sábado, 18 de maio de 2013

Caos climático

17/05/13 00:04 | Martin Wolf

Na semana passada, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera
excedeu as 400 partes por milhão (ppm) pela primeira vez em 4,5
milhões de anos. Além disso, continua a aumentar anualmente cerca de 2
ppm.

Na semana passada, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera
excedeu as 400 partes por milhão (ppm) pela primeira vez em 4,5
milhões de anos. Além disso, continua a aumentar anualmente cerca de 2
ppm. Mantendo-se a tendência actual poderemos chegar às 800 ppm até ao
final do século. Ou seja, todo o debate em torno da redução dos riscos
de alterações climáticas catastróficas não passa, afinal, de palavras
ocas.

Colectivamente, a Humanidade tem deixado avolumar os perigos. O Prof.
Sir Brian Hoskins, director do Grantham Institute for Climate Change,
no Imperial College London, alerta que a última vez que se registaram
concentrações tão elevadas, "o mundo era mais quente em média 3 ou 4
graus Celsius do que hoje, não havia uma camada de gelo permanente na
Gronelândia, o nível do mar era muito mais elevado e o mundo era um
lugar muito diferente, embora nem todas estas diferenças estejam
directamente ligadas aos níveis de CO2."

O alerta é louvável, porém, o efeito de estufa é ciência básica: é por
essa razão que a Terra tem um clima mais agradável do que a lua. O CO2
é um gás de efeito de estufa conhecido. Há efeitos de 'feedback'
positivos que decorrem da subida das temperaturas através, por
exemplo, da quantidade de vapor de água na atmosfera. Resumidamente, a
Humanidade está a levar a cabo uma experiência climática gigantesca,
incontrolável e quase de certeza irreversível na única "casa" que
possivelmente terá. Além disso, se nos socorrermos da ciência básica e
das opiniões da maior parte dos cientistas qualificados, verificamos
que o risco de mudança calamitosa é realmente enorme.

O que torna a inacção mais chocante é a histeria com que se tem
debatido as consequências nefastas dos elevados níveis de dívida
pública para as gerações futuras. No entanto, tudo o que estamos a
deixar à posteridade são dívidas que algumas pessoas terão de pagar a
outras. No pior dos cenários haverá incumprimento. Algumas pessoas
ficarão tristes, mas a vida vai continuar. Deixar à posteridade um
planeta num caos climático é muito mais preocupante. Não temos para
onde ir e não podemos repor o sistema climático do planeta. Se
queremos adoptar uma perspectiva prudencial no que respeita às
finanças públicas, então, também devemos assumir uma visão prudencial
face a uma situação que é irreversível e substancialmente mais
onerosa.

Por que agimos assim?
A primeira razão, e a mais profunda, é que enquanto a civilização da
Roma antiga foi construída à custa de escravos, a nossa tem as suas
fundações nos combustíveis fósseis. O que aconteceu no início do
século XIX não foi uma "revolução industrial", mas uma "revolução
energética". O que fazemos é lançar carbono na atmosfera. Aquele que
era um estilo de vida assente no consumo intensivo de energia nos
países hoje ditos de rendimento elevado tornou-se global. A
convergência económica entre os países emergentes e de rendimento
elevado está a fazer com que o aumento da procura de energia seja mais
rápido do que a redução da mesma através de uma maior eficiência
energética. Não são apenas as emissões agregadas de CO2 que têm
aumentado, mas também as emissões per capita - em parte devido à
dependência da China da electricidade produzida a partir do carvão.

A segunda razão prende-se com a resistência a toda e qualquer
intervenção no mercado livre. Isto deve-se, parcialmente, a interesses
económicos restritos. Mas o poder das ideias não é subestimado.
Reconhecer que uma economia livre tem enormes custos externos é o
mesmo que admitir que os apelos a uma regulação mais vasta, proposta
amiúde por ambientalistas odiados, se justificam plenamente. Para
muitos libertários ou liberais clássicos, a ideia é por si só
insuportável. É muito mais fácil negar a relevância da ciência.

Os sintomas desse autismo são visíveis. Por exemplo, diz-se que a
temperatura média global não subiu recentemente, apesar de ser muito
mais alta do que há 100 anos. No entanto, também importa referir que
já houve descidas na temperatura durante períodos em que a tendência
era de subida.

A terceira razão releva da pressão em responder a crises imediatas,
que têm monopolizado a atenção dos governantes nos países de
rendimento elevado desde 2007.

A quarta razão é uma confidência optimista: se o pior acontecer, o
engenho humano haverá de encontrar formas inteligentes de gerir os
piores resultados das alterações climáticas.

A quinta razão está na complexidade de alcançar acordos globais
eficazes e exequíveis sobre o controlo das emissões entre tantos e
diversos países. Nesta medida, não surpreende que os acordos
alcançados projectem uma ideia de acção e não a realidade.

A sexta razão remete para a indiferença face aos interesses das
pessoas que vão nascer num futuro relativamente distante. Como por
vezes se diz: "Para quê preocupar-me com as gerações futuras se não
fizeram nada por mim?".
Por último, invoco a necessidade de encontrar um equilíbrio justo
entre países pobres e ricos, e entre aqueles que emitiram mais gases
de efeito de estufa no passado e aqueles que vão assumir esse papel no
futuro.

Quanto mais pensamos neste desafio, mais difícil nos é, senão mesmo
impossível, vislumbrar medidas eficientes. As concentrações globais de
gases de efeito de estufa vão aumentar e, se isso conduzir a uma
catástrofe, então, será demasiado tarde para agir.

O que pode inverter o rumo actual das coisas? Considero que não vale a
pena fazer exigências de carácter moral. As pessoas não vão deixar de
fazer algo a esta escala por se preocuparem com o bem-estar alheio,
nem que estejam em causa os seus descendentes mais remotos. São
demasiado egocêntricas para isso.

Hoje em dia, a maior parte das pessoas está convencida de que uma
economia de baixo carbono será uma economia de privação universal, por
isso, nunca vão aceitar tal situação. Isto é verdade tanto para as
pessoas dos países de rendimento elevado, que querem conservar o que
têm, como para as pessoas do resto do mundo, que querem desfrutar das
condições de vida que os países de rendimento elevado têm actualmente.
É necessário, ainda que insuficiente, ter uma visão política para uma
economia de baixo carbono próspera que convença. Não é isso que as
pessoas vêem, daí que seja preciso investir recursos substanciais em
tecnologias para assegurar esse futuro de uma forma credível.

Neste momento não existem condições tecnológicas e institucionais para
o efeito. Na sua ausência, não há vontade política para tomar decisões
sobre o processo que conduz a nossa experiência com o clima. Apesar do
debate, não se faz nada em concreto. Se queremos mudar, temos de
começar por oferecer um futuro melhor à Humanidade. Não chega ter medo
de uma catástrofe distante.

http://economico.sapo.pt/noticias/caos-climatico_169390.html

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