segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Cinco nomes que puxam pelo que o Dão tem de melhor

Por Rui Falcão

23.11.2013

O Dão é lugar potencial para a criação de vinhos de classe superior.
Mas o abandono de vinhas, o esquecimento de castas e uma certa modorra
impedem a região de cumprir esse potencial. Há, no entanto, quem
aponte caminhos. E mostre um futuro para essa região extraordinária.

A região do Dão insiste em manter-se num estado de entorpecimento
geral, apagada num exercício voluntário e derrotista que se repete ao
longo do tempo. O Dão, apesar de todos os elogios que a imprensa vai
soltando, mantém-se numa modorra e apatia que a conduzirá, se a
tendência não for invertida, a um voto de esquecimento a médio ou
longo prazo. Como vão longe os tempos áureos das décadas de sessenta e
setenta do século passado quando o nome Dão era respeitado e
valorizado, reconhecido como um sinal identidade e qualidade.

O Dão, convém não esquecer, é uma das raras denominações de origem
portuguesas que ultrapassou a linha divisória do primeiro século de
idade. Chegou mesmo a afirmar-se como uma das referências dos vinhos
portugueses, transformando-se na região de origem de alguns dos vinhos
mais afamados do país. Chegou a dizer-se que o Dão era a Borgonha de
Portugal, a denominação onde nasciam os vinhos mais finos e delicados,
a região de origem dos vinhos mais elegantes, viçosos e capazes de
viver durante anos em garrafa.

Não é fácil explicar a inércia da região e o lento ocaso a que a
região do Dão se tem prostrado. O Dão, diz-se muitas vezes com
reiterada convicção, é uma das regiões mais abençoadas de Portugal,
aquela que é capaz de proporcionar os vinhos mais elegantes,
assumindo-se como a denominação naturalmente mais habilitada a
produzir vinhos frescos e com maior capacidade de envelhecimento.
Argumentos sólidos e efectivos mas que carecem de contraponto.

É verdade que o Dão goza das vantagens naturais apontadas mas também é
verdade que sofre de alguns contratempos que dificultam a sua
afirmação. Por um lado o forte emparcelamento da terra que
frequentemente impede a viabilidade económica da vinha. Mas também o
clima volúvel capaz de apadrinhar o melhor e o pior intercalando
colheitas extraordinárias com anos sofríveis anuindo inconsistência de
colheitas que afasta alguns consumidores. O envelhecimento da
população e a desertificação do interior tem como consequência o
abandono das vinhas e a consequente perda progressiva de material
genético.

O arranque mais ou menos indiscriminado de muitas das vinhas mais
velhas, a aposta quase única nas cinco castas dilectas, a Touriga
Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado e Malvasia Fina,
desprezando as restantes castas tradicionais da região e sem qualquer
estudo aprofundado sobre os méritos e deméritos de cada variedade,
força a um estreitamento genético que a próxima geração irá pagar
caro. A falência do sector cooperativo na região contribui igualmente
para o abandono das vinhas e do vinho do Dão.

Mas a condição mais importante é o factor humano, a falta de uma visão
regional e de um sentido histórico da denominação do Dão. Uma carência
de identidade que condiciona alguns produtores a querer reproduzir
estilos de outras paragens e regiões, nomeadamente do Douro,
insistindo em propor vinhos carregados de cor, espessos e pujantes,
carnudos e pesados, numa antítese formal do que a região do Dão sempre
produziu… e onde se transcende! Nenhuma região do mundo se impõe por
copiar modelos alheios. Nenhum dos grandes produtores do Dão, das
grandes referências nacionais da região, se afirmou por pretender
imitar vinhos de outras denominações, apostando na autenticidade,
identidade, na genuinidade de uma região que para o bem e para o mal
se diferencia de todas as outras.

E é isso que alguns produtores da região têm feito, uma aposta na
originalidade, seja pela manutenção dos vinhos clássicos do passado,
seja pela apresentação de castas da região menos habituais nos
rótulos, seja pela afirmação de um estilo próprio e inimitável. Entre
os muitos produtores da região assinalei cinco que se revelam
singulares por razões diversas, nomes tão descoincidentes como Quinta
da Falorca, Quinta da Fata, Quinta das Maias, Quinta das Marias e
Vinha Paz, tendo seleccionado um vinho de cada produtor como exemplo
clássico dessa diferença.

A Quinta da Falorca distingue-se pelo apelo do classicismo dos seus
Garrafeira, vinhos enormes e coincidentes com a grande tradição do
Dão, mas também pela irreverência do T-Nac, um Touriga Nacional sem
madeira que exalta sem pudor os aromas primários inebriantes da casta.
A Quinta da Fata mostra o lado mais clássico e tradicionalista do Dão
estampado em vinhos sólidos, austeros, duros mas frescos, secos e
finos, profundamente elegantes e com décadas de vida pela frente.

A Quinta das Maias reverbera pela defesa apaixonada de uma das castas
mais emblemáticas do Dão, o Jaen, apresentando-se como um dos
defensores maiores desta variedade que a região parece querer insistir
em menosprezar. E ainda teve tempo no passado para engarrafar castas
tão enigmáticas como o Barcelo, exemplo raro de uma das castas
perdidas da região. A Quinta das Marias conseguiu fazer a quadratura
do círculo no Dão, juntando a elegância, austeridade e frescura
acídula inata ao Dão com uma energia telúrica, uma robustez e audácia
que raramente vemos na região.

