sexta-feira, 14 de junho de 2013

Abraçar uma árvore em chamas

11 Junho 2013, 00:01 por Bjørn Lomborg | © Project Syndicate, 2008
www.project-syndicate.org


O que estamos prestes a fazer é diminuir a biodiversidade, desperdiçar
água, encarecer os alimentos, e gastar muito dinheiro – tudo isso para
cortar árvores e queimá-las, e possivelmente aumentar as emissões de
CO2. Fomos criados para pensar e fazer melhor do que isto

Ensinam-nos que é preciso reciclar o papel para salvar árvores.
Recebemos inúmeras advertências por e-mail que nos dizem: "Pense no
meio ambiente antes de imprimir esta mensagem". De facto, o movimento
ambientalista nasceu com o objectivo de preservar as florestas.


Mas agora, em nome da salvação do planeta face às alterações
climáticas, os ambientalistas estão a lançar uma campanha global para
cortar e queimar árvores com o objectivo de reduzir a utilização de
combustíveis fósseis. Não passaria de uma estranha ironia, não fossem
os custos gigantescos deste plano, entre eles a provável destruição da
biodiversidade, um aumento do uso da água e uma redução da produção
global de alimentos. E ainda poderia implicar um aumento das emissões
globais de CO2.

Quando a maioria das pessoas pensa em energias renováveis imagina
painéis solares e turbinas eólicas. No entanto, a energia solar e
eólica é apenas uma pequena parte das fontes renováveis: menos de 7%
do total, em 2010. A energia hidráulica é uma fonte muito maior, cerca
de 17% do total. Mas a mais importante é, de longe, a biomassa, o
combustível mais antigo da humanidade, e que representa actualmente
76% das energias renováveis e 10% de toda a energia, no geral. Cerca
de 60% da biomassa é madeira, galhos e estrume, elementos usados por
quase três mil milhões de pessoas que não têm acesso aos combustíveis
modernos. O resultado: níveis terríveis de contaminação do ar e
milhões de mortes.

Mas o Ocidente usa os outros 40% da biomassa para produzir calor. E
usará cada vez mais biomassa para produzir electricidade, porque a
energia solar e eólica são naturalmente imprevisíveis, e a
electricidade é necessária mesmo em dias nublados e quando não há
vento. A biomassa (juntamente com a energia hidráulica) pode ser usada
para suavizar as flutuações inerentes à energia eólica e solar.

A biomassa está a renascer porque é considerada neutra, em termos de
CO2. O conhecimento convencional diz que a combustão da madeira
liberta o dióxido de carbono que a árvore absorveu durante o seu
crescimento, de modo que o efeito sobre o clima é neutro. Mas esta
visão desperta cada vez mais críticas. O Comité Científico da Agência
Europeia do Ambiente assinala que esta hipótese parte de uma
"suposição equivocada" baseada num "grave erro de contabilidade",
porque se for queimada toda uma floresta, será necessário muito tempo
até que cresçam novas árvores que absorvam as emissões de CO2. Se
forem queimadas florestas para plantar, no seu lugar, cultivos
energéticos, o efeito sobre o clima pode ser um aumento líquido das
emissões.

De acordo com os membros do Comité, "deste erro de cálculo da
bioenergia podem resultar consequências enormes". O plano dos
ambientalistas para obter de 20 a 50% de toda a energia a partir da
biomassa pode dar lugar a que se triplique o consumo actual de
biomassa, colocando a sua produção em concorrência directa com a de
alimentos para uma população mundial crescente; ao mesmo tempo que se
esgotam as reservas de água e se reduzem as superfícies de floresta e
a biodiversidade.

Um trabalho de investigação académica deixa isso bem claro logo no
título: "Aumentar a exploração da biomassa florestal para obter
bioenergia em grande escala é insustentável e não é neutral em relação
aos gases de efeito estufa". Os autores sublinham que, ainda que a
Revolução Industrial tenha provocado alterações climáticas, a sua
dependência do carbono foi benéfica para as florestas, porque os
nossos antepassados deixaram de destruí-las em busca de madeira. Isto
foi um dos principais factores de recuperação das florestas na Europa
e nos Estados Unidos; e o oposto explica porque muitas das florestas
dos países em vias de desenvolvimento estão em perigo. Ao mundo
desenvolvido talvez o espere um futuro semelhante se voltar a
fascinar-se pela biomassa.

Mas o maior problema é que a produção de biomassa tem repercussões
noutras produções agrícolas em outros lugares. Alguns estudos começam
agora a avaliar o impacto. Na Dinamarca, um grupo de investigadores
estimou a redução de emissões de CO2 que se pode esperar de várias
culturas energéticas. Por exemplo, a queima de um hectare de
salgueiros num campo anteriormente utilizado para a cevada evita a
emissão de 30 toneladas de CO2 por ano, ao substituir o carvão. Este é
o valor que os produtores de energia verde exibem com orgulho ao
defender a biomassa.

Mas queimar os salgueiros liberta 22 toneladas de CO2. É verdade que
os salgueiros absorveram essa quantidade de CO2 no ano anterior; mas,
se tivéssemos deixado a cevada onde ela estava, também ela teria
absorvido uma quantidade considerável, diminuindo a redução relativa
ao carvão para 20 toneladas. Num sistema de mercado, quase toda a
produção de cevada translada-se, simplesmente, para áreas
anteriormente não cultivadas. Limpar a biomassa existente ali, emite
um extra de 16 toneladas de CO2 por ano, em média.

Assim, em vez de poupar 30 toneladas de emissões, economizamos quatro
toneladas, no máximo. E este é o melhor cenário. Os investigadores
anteriormente mencionados analisaram 12 modos de produção; com dois
deles reduzem-se apenas duas toneladas de emissões anuais de CO2,
enquanto, com os outros dez, o total de emissões aumenta, chegando a
um excedente de até 14 toneladas anuais.

Ao mesmo tempo, a biomassa está a custar-nos os olhos da cara. Só na
Alemanha gastam-se mais de três mil milhões de dólares por ano (167
dólares por cada tonelada de CO2 que se poupa), o que é mais de 37
vezes o custo das reduções de carbono no Sistema de Comércio de
Emissões da União Europeia. E o cálculo de poupança de emissões não
tem em conta as alterações indirectas no uso da terra, pelo que é
provável que o custo real seja, pelo menos, oito vezes maior.

Há dez anos, a União Europeia e os Estados Unidos adoptaram os
biocombustíveis como uma forma de combater o aquecimento global. Hoje,
40% da produção de milho converte-se em bioetanol para os automóveis.
Isso tem impulsionado o preço dos alimentos e provocado a fome em
dezenas de milhões de pessoas, para além de custar mais de 17 mil
milhões de dólares por ano em subsídios agrícolas e provocar a
desflorestação noutras partes do mundo. No fim de contas, acabam por
se produzir mais emissões de CO2 do que as que se poupam com o
bioetanol. Os biocombustíveis tornaram-se um desastre absoluto e
aparentemente imparável.

Precisamos de enfrentar o próximo – e potencialmente muito maior –
elefante branco que é a biomassa. Sim, devemos transformar resíduos em
energia e usar, com inteligência, as sobras agrícolas. Mas o que
estamos prestes a fazer é diminuir a biodiversidade, desperdiçar água,
encarecer os alimentos, e gastar muito dinheiro – tudo isso para
cortar árvores e queimá-las, e possivelmente aumentar as emissões de
CO2. Fomos criados para pensar e fazer melhor do que isto.

© Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/abracar_uma_arvore_em_chamas.html

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