sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Os anos 1980 estão de regresso ao frigorífico dos portugueses

ANA RUTE SILVA 07/02/2013 - 09:58
Quase 60% das famílias puseram travão aos gastos não essenciais e um
terço admite ter dificuldades para cobrir necessidades essenciais.
Compras de produtos frescos aumentam, descem as bebidas e lácteos

Infografia

Quarenta por cento das famílias levam marmita para o trabalho
É um regresso ao passado. Mais concretamente, aos anos 1980. Os
portugueses voltaram à cozinha e aos ingredientes mais tradicionais, e
no frigorífico já não abundam queijos fatiados, iogurtes ou sumos. A
crise financeira e as medidas de austeridade estão a mudar os hábitos
de compra de forma profunda e rápida. E os dados mais recentes da
Kantar Worldpanel, empresa de estudos de mercado, mostram a emergência
de um novo perfil de consumidor: o "novo normal", nas palavras de
Sónia Antunes, directora da Kantar.

"Na alimentação voltámos a 1980, com menos consumo de lácteos ou
bebidas e mais comida tradicional como o borrego", ilustra. Símbolos
da sociedade de consumo, os refrigerantes e sumos ficaram fora da
lista de compras (caíram 10,6% o ano passado, em relação a 2011). O
mesmo se passa com os produtos de drogaria, lácteos ou de higiene
pessoal. Ao mesmo tempo, crescem os produtos frescos (5,3%) e a
categoria "papel" (2,1%), que inclui papel higiénico, guardanapos ou
rolos de cozinha. "Estamos mais tempo em casa", justifica Sónia
Antunes.

As famílias procuram opções mais em conta, confeccionam de raiz as
refeições e cortam nos artigos menos essenciais e que ficaram mais
caros com o aumento do IVA. "Está a desenhar-se um novo padrão de
consumo, mais contido, reflectido e racionalizado que poderá ser
considerado o novo normal, a vigorar nos próximos anos", antecipa a
responsável.

A crise não é sentida da mesma forma por todos os portugueses. Num
olhar mais clínico, a Kantar divide as famílias em três categorias: as
que não sentem a crise mas poupam por precaução (vivem no interior
norte, têm mais de 65 anos), as que sentem "um pouco a crise" e cuidam
das despesas não essenciais (classe média alta das cidades) e,
finalmente, as que sofrem na pele os efeitos da recessão. Este último
grupo já representa 27% dos lares em Portugal e inclui casais com
filhos, entre os 35 e os 49 anos, da classe baixa e média baixa. Em
2009 representavam 22% dos lares questionados pela Kantar, cerca de
quatro mil em Portugal Continental. Além disso, "é um valor superior
aos 18% de pobres indicados pelo INE", alerta Sónia Antunes,
acrescentando que "estas pessoas têm dificuldade em chegar ao final do
mês".

As famílias mais afectadas compram nas lojas de discount, como o Lidl
ou Minipreço e 43% dos produtos que escolhem são de marca da
distribuição, mais baratos do que os das marcas da indústria.
Rejeitaram os leites especiais, os sumos e refrigerantes com gás e o
café solúvel.

Na lista de compras dos que sentem "um pouco" a crise (representam 57%
da amostra), passaram a estar de fora os sumos naturais, as batatas e
salgados congelados, ambientadores ou sobremesas lácteas. Já os mais
velhos e moradores no interior, aumentaram o auto-consumo de produtos
frescos (legumes e fruta que conseguem cultivar), deixando de os
comprar nos supermercados.

Haverá luz nesta crise? A pergunta também foi colocada pela Kantar e
deu nome ao estudo ontem apresentado. Paulo Caldeira, director de
comunicação, revela que 76% dos inquiridos acredita que vão ser
precisos mais três anos para respirar de alívio. O grupo dos
optimistas é reduzido e não chega aos 5%.

Perante um cenário de sufoco financeiro, todos os elementos da família
estão alinhados no mesmo raciocínio: controlo de gastos. Em 89% dos
lares pais, filhos e avós estão envolvidos nesta estratégia, valor que
compara com os 75% em 2009. Além disso, 85% dão "especial atenção" às
promoções (eram 83%).

Neste contexto, 40% dos lares prepararam comida para levar para o
trabalho. Em vez de irem ao restaurante almoçar todos os dias, os
portugueses passaram a fazer refeições para consumir no local de
trabalho. Em 2009, a percentagem de famílias a preparar marmita era
29%. "O tupperware tornou-se mainstream", uma prática habitual,
analisa Paulo Caldeira.

A alteração radical nos hábitos dos consumidores reflecte-se nas
contas do comércio. Ainda ontem o gabinete de estatísticas da União
Europeia revelava que o volume de vendas do retalho, em Dezembro,
recuou 3,4% na zona euro e Portugal protagonizou a segunda maior
quebra (8,6%).

http://www.publico.pt/economia/noticia/os-anos-1980-estao-de-regresso-ao-frigorifico-dos-portugueses-1583655

Sem comentários:

Enviar um comentário