domingo, 5 de janeiro de 2014

A opção pela reforma agrária esteve "na realidade em que os alentejanos nasceram”

CARLOS DIAS

04/01/2014 - 20:59

José Soeiro, um dos protagonistas da reforma agrária e ex-deputado do
PCP, conta em livro a sua versão sobre a ocupação de terras no
Alentejo. O então ministro da Agricultura, Oliveira Baptista, fez o
prefácio e corroborou a tese.



Não foi a ideologia que alimentou a transformação agrária tentada nos
campos do Sul entre 1975 e 1985. A razão imediata residiu no desejo de
solucionar o desemprego crónico na região, vontade que a dinâmica
revolucionária substituiu pela ambição de entregar a terra a quem a
trabalhasse. E, pela primeira vez na história do Alentejo, um
movimento revolucionário baseado num comunismo popular suspendeu
durante uma década o domínio dos agrários.

Em 2014 completam-se 40 anos do início do processo da reforma agrária.
Tempo suficiente para José Soeiro – protagonista maior da
transformação fundiária nos campos do Sul – preencher "alguns vazios"
sobre a "revolução inacabada", com a publicação do livro Reforma
Agrária – A Revolução no Alentejo, apresentado em Beja no final de
Novembro e de que é autor.

Ao longo de 370 páginas estão descritos os acontecimentos ocorridos no
distrito de Beja entre 1974 e 1977 relativos ao processo da reforma
agrária. O seu conteúdo é apresentado como um "testemunho pessoal",
acautela José Soeiro, ex-sindicalista, ex-membro do comité central, da
comissão política e do secretariado do comité central do PCP e
ex-deputado deste partido na Assembleia da República.

A reforma agrária no Alentejo não foi "acto voluntarista,
irresponsável", uma sequência de acções "anarquizantes e desordeiras"
protagonizada por "bandos de malfeitores, instigados pelos sindicatos,
pelo PCP ou por militares desalinhados", frisa o autor do livro.

"Tudo o que é descrito está devidamente comprovado e documentado",
realçou Fernando Oliveira Baptista, ministro da Agricultura e Pescas
nos governos provisórios liderados por Vasco Gonçalves, que escreveu o
prefácio e fez a apresentação do livro.

O antigo ministro é igualmente peremptório na análise que faz dos
fundamentos que sustentaram o gesto de "soberania" dos trabalhadores e
dos pequenos agricultores alentejanos. Não foi a evocação de "modelos
doutrinais ou um credo político" que mobilizou os trabalhadores rurais
para a ocupação de 1.140.000 hectares de terra e a constituição de
unidades colectivas de produção (UCP), mas um modelo de "comunismo
popular que assentava na actividade de muitos elementos do PCP sem se
confundir com ela", sustenta Oliveira Baptista.

Soeiro, que se define como operário agrícola, após quatro décadas de
intensa actividade militante que o guindou às mais altas funções no
PCP, completa: "A paixão pela ideologia não foi a força que determinou
a reforma agrária." A causa dos acontecimentos esteve "na realidade em
que os alentejanos nasceram e cresceram".

A mais "audaciosa" transformação social ocorrida nos campos do
Alentejo foi acalentada por gerações de alentejanos "socialmente
isolados", que suportavam condições de vida "desumanas e desapossados
dos mais elementares direitos". Foram os "criadores de riqueza de que
outros usufruíam" com retribuições salariais muito baixas, incertos no
valor e precários no tempo a trabalhar na terra que "tantas e tantas
vezes regavam com o próprio sangue", dramatiza o autor de Reforma
Agrária – A Revolução no Alentejo.

No livro é dado relevo ao papel do Partido Comunista na luta pelo
direito ao trabalho. Importava, em primeiro lugar, a formação de
sindicatos e a sindicalização dos trabalhadores rurais de todo o
Alentejo e sul de Santarém. A reforma agrária não era a "tarefa
imediata" para o PCP, esclarece José Soeiro, sublinhando que a
direcção do partido "sempre defendeu" que a mudança necessária tinha
de ter em conta a " vontade" dos trabalhadores e dos pequenos
agricultores.

