segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A conservação da natureza, as florestas e o Estado

HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS

05/08/2013 - 16:46

Com a recente remodelação governamental, separando os sectores da
Agricultura e do Ambiente, cortou-se o bebé ao meio, mas sem o cortar.


A conservação da natureza vai de muito boa saúde. Temos uma
recuperação dos sistemas naturais pujante, com o regresso dos
carvalhais, dos corços, das martas, dos lobos e qualquer dia, espero
eu, dos ursos.

Mas a conservação da natureza, enquanto sector institucional do
Estado, está verdadeiramente em frangalhos. Não é só de agora, já
vinha a dar sinais de desorientação há muito tempo.

Quando a versão original deste Governo tomou posse, fundiu o sector da
conservação com o sector das florestas, naquela velha técnica de
baralhar e dar de novo quando não se sabe o que fazer. Esta fusão é
perfeitamente razoável e defensável.

Os serviços florestais foram criados para florestar o país, primeiro
por razões de conservação do solo e de gestão da água. Sobretudo a
partir do Estado Novo, acentuou-se a lógica económica, o que fazia
sentido na altura e estava articulado com o facto de o Estado gerir os
baldios como coisa sua.

Depois do 25 de Abril e da entrada em força da produção industrial do
eucalipto, a par com os problemas de gestão dos fogos resultantes do
abandono agrícola, a função produtiva foi passando para os privados.
Sobrou a gestão de recursos, como a protecção, a caça, a pesca e
outros aspectos que, de uma maneira ou de outra, são essencialmente
gestão de património natural.

É preocupante a completa irrelevância destes sectores institucionais
que permite que sejam tratados assim.

Dadas as profundas e antigas divergências entre os sectores da
conservação e das florestas, o Governo inventou uma solução à moda da
minha terra: nomeou para presidente do instituto que juntava os dois
sectores desavindos uma pessoa que, por não perceber nem de
conservação nem de florestas, não poderia ser conotada com ninguém.

Não ser especialista de um sector não é impeditivo de ser um bom
director-geral. João Menezes, um dos melhores presidentes que o sector
da conservação teve, pouco percebia de conservação quando chegou.

Mas numa situação de emergência financeira, sem dinheiro, com uma
tutela política que também não só não percebia nada do assunto como
tinha outras prioridades, juntar dois sectores tradicionalmente
inimigos debaixo do mesmo tecto não é pêra doce. Nos últimos dois
anos, estes dois sectores pouco mais têm feito do que se entreter com
a sua fusão.

Com esta remodelação governamental, separando os sectores da
Agricultura, onde tradicionalmente se filiam as florestas, e o do
Ambiente, onde tradicionalmente se filia a conservação, cortou-se o
bebé ao meio, mas sem o cortar.

Evitou-se optar por colocar as florestas na tutela do Ambiente, como
têm feito muitos países e será uma inevitabilidade no futuro, ou
entregar a conservação à Agricultura, o que pode fazer sentido porque
é nos recursos do mundo rural que estão os recursos para gerir a
conservação.

É preocupante o facto do tal instituto que foi fundido estar na tutela
de dois ministros? Nem por isso, o que é preocupante é a completa
irrelevância destes sectores institucionais que permite que sejam
tratados assim.

"Tudo em volta está deserto / Tudo certo, como dois e dois são cinco."

http://www.publico.pt/ecosfera/noticia/a-conservacao-da-natureza-as-florestas-e-o-estado-1602278

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