quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O assassinato da Casa do Douro e o "genocídio" dos 40 mil viticultores do Douro

Declaração Política
João Ramos, PCP
5 de fevereiro de 2014


O governo PSD/CDS quer matar a Casa do Douro. Eu torno a dizê-lo, senhores deputados, porque alguém pode não ter ouvido. O governo PSD/CDS quer arrasar a Casa do Douro. Isto é, derrubar o último obstáculo que se opõe a que cinco grandes grupos vitivinícolas e mais meia dúzia de grandes proprietários do Douro. Isto é, deixar completamente desprotegidos, 35/40 mil pequenos viticultores durienses. A Casa do Douro, conforme a Resolução do Conselho de Ministros de 11 de Junho de 2013 (não publicada em Diário da República), seria transformada em "associação de direito privado de inscrição voluntária dos produtores", deixando de ser de todos para passar a ser apenas de alguns.

Amanhã veremos a Casa do Douro na mão desses grupos, ou dos seus capatazes, e da CAP.

A Resolução do Conselho de Ministros pretende assim finalizar a "trabalho" que sucessivos governos do PSD, PS e CDS, iniciaram há décadas. Mais precisamente com o decreto-lei n.º 313/86 do então primeiro-ministro Cavaco Silva; com a legislação de 1995, que criou a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro, do governo PSD/Cavaco Silva, com a legislação de 2003, do governo PSD/CDS/Durão Barroso/Portas, que reformulou essa mesma comissão.

Malfeitorias legislativas que tiveram o condão de ter o PS sempre a dizer que não quando na oposição, e depois a fazer exatamente o contrário no governo, aplicando-as de forma rigorosa. Assim aconteceu em 1996, com o governo PS/Guterres. Assim aconteceu em 2005, com o PS/Sócrates.

Não será preciso, senhores deputados, revisitar aqui novamente as palavras do deputado Silva Pereira (e podíamos listar outros), em Julho de 2003, depois ministro do governo PS/Sócrates, que concretizou com empenho e zelo as medidas do governo PSD/CDS.

O processo legislativo e as medidas dos governos PSD, PS e CDS são politicamente escabrosos, e chegariam para derrubar toda a credibilidade ética e política desses partidos, não fosse a cortina de silêncio e a opacidade de chumbo da cumplicidade poderosa dos media a ocultar, cobrir, as malfeitorias do PSD, PS e CDS no Douro.

Haverá alguém ainda, nesta Assembleia da República, que recorde as palavras do então deputado e líder do PSD na oposição, Durão Barroso, no dia 13 de Dezembro de 2000, com uma manifestação de viticultores durienses à porta da Assembleia da República? Discurso inflamado, em que o deputado Durão Barroso, do PSD, contrariava a aplicação que estava a ser feita pelo governo PS/Guterres, da legislação que o governo PSD/Cavaco Silva tinha aprovado.

Nós recordamos Durão Barroso, senhores deputados, e cito:

- "O Estado como pessoa de bem (...) deve, assim, indemnizações à Casa do Douro por ter decidido cessar tais obrigações", as que correspondem ao assumir "durante mais de 60 anos, atribuições públicas". Ouviram, senhores deputados: "Indemnizações".

- "O PSD exige que se proceda às alterações legislativas adequadas para dotar a Casa do Douro de fontes de financiamento próprias e estáveis". Ouviram, senhores deputados: "fontes de financiamento próprias e estáveis".

- "A ousadia (do governo PS/Guterres) chegou ao ponto de tentar retirar à Casa do Douro, através de despacho governamental, um dos maiores patrimónios da região: o cadastro dos viticultores da Casa do Douro". Ouviram, senhores deputados: retirar o cadastro à Casa do Douro.

Vejamos o espantoso percurso do atual governo.

Questionada, logo em julho de 2011, sobre as soluções para a Região Demarcada, anunciou a ministra da agricultura ter solicitado um parecer aos municípios durienses, via CIM (comunidade Intermunicipal do Douro). A CIM fez o trabalho, o governo borrifou-se nele. Depois, afirmou a ministra que tinham reapresentado à Casa do Douro a última proposta que o governo PS/Sócrates tinha feito. Nada chegou à Casa do Douro. Depois, que a proposta estava no Ministério das Finanças em avaliação. E finalmente, em 13 de Dezembro de 2013, tirou da cartola uma grande novidade ? a passagem da Casa do Douro a associação privada. No fundo, o que o governo PSD/Cavaco Silva tinha proposto em 1986.

Um processo e um comportamento vergonhosos.

A vergonha de uma avaliação do património de vinho com valores de saldo e longe dos compromissos assumidos.

A vergonha da aguardente vínica. O governo, numa guerra que tem séculos de história, sobre a produção ou não de aguardentes vínicas a partir de vinhos da região, acede com total descaramento aos mesmos de sempre, repudiando inclusive a proposta da CIM Douro. Proposta, diga-se, feita a pedido do Ministério da Agricultura. Para cúmulo, autoriza o uso de aguardente vitícola no benefício, fazendo mais um grande "frete" aos principais grupos, com grandes plantações fora da Região Demarcada e no estrangeiro, abrindo-lhes um canal lucrativo para o escoamento dos subprodutos dessa produção!

A vergonha do corte do benefício aos pequenos viticultores, com a promessa de melhores preços, e os preços baixaram. Na última década terão perdido 40% a 50% de benefício e uma perda de rendimentos superior a 60%.

A vergonha da apropriação de receitas da taxa do IVDP, fazendo os durienses pagar um outro imposto. Isto enquanto não privatiza o próprio IVDP, conforme promessa do primeiro-ministro no verão passado, correspondendo ao pedido das casas exportadoras.

A vergonha dos 40 meses de salários em atraso aos trabalhadores da Casa do Douro.

A vergonha da falência e o encerramento das principais adegas cooperativas da região.

A vergonha de uma proposta de saneamento, como se a responsabilidade do afundamento financeiro da Casa do Douro não pertencesse às políticas que a esvaziaram de funções, atribuições e competências; que lhe roubaram o cadastro a coberto de um protocolo que não cumprem; do não cumprimento de sentenças de tribunais; do deixar escorrer os meses e os anos, engordando a dívida, com o volume monstruoso dos juros ? já vai em 30 milhões de euros, senhores deputados.

Um miserável escândalo político que atinge o regime democrático. Que põe em causa o Estado pessoa de direito e pessoa de bem.

Mas os viticultores do Douro saberão lutar, saberão resistir. E o PCP cá está e estará para dar voz a essa luta.

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