Apesar de discretos, graves e sisudos os vinhos de Vinha Paz
representam a súmula de todos os predicados do Dão, vinhos, profundos
e intelectuais, nobres e supinamente bem-educados, clássicos mas
cerebrais, cultos e com um leve toque de asperezas que lhe assentam
tão bem.

Cinco produtores do Dão distintos no estilo e nos objectivos,
diferentes no passado, nos propósitos e na abordagem mas comparáveis
na procura de qualidade, identidade e empenho, na promessa de
continuação e renovação da região. Cinco produtores importantes para o
Dão pela autenticidade e dignidade que impõem ao nome da denominação.


Quinta da Falorca
A história da Falorca começou há mais de cinco gerações quando a
família Figueiredo adquiriu um conjunto de propriedades dispersas em
redor da vila de Silgueiros. Hoje, os vinhos da Quinta da Falorca
nascem de três parcelas de vinha separadas por três áreas, a Falorca,
a maior com sete hectares, o vale das Escadinhas, de quatro hectares e
a Esmoitada de pouco mais de um hectare onde sobrevivem as vinhas mais
velhas da casa. Entre os vinhos mais representativos da casa
encontra-se o Quinta da Falorca Garrafeira Old Vines, um vinho sério,
vivo e tenso, largo nos horizontes e duro na métrica e na rítmica,
preciso e intenso. Por vezes surge quase brutal, por vezes mais dócil,
mas sempre vigoroso e entusiasta na entrega. Preço: 35 euros (Colheita
de 2007)

Quinta da Fata
A Quinta da Fata é uma propriedade com pouco mais de seis hectares de
vinha e cujo primeiro proprietário, Bernardo Loureiro e Amaral foi um
dos impulsionadores da criação da região do Dão. Hoje é capitaneada
por Eurico Amaral, neto do fundador da casa. Entre os vinhos mais
representativos da casa encontra-se o Quinta da Fata Touriga Nacional,
um vinho austero mas preciso, levemente floral mas contido na
exuberância aromática. As suas verdadeiras virtudes encontram-se de
forma mais inequívoca na boca, num equilíbrio notável entre taninos e
acidez, entre estrutura e delicadeza, entre potência e cortesia, tudo
isto com um potencial de guarda extraordinário. Preço: 17.50 euros
(Colheita de 2009)

Quinta das Maias
A Quinta das Maias vive escondida pela sombra da Quinta dos Roques,
irmão maior e mais conhecido junto da maioria dos enófilos, o que é
uma injustiça porque os vinhos têm uma identidade particular, um
estilo original, castas únicas e uma expressão muito própria que
merece reconhecimento e valorização mais atenta. Entre os vinhos mais
representativos da casa encontra-se o Quinta das Maias Jaen de aromas
florais e frutados quase desconcertantes mostrando-se intenso e
vigoroso, alegre, comunicativo e inebriante na sensação de frescura
que transmite. A boca confirma por inteiro as sugestões oferecidas
pelo nariz, repleta de fruta, temperada por uma belíssima acidez, com
um final de boca fresco, assertivo e uma alegria contagiante. Preço:
19 euros (Colheita de 2011)

Quinta das Marias
Capturado por uma paixão intensa pelos vinhos e pela região o suíço
Peter Viktor Eckert não resistiu a resgatar uma quinta no Dão onde
decidiu fazer o seu vinho. Rodeou-se das melhores pessoas e conseguiu
criar vinhos originais e seguros, gigantes na dimensão mas sem nunca
perder de vista os fundamentos de elegância e austeridade do Dão. O
Quinta das Marias Encruzado Fermentado em Barrica apresenta-se, tal
como é apanágio da casta, discreto e austero no nariz, sisudo e
ponderado, oferecendo o protagonismo à boca onde este Encruzado revela
a sua verdadeira dimensão. Cheio, citrino, levemente abaunilhado pela
presença suave da madeira, fino e elegante, é um belíssimo vinho
branco, profundo e amplo, capaz de viver um bom par de anos em
garrafa. Preço: 12 euros (Colheita de 2011)

Vinha Paz
A casa de família, na Quinta da Leira, é a base de toda a produção
vitícola assente numa adega sóbria e modesta na dimensão e tecnologia,
uma adega de lagares com recurso da pisa a pé, adega centenária
resumida ao essencial que reúne num só espaço lagares e cave de
estágio. O cuidado com a vinha é notório e percebe-se de imediato o
amor pela terra dos antepassados. Entre os vinhos mais representativos
da casa encontra-se o Vinha Paz Reserva circunspecto na exposição
aromática, contido na boca, enorme na estrutura mas sem nunca ser
esmagador. Fresco e viperino na acidez, firme nos taninos, um vinho
sério para ser bebido com atenção para lhe conseguir descobrir a
profundidade da boca. Preço: 15 euros (Colheita 2009)

http://fugas.publico.pt/Vinhos/327804_cinco-nomes-que-puxam-pelo-que-o-dao-tem-de-melhor

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