nível da base alimentar da respetiva
população.
Os dois países que registam três quintos da população mundial
significam tudo. As práticas de mercados mudaram e quando o Vietname,
a Índia e a Tailândia resolvem embargar a exportação de arroz para
criarem stocks para sua própria população, foi o momentum dos
especuladores apostarem na subida vertiginosa dos preços. Esta atitude
levou os preços do arroz a triplicar, uma situação que se repete com a
Rússia em 2008 e que levou à duplicação do preço do trigo.
A especulação venceu neste período e muitas questões de ética foram
colocadas em cima da mesa.
Preços elevados é algo bom para os investidores e para os
intermediários, mas é muito mau para as populações mais débeis,
sobretudo de países em desenvolvimento. Na elaborada alimentação de um
europeu ou norte-americano o aumento do preço do trigo tem pouco
impacto, pois o pão consumido tem um peso reduzido no respetivo
orçamento alimentar, mas para um país africano de reduzido PIB per
capita, isso pode significar a fome.
Foi nesse sentido que nos últimos anos, entidades de referência como o
austríaco Volksbanken ou o alemão Commerzbank anunciaram que iriam
renunciar a investir em fundos agrícolas e a propô-los aos respetivos
clientes. Começou a criar-se uma moralidade sobre o tema.


A oportunidade
O Le Monde publicou em revista, no trimestre concluído em dezembro, um
trabalho exaustivo sobre o tema e dava o exemplo da melhor
oportunidade.
Afirmava que os traders Glencore, Cargill e Louis Dreyfus viram uma
oportunidade e jogaram forte no mercado de futuros ao nível das
maturidades para entrega física. Quando souberam do embargo às
exportações do arroz por parte dos grandes países produtores, atuarem
numa perspetiva de forte redução da oferta e ganharam a aposta, pois
em três meses o preço da tonelada triplicou de 350 para os 1050
dólares.
Os gráficos apresentados mostram que tem havido subidas sustentadas
das matérias-primas agrícolas até novembro e desde o final do ano
passado a tendência é de queda. As expetativas a nível do crescimento
mundial, a par da emergência de outras prioridades, nomeadamente a
nível de crescimento industrial de países asiáticos e sul-americanos
levaram os investidores a outro tipo de ativos para investimento.
Os metais preciosos ou as obrigações "corporate" são mais
interessantes no momento.
Analistas das corretoras XTB e Fincor são unânimes em antecipar novos
níveis em baixo nos mercados das commodities agrícolas, mas a XTB está
a recomendar aos seus clientes a diversificação do investimento para
este tipo de ativos, com destaque para o trigo que em termos de
análise técnica parece apresentar novos níveis de suporte.
A Fincor alerta para o interesse no longo prazo e também dentro de uma
ótica de diversificação, embora o analista Albino Oliveira afirme que
é bastante mais fácil para o gestor e para o investidor tomar decisões
a nível de commodities energéticas e de metais, do que a nível dos
bens agrícolas.


Efetivamente, o crescimento mundial antecipado para 2013 foi revisto
em ligeira baixa, mas a China continua a comprar cerca de 40% do milho
no mercado mundial. Entretanto, o grande produtor, os EUA, sofreu
secas violentas (ler entrevistas), o que significou menos produção
agrícola e menor capacidade para alimentar gado.
Por outro lado, o tema dos biocombustíveis continua na mesa, tanto em
termos económicos, como éticos. O açúcar e as oleaginosas estão a ser
preferencialmente canalizadas para a produção deste novo tipo de
combustíveis, mais amigo do ambiente porque substitui as energias
fósseis, mas com impactos negativos na alimentação humana, pois
pressionam os preços ao concorrerem com unidades industriais que
processam alimentos.
A rarefação de terras aráveis e a ausência de grandes investimentos
agrícolas ao longo dos últimos 50 anos e que impediu a otimização do
consumo energético e de água são outros fatores de pressão.
Citado ainda pelo Le Monde está um estudo da Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, o CNUCED, publicado em 2012
por David Bicchetti e Nicolas Maystre, que estimam terem os
investimentos em ativos de base ou subjacentes crescido dos 10 mil
milhões de dólares em 1990 para os 450 mil milhões de dólares em 2011.
Por outro lado, os preços dos cereais e do café evoluíram em paralelo
com a subida do valor das ações das 500 maiores empresas americanas,
muito embora os ciclos económicos entre os vários ativos não tenham
qualquer semelhança.
Há ainda fatores geoestratégicos cada vez mais relevantes e
impactantes nestes mercados. As crises sociais, políticas e militares
em países produtores, nomeadamente em países africanos. A mesma fonte
conta a história de um trader em Londres, a Anthony Ward, que em 2010
adquiriu grande parte dos stocks europeus de cacau, antecipando a
rarefação do produto. Aconteceu que três meses depois estalou a guerra
civil na Costa do Marfim o que fez disparar os preços internacionais e
o trader lucrou com esse facto.
As informações sobre produções no Extremo Oriente, América do Sul e
África de matérias agrícolas é muito relevante, assim como o controlo
da informação sobre o ambiente social de países que são grandes
produtores e que alimentam os stocks nos mercados financeiros
internacionais.
No mercado é sabido que existe uma relação causa/efeito entre os
mercados e os derivados, existindo manipulação por fundos de pensões,
agravando os preços e criando graves penúrias nos países pobres. Dois
investigadores do FMI, Serhan Cevik e Tahsin Saadi Sedik publicaram um
estudo, ainda citado pelo Le Monde, onde afirmam que quer a evolução
do preço do brent, quer da commoditie vinho é semelhante, com
volatilidade criada pela procura dos países emergentes, que constituem
o nuclear da procura marginal. Este é um comportamento dos países
desenvolvidos que em caso de volatilidade conseguem implementar
políticas de limitação de consumos.

