quinta-feira, 6 de março de 2014

Política Agrícola Comum: a difícil hora da decisão

OPINIÃO

CAPOULAS SANTOS 06/03/2014 - 02:09
Não se pode por aceitar que se arraste para depois de 25 de Maio o que
pode e deve ser antes decidido e explicado aos agricultores, aos
consumidores e aos contribuintes.


No final do ano passado, após quase três anos de debates e de intensas
negociações no Parlamento Europeu (PE), e entre este e a Comissão e o
Conselho, foi estabelecido o acordo que contem as regras de aplicação
e o envelope financeiro, global e por Estado-membro, da Politica
Agrícola Comum (PAC), para o período 2014/20, que representa para
Portugal cerca de 8 mil milhões de euros.

Foi a primeira vez que o PE teve poder de decisão real nesta matéria,
por força do Tratado de Lisboa. Pela primeira vez também, a PAC vai
conceder aos Estados-membros uma margem de manobra que nunca antes
fora atribuída, para lhes permitir responder às suas especificidades
próprias. E compreende-se que assim seja. Jamais a PAC se tinha
aplicado a 28 Estados-membros, num território com uma vastidão que vai
do Árctico ao Mediterrâneo e do Atlântico ao Mar Negro, muito longe da
relativa homogeneidade agro-climática dos tempos da sua fundação,
quando a então CEE era composta apenas por seis países.

Quer isto dizer que, até Agosto de 2014, impreterivelmente, e nalguns
casos antes, os governos nacionais vão ter de tomar decisões muito
difíceis, com consequências políticas e eleitorais evidentes. Dou
alguns exemplos. Os Estados-membros poderão decidir atribuir um
pagamento suplementar aos primeiros hectares das explorações, devendo
para isso reduzir os pagamentos das maiores a favor das mais pequenas,
provocando assim um claro efeito redistributivo. A França e a Alemanha
já anunciaram que utilizarão este instrumento, sendo que, no caso
desta ultima, o montante suplementar será de 50 EURO por hectare, nos
primeiros 30. A Polónia, por outro lado, anunciou que utilizará a
margem de gestão financeira disponível do seu envelope nacional para
elevar o montante da ajuda média por hectare dos seus agricultores,
dos actuais 215 EURO para os 250 EURO, isto é, para um valor muito próximo da
média europeia. Actualmente, a ajuda média em Portugal é de 187 EURO por
hectare.

De acordo com a nova PAC, os Estados-membros deverão obrigatoriamente
reduzir as ajudas aos agricultores que recebem mais do que 150000 EURO por
ano, para redistribuir pelos demais, mas podem decidir qual a
percentagem de redução a aplicar, entre 5% e 100%. No caso português,
recebem mais de cento e cinquenta mil euros por ano apenas cerca de
300 agricultores ou sociedades agrícolas, isto é, 0,16% do universo de
187 000 beneficiários. Contudo, recebem cerca de 10% dos apoios
totais.

Os diferentes governos poderão também decidir se optam por um regime
específico para os "Pequenos Agricultores". Se o governo assim
decidir, significará a melhoria automática da situação dos
agricultores que recebem menos de 500 EURO/ ano, uma vez que a nova PAC
estabeleceu este como o valor mínimo a receber por um agricultor que
opte por este regime. Em Portugal seriam automaticamente beneficiados
cerca de 80000 agricultores, ou seja, quase metade do universo total
dos agricultores que beneficiam de apoios comunitários.

Estes são apenas alguns exemplos do vasto leque de escolhas que a nova
PAC oferece agora aos Estados-membros da UE. Podem acrescentar-se
ainda a definição do número de hectares passíveis de majoração, em
25%, para os jovens agricultores, e a opção pela "regionalização" dos
pagamentos, de modo a evitar, ou não, a drenagem dos apoios
financeiros dos agricultores de umas regiões para outras. Outras
opções são o ritmo da "convergência", quer dizer, a maior ou menor
velocidade com que, até 2020, se aumentarão os apoios aos agricultores
que recebem abaixo da média nacional, por contrapartida da redução dos
que recebem acima dessa média. Ou, ainda, a definição dos sectores que
vão permanecer com apoios directamente ligados às quantidades
produzidas, que é um instrumento importante para evitar o abandono ou
a redução da competitividade de algumas actividades em certas regiões.
Para Portugal, o leite, os ovinos e os bovinos de carne são os
exemplos mais eloquentes. A decisão que o governo terá de tomar será
sobre que sectores abranger, já que o montante disponível para este
efeito, em princípio cerca de 13% do envelope nacional, é
manifestamente escasso para responder a todas as reivindicações.

Até ao momento não se conhecem decisões sobre estas e outras matérias,
nem se prevê quando sejam tomadas. Foram apenas, discretamente,
anunciadas algumas "orientações" gerais sobre um número restrito de
questões, levantando algumas delas a suspeição de que não há intenção
de utilizar os mecanismos que a PAC agora disponibiliza para
introduzir mais justiça e equidade entre os agricultores e as regiões.

Ora, quando se trata da configuração do conjunto de regras, de
prioridades e de repartição de meios financeiros que consubstanciam
todo o apoio de que o complexo agro-florestal português irá beneficiar
até 2020, abrangendo três legislaturas, o mínimo que se pode exigir de
um governo supostamente amigo da "lavoura", para além de ponderação e
diálogo com os parceiros e partidos de oposição, é celeridade e
transparência.

Não se pode por isso aceitar que, só porque as decisões são difíceis,
se arraste para depois de 25 de Maio o que pode e deve ser antes
decidido e explicado aos agricultores, aos consumidores e aos
contribuintes.

Deputado Europeu e Relator do Parlamento Europeu para a Reforma da PAC

http://www.publico.pt/economia/noticia/politica-agricola-comum-a-dificil-hora-da-decisao-1627196

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