domingo, 7 de abril de 2013

Aqui há tomate: como Portugal ganha terreno no mercado global

Se for a um restaurante italiano em Londres, há 70% de probabilidade
de o molho da pizza ter sido feito com tomate português


Sementes de tomate no viveiro Pré Planta
Diana Quintela
06/04/2013 | 00:00 | Dinheiro Vivo

Chove torrencialmente na reta do cabo, entre Vila Franca e Porto Alto,
junto à lezíria do Tejo. Cidalina Silva está preocupada com a chuva.
"No ano passado, em abril, os campos estavam prontos a plantar, hoje
estão alagados", diz Filipe Borba de Andrade e Sousa, de 53 anos,
sócio de Cidalina, uma das maiores produtoras de tomate do país. A
viúva de 55 anos é agricultora desde criança, tinha 10 quando começou,
embora goste de se descrever de outra maneira.

"Acabei a quarta classe e fui logo ajudar o meu pai, até começar a
produzir sozinha uns seis ou sete hectares. Depois, o meu pai
retirou-se. Fiquei eu a cuidar das terras." Cuidar das terras, é uma
expressão que não faz justiça aos 250 hectares destinados à produção
de tomate de que ela cuida e acompanha pessoalmente até resultarem nas
30 mil toneladas anuais vendidas diretamente à indústria. Muito
tomate, sim, e muita terra também, é verdade, mas para uma faturação
de apenas 2,3 milhões de euros.

Ainda assim, a produção de tomate em Portugal está longe de ser
amadora. No ano passado, o país foi o segundo maior produtor por
hectare logo a seguir à Califórnia, com um total de 1,2 milhões de
toneladas cultivadas. Foi também o quarto maior exportador de tomate
transformado - depois dos Estados Unidos, da China e Itália -,
vendendo 1,2 milhões de toneladas por 250 milhões de euros.

"O tomate de indústria é o único sector 100% organizado", diz ao
Dinheiro Vivo o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo
Albuquerque. Já ninguém faz tomate à mão, isso é coisa do passado. As
sementes - que são compradas às norte-americanas Heinz (a do ketchup)
e à Campbell (a da lata de sopa de tomate de Andy Warhol) - crescem em
viveiros, onde tudo, desde a rega ao abrir de uma janela, é controlado
por computador.
As plantas - ainda sem o tomate - vão depois para os produtores, que
as cultivam, regam, cuidam e apanham com máquinas e as vendem às
fábricas, que as transformam em molhos e concentrados.

Só Filipe Sousa e Cidalina Silva entregaram, no ano passado, mil
camiões de tomate nas fábricas. E a Sugalidal - que é o maior produtor
agrícola e também a maior indústria de transformação do país - esteve
muito perto de produzir 100 mil toneladas. Este ano, apesar das chuvas
inclementes, quer chegar às 120 mil e aumentar a área de cultivo de
900 para 1200 hectares.

Mas tudo isto é recente. Em apenas 20 anos, desenvolveu-se a rega gota
a gota - que permite aproveitar melhor as terras - ,trouxeram-se as
máquinas, reduziu-se o número de produtores de cinco mil para cerca de
500. A produtividade cresceu de 50 para 94 toneladas por hectare e o
tomate transformou-se num negócio de sucesso que "não cria
milionários, mas em que se ganha dinheiro", diz Miguel Cambezes -
embora mais na indústria do que na produção agrícola, porque exportam
tudo. Só as duas fábricas da Sugalidal, em Benavente e na Azambuja,
faturam 100 milhões de euros. E na FIT e na Italagro, dos japoneses da
Kagome e do empresário Martin Stilwell, as vendas são de 55 milhões.

Martin Stilwell tem 64 anos e, apesar de não ser filho de seareiros,
desde os 19 que trabalha na indústria do tomate em Portugal. Além de
exportarem o concentrado de tomate para o Japão, produzem molhos de
pizza, de receita própria, para a Pizza Hut, Telepizza e Domino's
Pizza e para restaurantes na Europa. "Se for a um restaurante italiano
em Londres, há 70% de probabilidade de o molho de tomate da pizza ser
nosso", diz Stilwell.

