segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Uma região na encruzilhada

Por João Portugal Ramos

23.11.2013

A Fugas convidou João Portugal Ramos a projectar ideias sobre o futuro
do Alentejo. O enólogo e gestor aceitou o desafio e neste texto revela
o contributo da região para a nova vaga do vinho nacional e deixa no
ar as ameaças que "a dificuldade de equilibrar a oferta à procura" lhe
colocam

Falar do Alentejo é para mim muito gratificante, pois mesmo muito
antes de chegar à região e dar os meus primeiros passos como enólogo e
gerente da Adega Cooperativa da Vidigueira em 1981, era esta a minha
região de eleição.

Havia uma série de atributos da região que, de facto, eram especiais,
e ainda por cima sendo para mim a caça uma paixão, foi também aqui que
dei os primeiros passos nessa actividade, desde muito novo
acompanhando o meu pai.

Foi também aqui que, a determinada altura, resolvi iniciar a minha
actividade de produtor-engarrafador, é no Alentejo que vivo há 25 anos
e foi aqui que os meus filhos cresceram.

Por outro lado, falar nesta altura sobre a região do ponto de vista
vitivinícola não é uma tarefa fácil, pois tive a felicidade de estar
aqui quando o Alentejo passou a ser a região de referência do país no
que a vinhos diz respeito.

E neste contexto, tão exigente e difícil em quase todas as
actividades, o Alentejo, que continua a ser a região de referência e
de preferência da esmagadora maioria dos consumidores portugueses, tem
rapidamente que resolver uma série de problemas se não quiser perder
essa liderança.

Quando em 1981 fui convidado para enólogo e gerente da Adega
Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito, a região detinha apenas 2%
da quota de mercado mas com uma qualidade média dos vinhos muito boa.
Em cerca de duas décadas passou a ter mais de 40% do consumo de vinhos
de qualidade em Portugal!

O Alentejo nessa época tinha uma produção de cerca de 25hl/hectare
(mais ou menos ao nível dos grandes vinhos da Borgonha), as vinhas
eram velhas e os solos onde as vinhas estavam implantadas eram
relativamente pobres, perfeitamente adequados à cultura da vinha, pois
os mais férteis eram normalmente utilizados para outro tipo de
culturas.

Havia de facto uma enorme qualidade média de uvas. Para além das
excepções da Tapada de Chaves, Mouchão, Quinta do Carmo, Montes Claros
e José de Sousa Rosado Fernandes, que produziam e engarrafavam
pequenas quantidades de vinhos, a esmagadora maioria era destinada às
seis Adegas Cooperativas existentes na região que as vinificavam,
engarrafavam e promoviam os vinhos e a região.

O primeiro produtor-engarrafador, para além dos atrás mencionados, foi
a Sociedade dos Azeites de Moura, com a marca Paço dos Infantes,
pertencente à família Almodôvar, com a colheita de 1982. Foi portanto
uma época em que a região produzia pouco e bem, e para além disso
havia uma grande harmonia ao nível dos preços, pois também me lembro
muito bem da tradição de se realizar um almoço pós-vindima com as
direcções das Adegas Cooperativas a trocarem impressões sobre a
vindima que terminara e quais as políticas a adoptar.

Na segunda metade da década de 80, quando surgem os primeiros Q.C.A.
(Quadros Comunitários de Apoio) os investimentos apontaram para vinhas
e adegas, e todos ou quase todos se candidataram, investindo em vinhas
e tecnologias de produção ao nível das adegas. Aqui, e não foi só no
Alentejo, ficou de fora um apoio tão ou mais importante: a área
comercial para dar suporte ao aumento que já se perspectivava de mais
vinhas e adegas. Hoje, como bem sabemos, todos os apoios e projectos
em curso apontam em especial para o investimento na promoção dos
vinhos.

Na década de 90 começa a haver um aumento exponencial da área de vinha
na região, com as Adegas Cooperativas a iniciarem uma corrida, com o
intuito de serem as que pagam melhor as uvas aos seus associados.

Para dar uma ideia real de preços praticados, dou um exemplo dos
preços então em vigor:

- 1996: cerca de 140$00 (0,70 €)

- 1997: cerca de 250$00 (1,25 €)

- 1998: cerca de 400$00 (2,00 €)

Hoje, 17 anos mais tarde, transaccionam-se uvas a cerca de 0,35 €!

Se o Alentejo tivesse investido apenas cerca de 20% do preço das uvas
a desenvolver novos mercados, hoje provavelmente estaria a valorizar
as uvas pelo dobro do preço agora praticado. Para melhor ilustrar,
esse valor não andaria muito longe do valor que hoje dispõe a
ViniPortugal para a promoção genérica do vinho português.

Quando entrámos no novo século, começa a dificuldade de equilibrar a
oferta à procura, com a proliferação da oferta a atingir proporções
inusitadas, com a inerente quebra acentuada dos preços dos vinhos, e,
por consequência, do preço das uvas.