Tiago Cardoso, corretora XTB:
"Commodities agrícolas são investimento para 2013"


As matérias-primas agrícolas são a recomendação certa para 2013?
No âmbito do investimento alternativo a resposta terá de ser suportada
pela análise técnica e se olharmos par ao gráfico da soja, aquilo que
nos diz é que o preço vai baixar. Aliás, na XTB estamos a aconselhar
os investidores desde o início de dezembro, para "shortarem". Os
clientes estão a entrar curtos no mercado, ganhando com a queda deste
ativo.
Se olharmos dentro de uma perspetiva macro constatamos que na América
Latina ocorreu um nível recorde de produção, devido às condições
meteorológicas de 2012 com as colheitas a registarem recordes de
produção. Se se produz mais, sobem os inventários mas o consumo tem-se
mantido estável. A teoria de que o consumo irá aumentar a nível
mundial, pode acontecer mas não é já, será antes numa análise a 20 ou
30 anos.
No curto prazo e para 2013, o consumo não está a ir ao encontro da
produção. Aumentam os inventários, e os preços baixam. A soja tem tudo
para cair.

O mesmo acontece em outras matérias-primas?
Com a mesma tendência e a mesma evolução temos o cacau. Desde que se
quebrou a zona de suporte, acreditamos que o cacau volte para mínimos
relativos. Obtivemos em 2012 uma produção recorde nesta commoditie,
enquanto que o consumo não foi ao encontro da produção. Há forte
potencial para novas quedas.
O trigo é uma situação diferente porque tivemos uma produção em queda
nos grandes produtores. Assistimos a menor produção, embora toda a
tendência das matérias-primas seja para a baixa. No caso do trigo e
aplicando as ferramentas técnicas, o trigo está com numa zona de
suporte forte. Acreditamos que venha a ocorrer um aumento, que ocorra
uma recuperação, pois o preço do trigo não é aquele que o mercado está
a evidenciar, deverá ser superior. Por outro lado devido à produção
desapontante na Austrália, Argentina e Mar Negro, pode acontecer com o
fraco nível de colheitas leve a uma subida do preço futuro.
O trigo tem potencial em face de outras commodities. Acredito que
rapidamente se possa encontrar um fundo e inverter a situação.
No caso do milho temos outras justificações. Também existe uma queda
sustentada. Friso que quando estudamos os ativos agrícolas há que ver
para que fins são produzidos, e no caso desta commoditie o objetivo é
alimentação humana e também para alimento da produção agroindustrial
(rações).
É de sublinhar que na América aconteceram grandes secas ao longo dos
últimos trimestres, sendo o país é um dos maiores produtores de milho
a nível mundial. Com estas secas muitos "live stocks", ou seja, gado,
foi abatido ou morreu nos pastos. Aconteceu que se reduziu o consumo
destinado à alimentação, mas ficou-se com inventários muito fortes.
Ora essas quedas também levaram a uma quebra de produção, ou seja,
houve menos colheitas para exportar.
Tivemos um ativo a cair de forma sustentada.
A conclusão é de que todos os ativos que são matérias-primas agrícolas
estão com fortes quedas devido a este grande volume de inventários que
ficaram em 2012 e que estão em 2013 a ser replicados em stock. Este
facto leva o preço a ser especulado em baixa.

