segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O que faremos agora com a dieta mediterrânica?

ALEXANDRA PRADO COELHO

07/12/2013 - 23:09

Inscrita esta semana como Património Imaterial da Humanidade, a dieta
mediterrânica tem agora que ser estudada, inventariada, divulgada,
protegida. A quem cabe a responsabilidade de o fazer?

RUI GAUDÊNCIO


No Algarve, 42% dos jovens estão a afastar-se da Dieta Mediterrânica
Um património aberto e em expansão

A inscrição da dieta mediterrânica na lista do Património Imaterial da
UNESCO, no dia 4, abre oportunidades e cria obrigações. O que está
previsto na documentação entregue na UNESCO é que sejam tomadas
medidas de salvaguarda deste património pelos sete países envolvidos
na candidatura: Portugal, Croácia e Chipre, Espanha, Marrocos, Itália
e Grécia.

Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da
Alimentação Saudável, e que esteve envolvido na preparação da
candidatura, defende que a partir de agora se deveria avançar para
medidas muito práticas. Em primeiro lugar "a identificação de práticas
alimentares ligadas à dieta mediterrânica que estão dispersas" – ou
seja um inventário nacional do que existe realmente a nível de
produtos, técnicas de confecção, de produção, de conservação.

Jorge Queiroz, director do Museu de Tavira e coordenador da
candidatura, explica que "a realização de inventários nos países e a
existência de planos de salvaguarda" são duas das condições impostas
pela UNESCO. No caso de Portugal, existe um plano nacional de
inventário de todo o património imaterial, da responsabilidade da
secretaria de Estado da Cultura, o Museu de Tavira está a fazer esse
trabalho a nível local e outras regiões poderão tomar essa iniciativa.

Quanto ao plano de salvaguarda que envolve todos os países, está agora
a ser discutido entre os vários representantes. Não se trata apenas de
alimentação, sublinha Jorge Queiroz, mas sim de um estilo de vida.
"Não sei se isto está muito claro para as pessoas, mas o que a UNESCO
inscreve é um modelo cultural que passa pelas comunidades, pela
partilha da mesa, pelas festividades". E enumera as iniciativas de
Tavira nesse campo, desde a primeira Feira da Dieta Mediterrânica à
exposição Dieta mediterrânica: património cultural milenar.

Uma das características desta candidatura transnacional é que os
países estão representados por comunidades, e estas é que são o rosto
do projecto: Tavira por Portugal, Agros por Chipre, Brac e Hvrar pela
Croácia, Soria por Espanha, Coroni pela Grécia, Cilento por Itália, e
Chefchaouen por Marrocos. As comunidades têm a obrigação de organizar
iniciativas que dêem visibilidade à dieta mediterrânica – em Itália,
por exemplo, existe o Museu Vivo da Dieta Mediterrânica Ancel Keys, e
em Espanha a Fundação Dieta Mediterrânica, na Catalunha.

Mas a nível nacional, como é que as coisas se passam? Em geral são os
ministérios da cultura os coordenadores gerais, com excepção de
Itália, em que é o Ministério das Políticas Agrícolas. Na candidatura
portuguesa, coordenada pela Câmara Municipal de Tavira, estiveram
envolvidos vários ministérios - a Agricultura, a secretaria de Estado
da Cultura, a Saúde. Na opinião de Pedro Graça era importante que este
grupo interministerial se transformasse agora num grupo de
acompanhamento das questões ligadas à dieta mediterrânica, que precisa
de uma estratégia articulada (Jorge Queiroz esclarece que Portugal
está neste momento a debater como será feita, de agora em diante, a
coordenação a nível nacional).

Para além do inventário, é fundamental a investigação. "É importante
que haja apoio a linhas de investigação ligadas a este tema, que está
já a ser estudado com muita força em Itália, em Espanha, na Grécia. É
preciso estudar as implicações da dieta na população portuguesa,
porque há especificidades", defende Pedro Graça. "Os espanhóis estão
muito à frente nesse trabalho e estão a articulá-lo com os
norte-americanos da Califórnia, que têm muito interesse neste tema".

Outro ponto essencial é o da divulgação. Um estudo apresentado em Maio
pela Fundação Portuguesa de Cardiologia revelava que metade dos
portugueses não sabe o que é a dieta mediterrânica. Virgílio Gomes,
investigador e autor de livro sobre a história da alimentação e a
gastronomia, diz que "felizmente que Portugal aderiu ao projecto da
candidatura" (houve uma candidatura inicial em que o país não estava
envolvido), mas lembra que "a palavra dieta é confusa para muitas
pessoas e é preciso explicar que é mais uma forma de estar do que um
rigor alimentar".

Defende que se deve usar esta inscrição na lista da UNESCO para "fazer
pedagogia, explicar os benefícios e evitar algumas modernices da
cozinha rápida de hoje, ensinar as pessoas a reduzir a quantidade de
carne, e abandonar as gorduras desnecessárias", no fundo, aproximar a
nossa alimentação daquelas que são já as práticas da nouvelle cuisine,
"com o respeito pelas cozeduras exactas, a redução das gorduras" – e
usar para essa pedagogia, entre outras coisas, as escolas de hotelaria
e os refeitórios das escolas nacionais.

Maria Proença, fundadora do Centro de Artes Culinárias do Mercado de
Santa Clara, em Lisboa, e há muito tempo estudiosa das práticas
tradicionais da cozinha portuguesa, acredita que "tem sido feito um
caminho que não é muito institucional no sentido de valorizar certas
práticas, tradições, produtos", mas lamenta a falta de uma política
concertada. "Aqui no centro estamos a tratar precisamente deste
património, da história da alimentação, seria natural que alguma
entidade oficial se mostrasse interessada, já não digo que apoiasse,
mas que aparecesse nos eventos, mas não temos qualquer sinal de
interesse institucional pelo trabalho que fazemos".

http://www.publico.pt/cultura/noticia/o-que-faremos-agora-com-a-dieta-mediterranica-1615426

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