O que é que o tomate português tem?
O tomate português tem de ter alguma coisa de especial para que 95% do
produto transformado seja procurado lá fora. "Sempre exportámos quase
tudo. Há 20 anos, iam bidões de garagem para a União Soviética. Hoje,
vendemos para o mundo inteiro", conta Miguel Cambezes. Porquê?
Simples: "O nosso tomate tem a melhor cor, é vermelho-vivo, é
brilhante, e isso é importante nos molhos. E depois tem um sabor mais
frutado e doce do que ácido." Foi por isso que os japoneses compraram
a FIT e a Italagro. "Usam-no para fazer sumo, molhos e até protetores
solares bebíveis à base de licopeno, que é uma substância do tomate
que previne o cancro", explica Martin Stilwell.

São as condições meteorológicas e geológicas que tornam o tomate
português um dos melhores do mundo. "A maior parte da produção está no
vale dos rios Sorraia e Tejo, perto do mar, e além da humidade temos
solos arenosos e nunca temos nem muito frio nem muito calor", diz
Miguel Cambezes. É por isso que o tomate é plantado em abril e maio e
colhido entre finais de julho e meados de setembro. E é também por
isso que a chuva toda que caiu em março atrasa o processo e coloca em
risco a produção, porque assim que começar o calor o tomate já tem de
estar crescido e não ainda a crescer. Em Santo Isidro, que pertence à
Sugalidal, estão 50 milhões de plantas de tomate que já deviam estar
cultivadas, conta a responsável, Isabel Almeida. É mais de metade da
capacidade deste viveiro.

Marcos Cabrito é engenheiro agrónomo nos viveiros PréPlanta, em Samora
Correia, e também se queixa do mesmo. "Estamos a ficar com falta de
espaço porque o tomate não sai, mas não o podemos pôr na rua e não o
podemos deixar estragar até porque é muito caro." Quanto? Cada pacote
de 100 mil sementes - que dá para uns três hectares - custa 600 euros.

Cidalina Silva diz que só lá para maio é que se deve entrar nas terras
e suspira. "Se não fossem os meus filhos, já não andava nesta vida." E
o que ia fazer depois? "Talvez plantar milho, que dá menos trabalho."
Mas Filipe e Cidalina têm hoje uma grande responsabilidade. Vendem
parte da sua produção à Sugalidal. Eles e outros seis mil
agricultores, além da produção própria da empresa. As duas fábricas,
uma em Benavente e outra na Azambuja, transformam 550 mil toneladas de
tomate por ano. Os concentrados vão para a Rússia, para o Japão e quem
sabe para a Arábia Saudita, onde se bebe muito sumo de tomate. Já os
molhos e as polpas da Guloso - a marca própria - ficam em Portugal e
os vários tipos de molhos e ketchup da Heinz vão para o Norte da
Europa.

À frente da empresa, responsável pelo negócio internacional, está João
Ortigão Costa, de 44 anos, também ele descendente de uma família de
industriais de tomate. Era gestor hoteleiro e o amor à camisola
ganhou-o depois de entrar no negócio, há 15 anos. "Na altura a
Sugalidal faturava sete a oito milhões e hoje fatura 100 milhões só em
Portugal. Só gostando é que se chega a estes números", diz. Com as
unidades de Espanha e do Chile, a faturação vai chegar aos 200
milhões.

Num ano, com a compra da unidade do Chile em 2012, a Sugalidal passou
de 15.ª para segunda maior empresa de transformação de tomate do
mundo, com uma capacidade anual de transformação de 1,15 milhões de
toneladas, o que representa 3,5% da quota mundial. É quase tanto como
toda a produção nacional.

É por isso que, apesar de o produto só chegar no verão, persiste na
fábrica um agradável cheiro a tomate. A produção de concentrado está
parada, mas as linhas de enchimento continuam a funcionar com produto
do ano passado. Trabalham 24 horas por dia e com 200 pessoas. Em
agosto e setembro são 600. Aqui, pelos vistos, há emprego, apesar de a
cultura do tomate ser das mais duras e caras de fazer. Plantar um
hectare custa 5500 euros, mas para ter vendas são precisos no mínimo
10 hectares, ou seja, 55 mil euros, diz o presidente da Associação
Nacional dos Industriais de Tomate, Miguel Cambezes.

Apesar dos custos e dos riscos, o negócio floresce e ganha escala.
Aqui não há depressão nem recessão, ao contrário do que acontece no
resto do país. No negócio do tomate vivem-se os melhores anos de
sempre. A chuva não para de cair, é verdade, mas o sol brilha para os
produtores de tomate.

http://www.dinheirovivo.pt/Empresas/Artigo/CIECO137410.html?page=0

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