segunda-feira, 13 de maio de 2013

O lento declínio do montado

Agricultura


Económico
12/05/13 09:43



O sistema agro-silvo-pastoril em que predomina o sobreiro e a
azinheira está lentamente a desaparecer. Todos os anos perdem-se 3 mil
hectares. Um tesouro para a economia que o Turismo do Alentejo quer
candidatar a Património Mundial da UNESCO.

Mesmo à porta da casa principal da Herdade dos Leitões está plantado
um sobreiro que terá vindo do mítico Monte das Oliveiras, na cidade
velha de Jerusalém, Israel. Foi o Prof. Vieira Natividade que o trouxe
e o ajudou a plantar, nos anos 50, nesta herdade situada em Montargil,
concelho de Ponte de Sôr. É a árvore que todos os dias surge aos olhos
de João Pereira Lopes e família. Vivem ali no meio da herdade com 860
hectares, 760 de montado de sobreiros.

João Pereira Lopes é o proprietário e apaixonado por esta herdade que
herdou do avô. Os sobreiros mais antigos ali plantados já têm 74 anos
de vida. Nos anos 1980 chegaram a produzir-se 86 mil arrobas de
cortiça por ano, hoje em dia, a extração deste tesouro para a economia
nacional não passa das 60 mil arrobas anuais. Quer nesta área,
denominada Charneca de Montargil que abrange mais de 150 mil ha,
repartidos principalmente pelo concelho de Ponte de Sôr e áreas dos
concelhos de Avis, Gavião, Mora, Alter do Chão, Coruche, Crato e Nisa,
quer no Alentejo ou na serra algarvia, o montado está em declínio. E
João Pereira Lopes sabe que "antigamente bastavam 500 hectares de
cortiça de média qualidade de um povoamento de 90 a 120 árvores por
hectare, dando 120 arrobas de cortiça, durante os nove anos, para uma
família viver decentemente. Hoje é impossível. Fiz as contas e hoje
são precisos pelo menos 750 hectares para uma família ter o rendimento
que tinham há dois anos um casal de funcionários públicos de nível
médio". Para além de que nos últimos anos, a qualidade da cortiça tem
baixado. "Os valores da produção de cortiça têm vindo a baixar e a
cortiça é cada vez de pior qualidade. As políticas agrícolas chocam
com as boas práticas ambientais e as cargas pecuárias, especialmente
das vacas, conduzem a uma degradação muito rápida do montado. Quem
quiser preservar os montados tem que viver ao ritmo da cortiça. Tem
que fazer aquilo que costumo dizer com uma certa graça: ao fim de nove
anos quando tiramos a cortiça, pagam-se algumas dívidas, trocamos de
carro, compra-se uma joia à mulher, dá-se um passeio, depois estamos
mais nove anos à espera do rendimento".

O montado sofre com o excessivo encabeçamento de gado (sobretudo
vacas) que destroem as pastagens, provocando o desequilibro natural do
montado, mas também com as doenças e pragas, uso indevido de máquinas
agrícolas, a conversão dos terrenos para olival ou vinha, incêndios de
grandes dimensões (como os ocorridos nas serras do Algarve, em 2003,
2005 em que se perderam 38 mil ha), o abandono rural ou a construção
da barragem de Alqueva que destruiu 8.600 há. Os dados do Instituto de
Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora
(ICAAM), recolhidos pelos investigadores Sérgio Godinho e Teresa Pinto
Correia, indicam que no período 1990-2006 perderam-se em média 3 mil
ha de montado por ano. "No caso, por ex., da Serra de Grândola, entre
Alcácer do sal e Montemor-o-Novo, são áreas de solos mais pobres e
onde se fizeram limpeza de matos com máquinas pesados e temos muitas
extensões de montado que ainda são classificadas como tal, mas que
estão muitíssimo degradadas. São áreas que daqui a 10 anos não vai lá
haver montado nenhum e o que substitui é o mato que não tem nada o
mesmo valor", diz a investigadora Teresa Pinto Correia, sublinhando
que o declínio do montado vai continuar. Mas o principal problema é a
falta de valorização do montado e pressão das necessidades económicas
dos proprietários. Olhando às necessidades imediatas, muitos donos de
montado transformam-no em olival intensivo "que vai dar lucro a muito
curto prazo, mas depois também perde validade muito rapidamente. O
montado aguenta-se por centenas de anos. Não dá lucro imediato, mas
tem valor em termos de conservação, património paisagístico, das
produções que são únicas, que deveria ser tomado em consideração.
Seriam precisas políticas que tivessem a ver com a manutenção do
montado como sistema e não apoiar a pecuária ou a desmatação", declara
a investigadora enquanto olha para imagens da cartografia do
território do mantado em Portugal.

No caso da Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo, valoriza-se
o montado e todos os produtos que dali se possam retirar. E é sempre
com os olhos postos no futuro que Alfredo Cunhal olha para os 430 ha
dominados pelo sobreiro. Basta pensar que um sobreiro dá boa cortiça
só ao fim de 40 anos de vida. "Hoje, um dos dramas do montado é que é
um sistema que produz pouco produto que é valorizado pela economia,
mas produz imensa coisa que não é valorizado pela economia. Enquanto
os sistemas agrícolas que mais contaminam a água, o ambiente e o solo,
produzem muito produto que é valorizado. E por isso são dominantes.
São as monoculturas, com os problemas terríveis que têm", afirma este
engenheiro-agricultor enquanto no meio dos sobreiros vai colhendo
cogumelos.

Nesta herdade, para além da cortiça, retira-se muito mais: 15 pessoas
trabalham em projectos autónomos, como a criação de abelhas, de perús,
a produção de lacticínios, um pomar, ao todo são sete micro-empresas
que ali se instalaram e que abrem novos caminhos para o uso do
montado.

A valorização do montado pode chegar por outras instituições. Neste
momento está em fase preliminar de estudos a candidatura do montado a
Património Mundial da Unesco. A candidatura parte da Entidade Turismo
do Alentejo e o dossier deverá estar pronto em 2014. O governo apoia
esta ideia. O Secretário de Estado do Turismo, Francisco Gomes da
Silva, diz que não conhece os números do ICAAM que apontam para um
lento declínio do montado e prefere avançar com outros em que "o
balanço não é estatisticamente significativo, em 15 anos perdemos 10
mil há e se formos à média anual dá-nos qualquer coisa como 600 ha por
ano, de variação negativa". O governante acredita que a indústria é o
grande impulsionador do montado. "Hoje sei que a indústria corticeira
está verdadeiramente empenhada em criar riqueza junto do produtor,
porque é a única forma de garantir que vai ter cortiça e que vai ter
melhor cortiça no futuro e portanto mais lucros. No dia em que a
indústria não tiver lucros, temos que estar muito preocupados com o
montado. A floresta só se desenvolve de forma equilibrada e saudável
se for puxada à frente. E puxada pela indústria", classifica Francisco
Gomes da Silva que acredita que a candidatura do montado à Unesco
venha ajudar os produtores e a economia nacional.

http://economico.sapo.pt/noticias/o-lento-declinio-do-montado_168938.html

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