terça-feira, 22 de outubro de 2013

Barragens, conservação da natureza e o resto (1)

HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS

16/10/2013 - 15:39

O que me interessa, nesta série de artigos, é mesmo o resto.


A actividade humana e as opções associadas pressupõem a exploração de
recursos e a intervenção em sistemas naturais, moldando-os aos
interesses das pessoas.

A relação entre as barragens e a conservação da natureza é difícil.

Tal como a relação entre a agricultura, as florestas, as estradas, os
foguetões, os computadores, os animais de companhia e os direitos dos
animais.

Se algumas actividades fortemente impactantes nos recursos naturais,
como ter gatinhos em casa, não são vistas como destruidoras de
sistemas naturais - apesar da alimentação animal ser um dos principais
destinos da pesca intensiva, que está a depauperar a biodiversidade
dos oceanos e mares -, outras, como as barragens, são entendidas como
horrorosamente desprovidas de qualquer utilidade que não seja o lucro
"deles" à custa do "nosso" património natural.

Por isso ter animais em casa é uma actividade muito pouco
regulamentada, apesar do seu impacto devastador nos sistemas naturais,
e fazer barragens implica um grande esforço de planeamento e obtenção
de licença.

No licenciamento da actividade de construção e exploração de barragens
inclui-se, e bem, a necessidade de garantir a conservação dos valores
naturais.

Tudo isto é bastante mais difícil de fazer que de dizer, a natureza é
complexa, os impactos são difíceis de avaliar e muito mais difíceis de
compensar, sendo que os riscos de que as medidas compensatórias falhem
são elevadíssimos.

Por isso a solução de compensação é um último recurso, quando tudo o
resto foi devidamente avaliado e se esgotaram os mecanismos anteriores
para evitar os estragos: não autorizar o projecto, se tiver impactos
importantes sobre valores protegidos; fazê-lo mas com medidas de
minimização dos impactos para os evitar, avaliar e escolher
alternativas, se o projecto for mesmo necessário; ou, em último caso e
apesar dos impactos, autorizar o projecto com impactos negativos, se
ele for mesmo imprescindível e não existirem alternativas.

Só então se devem discutir medidas de compensação, quando se concluiu
que o projecto é imprescindível, que não existem alternativas
razoáveis e que o projecto tem impactos negativos em valores
protegidos.

Sensatamente, a legislação comunitária que regulamenta estas questões
preocupa-se em garantir que as medidas compensatórias se dirijam e
tenham efeito directo sobre os tais valores protegidos.

A compensação deve dirigir-se estritamente aos valores afectados e
deve ser desenhada de modo a que garanta impactos positivos duradouros
e sustentáveis nesses valores, de grandeza tal que compensem os
impactos negativos previstos.

Ora é sobre a caricatura que Portugal fez deste sistema, pondo no
centro da questão a captação ilegítima de riqueza pelos mesmos do
costume, que se vai debruçar a série de crónicas que escreverei,
começando pelo inenarrável "Parque Natural Regional do Tua".

http://www.publico.pt/ecosfera/noticia/barragens-conservacao-da-natureza-e-o-resto-1-1609354

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