Mas "foi o partido que apelou à liquidação do latifúndio" e apontou a
necessidade da realização de uma reforma agrária. Assim consta no
relatório de Álvaro Cunhal Rumo à Vitória elaborado em 1964, e no
Programa da Revolução Democrática e Nacional então aprovado com a
palavra de ordem: " A terra a quem a trabalha." A "justeza" desta
opção ficou patente no número de trabalhadores sindicalizados que em
poucos meses ultrapassou os 25 mil, num cenário de desemprego que
atingia, logo após o 25 de Abril, 72 freguesias das 90 do distrito.

Apesar dos acordos firmados entre a Associação Livre de Agricultores
(ALA) e o sindicato, grande parte dos donos das terras "faltava ao
cumprimento" das convenções celebradas. Mantinham searas por ceifar. O
gado era vendido indiscriminadamente, nomeadamente fêmeas. Deixavam as
terras incultas. Destruíam culturas, lavrando-as ou dando-as como
alimento ao gado. Por todo o distrito se viam grandes extensões de
terra arável incultas e votadas exclusivamente à caça, no dealbar da
reforma agrária. Num levantamento pelo Ministério da Agricultura em
1975, havia no Alentejo cerca de 800.000 hectares de coutadas.

Soeiro recorda que não faltavam exemplos de incumprimento das
convenções, de resistência às decisões da comissão distrital
(organismo que possuía representantes da ALA e do sindicato e que
tinha, entre outras funções, a tarefa de distribuir os desempregados
pelas explorações agrícolas que se encontravam subaproveitadas ou
abandonadas). Mas "também é verdade que nem tudo estava inculto e
abandonado", vinca o antigo sindicalista.

Perante o ambiente de crescente tensão social, o líder do PCP, Álvaro
Cunhal, sentenciou a 15 de Dezembro de 1974, num comício em Alpiarça:
"O tempo dos monopólios e dos senhores da terra acabou." A 2 de
Fevereiro de 1975 num comício que juntou em Beja quase 50 mil
manifestantes, foi aprovada uma declaração que veio a ditar o fim do
latifúndio. No final de 1975 tinha sido ocupada quase 25% da
superfície arável de Portugal (praticamente 1,2 milhões de hectares).

Trabalhavam nas herdades ocupadas cerca de 44.000 trabalhadores a
tempo inteiro e 28.000 (na maioria mulheres) em regime de tempo
parcial. Em conjunto representavam cerca de 43% dos assalariados do
sector primário na região (INE, 1979).

Ao contrário do que por vezes tem sido afirmado, Soeiro declara que a
ideia de defender herdades estatais como modelo "nunca foi sugerida
aos membros do partido que eram dirigentes do sindicato". Como em
nenhum momento chegou, vinda do partido, qualquer orientação contrária
à constituição das unidades colectivas de produção", garante.

A partir de 1976, a reforma agrária começa a enfrentar as primeiras
adversidades. Para além das críticas incisivas "à colectivização das
terras no Alentejo" formuladas pelo então primeiro-ministro Mário
Soares, num plenário de trabalhadores agrícolas envolvidos na gestão
das explorações colectivas realizado após o 25 de Novembro de 1975,
são patentes nas intervenções e documentos aprovados as contradições e
os primeiros sinais de divisão. O sindicato passou a ser encarado
"como um inimigo". E até havia quem questionasse, como recorda José
Soeiro: "Já temos as terras, para que queremos nós o sindicato?"

O organismo representativo dos trabalhadores agrícolas alertava então
para o risco de alguns dos dirigentes das cooperativas e do sindicato
se transformarem nos "novos senhores" da terra, com um argumento
perturbador: "Será que tirámos as herdades aos latifundiários para pôr
lá outros? Será que as herdades vão servir apenas o interesse de
alguns?"

Foi neste ambiente marcado pelo crescendo de dúvidas e incertezas que
a reforma agrária passou a integrar da Constituição da República em 2
de Abril de 1976. A publicação da chamada "Lei Barreto" (Lei 77/77 –
Lei de Bases da Reforma Agrária) veio anunciar o fim da experiência
fundiária. A nova legislação forçou os trabalhadores a entregar
herdades acima dos 500 hectares de sequeiro e 50 hectares de regadio.
A derrota do processo de transformação da propriedade no Alentejo já
se vislumbrava.

