quinta-feira, 18 de abril de 2013

Um licenciado em Economia Agrícola à frente do Eurogrupo

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14 de Abril, 2013por Luís Gonçalves
Jeroen Dijsselbloem, no Ecofin, em Dublin, ao lado de Mario Draghi, o
presidente do Banco Central Europeu © EPA/Aidan Crawley
Em Janeiro, Jeroen Dijsselbloem era apenas um outsider na política
europeia. Um desconhecido ministro das Finanças holandês de apelido
impronunciável visto nos corredores da Comissão Europeia como um
político discreto, profissional e algo entediante que a Alemanha tinha
escolhido para chefiar o poderoso Eurogrupo.

O Eurogrupo reúne os dezassete ministros das finanças da Zona Euro e é
o órgão onde são tomadas algumas das decisões mais importantes dentro
da moeda única como um resgate financeiro a um estado-membro, as
alterações das metas orçamentais ou o alargamento das maturidades de
dívida pública.

Três meses após a sua eleição em Janeiro, Dijsselbloem é apontado como
o culpado por um dos maiores erros políticos na história do euro com a
desastrosa gestão do resgate a Chipre, e são cada vez mais as vozes
que pedem a sua demissão.

Praticamente desconhecido fora do seu país, Jeroen Dijsselbloem, de 47
anos, sabia que a eleição para presidente do Eurogrupo era uma porta
aberta para o prestígio europeu e quem sabe, o reconhecimento mundial.
O desafio de substituir o luxemburguês Jean-Claude Juncker à frente do
Eurogrupo era grande: fosse pela fama do primeiro, fosse pela agenda
difícil após três anos de crise do euro.

A gestão das crescentes tensões sociais contra a austeridade na
Europa, a crise política em Itália, a fragilidade da banca espanhola,
as divisões entre o Norte e a periferia, mas sobretudo a tarefa de
assegurar a sobrevivência de uma moeda usada por 300 milhões de
pessoas que alimenta a maior economia mundial eram as alíneas no topo
desta agenda. Em rodapé, estava a conclusão de um dossiê menor que se
arrastava há quase um ano em Bruxelas: o resgate da segunda economia
mais pequena da região, a ilha de Chipre.

Os primeiros três meses de Jeroen Dijsselbloem à frente do Eurogrupo
foram pacíficos e, em alguns pontos, surpreendentes. Afastou as
críticas de não ter experiência europeia ao imprimir alguma
organização nas reuniões do Eurogrupo antecipando horários e evitando
encontros até de madrugada.

O discurso directo, aberto e a gestão da incerteza política em Itália
foi ultrapassada com relativo sucesso, ao evitar uma nova vaga de
quedas nos mercados, o que lhe cativou alguns adeptos. O holandês
agradava aos alemães por ser um defensor da austeridade, enquanto a
sua filiação de esquerda era uma segurança para os franceses.

Para Dijsselbloem, a sua ascensão meteórica na política europeia
parecia ser a repetição do seu percurso na política holandesa. Nesta
última, subiu a ministro das Finanças depois de uma carreira de dez
anos como deputado especialista em Educação, com formação em Economia
Agrícola e conhecido pelas campanhas contra a violência na internet e
jogos de computador.

Agora na esfera do euro, passou de um entre os dezassete ministro das
Finanças a chefe do Eurogrupo com entrada livre nos encontros
reservados a chefes de Estado e reuniões privadas com Durão Barroso,
Christine Lagarde ou Mario Draghi, presidentes da Comissão Europeia,
FMI e BCE, respectivamente.

Porém, Dijsselbloem cometeu de uma só vez os três maiores erros dos
líderes europeus na actual crise: subestimar um pequeno problema
(Chipre), ser demasiado franco e directo em temas sensíveis (uso de
depósitos bancários) e negar posteriormente o que disse à imprensa
(que o modelo cipriota é para repetir). Em apenas três dias, o
ministro das Finanças holandês passou de presidente do compromisso a
espelho da desunião na Zona Euro.

A forma como geriu a comunicação do resgate de Chipre foi desastrosa
do início ao fim, revelando não só a sua inexperiência, mas também
levantando sérias dúvidas sobre se seria o homem certo para o lugar.

O primeiro-ministro cipriota, Nikos Anasatasiades, acusou Dijsselbloem
de ser arrogante e violento na forma como estava a negociar o resgate
ao seu país e ameaçou sair das conversações. O impasse obrigou à
entrada em acção da cúpula da troika – Barroso, Lagarde e Draghi –
para levar a bom porto as negociações, o que representou o primeiro
cartão amarelo para o ministro holandês.

O resgate original a Chipre era polémico por usar pela primeira vez na
Zona Euro os depósitos bancários para financiar parte do pacote
financeiro de 15 mil milhões de euros – sobretudo porque os depósitos
abaixo de 100 mil euros estavam, em teoria, protegidos pelas leis
europeias. O tema era tão sensível que ninguém quis assumir a autoria
da ideia, enquanto a linha de comunicação era vender Chipre como 'um
caso único' para evitar o pânico nos mercados e uma fuga aos
depósitos. É aí que Jeroen Dijsselbloem concede entrevistas ao
Financial Times e à Reuters onde quebra o tabu e afirma que o uso de
depósitos bancários poderá ser usado em futuros resgates. As
declarações caíram como uma bomba nos mercados e nos países
periféricos, disparando juros e arrastando as bolsas para o vermelho.

O ministro holandês ainda tentou, em comunicado, afirmar que tinha
sido mal interpretado, mas o estrago estava feito. Mesmo não tendo
poder de decisão superior aos restantes ministros das Finanças, viu de
repente todos os pares afastarem-se. O seu maior aliado, o ministro
alemão das Finanças, Wolfgang Shauble, disse não partilhar da sua
opinião e Mario Draghi chegou a afirmar publicamente que o plano
original de Chipre era «uma má ideia».

Dijsselbloem descobriu a extensão da solidariedade europeia e a
diferença entre ser frontal e verdadeiro no combate à violência nos
jogos de computador e sê-lo na gestão da crise do euro, onde a verdade
é normalmente um convite à desgraça – o seu antecessor Juncker passou
pelo mesmo ao admitir antecipadamente aos jornalistas que Portugal
iria ter mais tempo para as suas metas em 2012 para depois ser
prontamente desmentido pelos seus pares.

O holandês sabe que foi o homem escolhido para dar 'a cara' na mudança
de atitude da troika. Nos futuros resgates, os pacotes vão deixar de
ser financiados na totalidade pelos contribuintes e os accionistas,
credores e depositantes dos bancos vão ser chamados a assumir perdas
em casos de falência.

Jeroen falhou na sua primeira prova de fogo e sabe que terá de assumir
uma posição distinta se quiser manter o lugar. O próximo teste poderá
chamar-se Eslovénia. Um país que está à beira de necessitar de um
resgate financeiro devido à dimensão excessiva do seu sistema
bancário. Um caso em todo semelhante ao de Chipre.

luis.goncalves@sol.pt

http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=72990

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