As Adegas Cooperativas não conseguiram manter uma política comum de
sustentação dos preços e o trade acabou por tirar partido da situação.
Por outro lado, também não fazem reflectir a diminuição do preço dos
vinhos no preço das uvas e, como tal, começam a surgir graves
problemas de sustentabilidade do negócio.

Os novos produtores, que tinham pensado que iriam rentabilizar as suas
explorações com a venda de uvas, resolvem adiar ou aumentar o
problema, investindo em adegas próprias. Como têm dificuldades em
afirmar-se no mercado, começam a vender uvas e vinho a preços mais
baixos, pondo obviamente em risco a sua exploração.

As raras excepções são normalmente aqueles que conseguiram imprimir um
carácter diferenciador aos seus vinhos.

Depois desta minha visão sobre como vi o Alentejo quando cheguei e
como está agora a região, resta falar de como vejo o futuro.

Quando se fala em qualidade de vinho produzido numa determinada
região, deve ter-se em consideração a verdadeira qualidade média dos
vinhos produzidos por essa mesma região. No Alentejo, e até à data,
tem sido fácil, pois é a qualidade tangível da região que está dentro
das garrafas, pois todo o vinho é engarrafado.


A crença no Alentejo

Como sempre tenho afirmado, não conheço nenhuma região em Portugal
onde não se possam produzir bons vinhos. Julgo mesmo que Portugal vai
acabar por ver o seu valor reconhecido, enquanto produtor de vinhos de
enorme qualidade e invulgar especificidade. Assisti durante o meu
percurso de enólogo e produtor no Alentejo ao enorme sucesso da região
e à extraordinária apetência dos consumidores pelos seus vinhos.

O Alentejo funcionou, do meu ponto de vista, como o caminho que se
deveria percorrer para ser uma região de eleição. Os seus vinhos,
jovens, com ênfase de fruta bem madura e com taninos presentes mas
amáveis, vieram mostrar ao consumidor que o estilo de vinho cansado,
oxidado, sem fruta, com taninos duros e secos estava definitivamente
ultrapassado. A este facto deve o Alentejo e Portugal ao
extraordinário desempenho das Adegas Cooperativas da região. As Adegas
Cooperativas do Alentejo vieram dar aos consumidores um selo de
garantia, que veio de alguma forma terminar com a época dos
armazenistas, a maior parte dos quais nem um pé de vinha tinha. Os
vinhos passaram a ter "berço", para além da evidente melhoria do
perfil e da qualidade.

Hoje, graças ao caminho apontado pela região do Alentejo, fala-se
muito da qualidade de várias outras regiões do país, podendo mesmo
afirmar-se que se discute muito se será no Alentejo ou no Douro que se
produzem os melhores vinhos.

Julgo que o carácter de ambas as regiões é bem diferente e ainda bem.
Gostaria de apenas lembrar que, enquanto no Alentejo, como há pouco
referi, se engarrafa a totalidade da produção, no Douro apenas se
engarrafa como DO (denominação de origem) cerca de 60% da totalidade
do vinho produzido – como todos saberão, também estamos presentes na
fantástica região do Douro com um projecto ambicioso e julgo que
estamos numa das regiões portuguesas com maior potencial, mas que
também tem os seus problemas, que terá que resolver, para melhor
evidenciar esse seu extraordinário potencial

Neste sector existe uma frase que ilustra bem o que pretendo referir:
"Só vêem o vinho que um homem bebe, mas não vêem os tombos que ele
dá".

Continuo a acreditar que é no Alentejo que Portugal pode ser mais
competitivo e é no Alentejo que os vinhos apresentam uma maior
consistência vindima após vindima, e que provavelmente apresenta
vinhos com a relação qualidade preço mais favorável. Também creio que
é na região do Alentejo que se pode ser mais versátil, pois se, por um
lado, é relativamente fácil produzir vinhos maduros com taninos
redondos e acessíveis, com ênfase de fruta madura e com extraordinária
aptidão para consumo enquanto jovens. Por outro lado, como está
amplamente provado e reconhecido, é também possível fazer grandes
vinhos com boa aptidão para envelhecer.

Julgo urgente para o Alentejo acreditar e trabalhar no sentido do seu
futuro não passar por altas produções a preço barato. Hoje, as
produções situam-se à volta dos 45 a 50 hl/hectare. Qual a razão para
se aprovarem rendimentos na ordem dos 100 hl/hectare? Para beneficiar
quem? A região não é com certeza.

Penso ser assim necessário adaptar a legislação em vigor à realidade do mercado:

- Reduzir os limites de produção, com evidente ganho qualitativo e com
o consequente aumento dos preços médios, que iriam inevitavelmente
decorrer da diminuição da oferta;

- Redefinição da DO Alentejo, das seis sub-regiões e do vinho regional
alentejano;

- Repensar os limites da DO actual adaptando à produção de uvas de
qualidade da região.

Atingido a região o seu equilíbrio, e com a ajuda da maturidade das
vinhas, estou profundamente convicto que escolhi para trabalhar e
viver uma das melhores regiões do Mundo.

http://fugas.publico.pt/Vinhos/327795_opiniao-o-futuro-do-alentejo-segundo-joao-portugal-ramos

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