Ao PS, em particular ao seu secretário-geral de então, Mário Soares,
são imputadas "particulares responsabilidades em todo o processo
contra-revolucionário", ao insistir que o Alentejo estava a ser
"saqueado, ocupado, colectivizado e estatizado pelos comunistas",
recorda Soeiro, salientando que as opções do então líder socialista
"abriram as portas do poder à direita, conduzindo à destruição da
reforma agrária".



A reforma que Cavaco inverteu

Documentos oficiais da época referem que, durante o V Governo
provisório (em funções nos meses de Agosto e Setembro de 1975), era
primeiro-ministro Vasco Gonçalves, e Fernando Oliveira Baptista
ministro da Agricultura, foram expropriados 208.000 hectares. Durante
o VI Governo Provisório do primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, e
com Lopes Cardoso ministro da Agricultura, foram expropriados 680.000
hectares. A Zona de Intervenção da Reforma Agrária (ZIRA) abrangia uma
área com 3.200.000 hectares, mas a área a expropriar não ultrapassava
os 1.640.000 hectares. Deste total, o máximo de terra que chegou a
estar na posse dos trabalhadores foi de 1.140.000 hectares (35,6% da
área total da ZIRA).

Foi num ambiente de grande tensão que o fim da reforma agrária foi
iniciado em Beja, precisamente onde tinha começado. E o que António
Barreto começou Cavaco Silva concluiu. O então primeiro-ministro
deixaria expresso que só retomaria a construção da barragem do Alqueva
depois de resolvido o problema da propriedade fundiária no Alentejo.

Com a chegada de Cavaco Silva à liderança do Governo terminou a mais
"séria tentativa" que já houve em Portugal para que "tivemos um modelo
agrícola no Alentejo", assinala Oliveira Baptista, frisando que a
reforma agrária foi destruída na sequência do 25 de Novembro. "Se a
reforma agrária tem vingado, e viesse a beneficiar dos apoios que hoje
são prestados à agricultura, nós teríamos outro Alentejo", assinala o
antigo ministro da Agricultura. Deixa no ar uma interrogação: "Que
seria das unidades colectivas de produção a trabalhar com os apoios
financeiros que hoje são dados à agricultura?

O fim da revolução agrária no Alentejo, traduzido em números
apresentados por José Soeiro, revela que "mais de 50 mil postos de
trabalho foram destruídos. Dezenas de milhares de alentejanos,
sobretudo jovens, foram obrigados a emigrar. A Segurança Social, que
recebia das unidades colectivas uma média de 82 milhões de euros, foi
obrigada a gastar centenas de milhões de euros em subsídios de
desemprego, rendimentos mínimos e cursos de formação profissional. O
Estado pagou centenas de milhões de euros em indemnizações aos grandes
agrários e os trabalhadores ficaram sem máquinas, gados, frutos
pendentes e investimentos efectuados nas herdades no valor de centenas
de milhões de euros".

http://www.publico.pt/politica/noticia/a-opcao-pela-reforma-agraria-estava-na-realidade-em-que-os-alentejanos-nasceram-1618211

3 comentários:

Anónimo disse...

Comunas mentirosos! Querem reescrever a história e omitir os roubos que fizeram e violência e reinado de terror que causaram.

Anónimo disse...

Estou em perfeita sintonia com o Sr.. Foi um reinado de terror e violência, usavam a polícia para amedrontar, roubar e matar o povo, sempre com o objectivo de satisfazer os "gordos" comunistas e senhores das terras. Foi o esforço, o sacrifício e a morte de muitos portugueses, que deu nome e vida ao Alentejo.

Anónimo disse...

A reforma agrária foi um erro tremendo realizado pelo PCP, os poucos agricultores como eu que não foram espoliados dos meios de produção (porque os meus trabalhadores não deixaram) lucraram bastante produzindo bovinos e cereais enquanto as UCP's de endividavam no crédito de emergência que depois foi pago pelos nossos impostos. A justiça supranacional continua a condenar Portugal pelas ilegalidades cometidas nessa altura.

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