Falando do médio prazo, trata-se de um investimento que pode ser usado
para a diversificação da carteira dos investidores?
Repito que esta perspetiva de redução do consumo e aumento da produção
levou a elevados inventários e o preço a cair. Pensamos que essa
tendência continuará durante o 1º trimestre. Estamos a olhar para as
colheitas passadas e que só agora é que terão implicações a nível real
da economia.
Desde o início de dezembro e durante mais dois meses assistiremos à
continuação da tendência. Temos de ter cuidado a nível técnico. Vemos
que estamos em forte suporte em algumas matérias-primas, o que
significa que poderá estar aqui o fim da queda.
Aqueles ativos com maior potencial para cair, em termos de
matérias-primas globais, são os materiais de construção. O
abrandamento económico mundial e sobretudo o abrandamento do
crescimento na China faz com que matérias como o paládio, o alumínio,
a platina e o cobre terão menos procura e a oferta não está a
reduzir-se dentro do mesmo nível da quebra da procura.
Nesse sentido vão aumentar os inventários e no prazo de seis meses e
poderão ter impacto negativo nos mercados. Há, no entanto, melhorias
de perspetivas com a eventualidade do Japão animar com as novas
medidas de estímulo. Neste cenário poderemos ter alguma animação
naquela classe de commodities e consequente subida dos preços.

Mas devem ser considerados para diversificação de portfólio?
Exatamente. Convém sempre diversificar e este ativo tem a
particularidade de ter poucos investidores e gestores a olharem para
eles em Portugal. Do lado da XTB estamos a apresentá-los como forma de
investimento e as pessoas estão, por isso, mais abertas a ter este
tipo de exposição. Tentamos perspetivar o futuro e se antecipamos uma
forte queda nas matérias-primas agrícolas, basta ter uma pequena parte
do nosso património investido neste ativo e com uma pequena variação
pode proporcionar rendibilidades bastante interessantes, ao contrário
do que é possível no mercado cambial, nos índices ou nas obrigações.
Estamos a olhar muito mais para estes ativos e em 2013 teremos as
matérias-primas como forte investimento.




Albino Oliveira, corretora Fincor:

"Faz sentido incluir matérias-primas agrícolas numa ótica de diversificação"


Deve-se ter-se as matérias-primas agrícolas como ativo de referência
num portefólio de investimento?
Em termos de longo prazo toda a classe de ativos das commodities
aporta vantagens para o investidor. Recomendamos não andar só em
obrigações e ações e incluir as matérias-primas.
As commodities agrícolas são específicas e mais difíceis do que as que
têm como subjacente metais preciosos ou energia. Enquanto nos metais e
energia é fácil estabelecer uma relação entre a evolução dessas
matérias-primas e a evolução do ciclo global da economia, se estamos
otimistas para a economia global em 2013, poderemos assumir que em
princípio vai vir uma boa performance por parte desta classe de
ativos, já no caso das matérias agrícolas é mais complicado devido ao
grande efeito que as alterações meteorológicas podem ter no preço
dessas commodities.
É muito difícil ter uma noção do que poderá acontecer. O ano passado
ficou marcado por inundações na América do Sul e nos EUA que tiveram
um impacto no preço do milho e do trigo. Irá este ano acontecer a
mesma coisa?
É difícil de prever e nesta perspetiva é uma decisão diferente por
parte de um gestor de um fundo. Requer outras considerações e não tão
fáceis de jogar. Se o objetivo foi o de uma diversificação de uma
carteira de ativos, faz sentido incluí-la no portfólio.


No curto prazo 2013 deve-se estar focado nas commodities agrícolas?
Tendo em conta a diversificação, direi que sim. No entanto, há que ter
em conta que no primeiro semestre do ano passado foi um período muito
forte, e desde então tem havido uma queda e no início deste ano
acreditamos que essa tendência de queda irá continuar. De qualquer
forma os fundamentais de longo prazo parecem ainda suportar os preços
das commodities agrícolas. No contexto das commodities como um todo
não seriam as nossas preferidas de momento.

As alterações sociais que se vêm em grandes países como China e Índia
sustentam esta procura?
Esse é o principal motivo para justificar a evolução de longo prazo, a
subida a que temos assistido ao longo dos últimos anos. Há gestores a
considerar que esta classe deverá apresentar bons retornos. Esse é um
tema que continua presente devido ao crescimento dos países em vias de
desenvolvimento e às necessidades crescentes que esses países vão ter
em termos de alimentação.
Temos de distinguir uma tendência de longo prazo e os fatores que
poderão suportar essa tendência de longo prazo. Friso que é preciso
distinguir os fatores mais cíclicos que irão afetar os preços no curto
prazo. Quando chegarmos à altura das colheiras e consoante as
condições meteorológicas, isso poderá ter um efeito na oferta dos
diferentes mercados.


http://www.oje.pt/noticias/destaque/materias-primas-agricolas-estao-entre-a-oportunidade-de-investimento-e-a-etica

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