quinta-feira, 3 de abril de 2014

A confusão nas energias renováveis é quase igual à dos outros problemas do País: A falta de uma visão estratégica

Pensar a Região
por António Jardim
(Engenheiro) 



Nos últimos tempos, despoletada pela atitude do Governo no que respeita às renováveis, (foi ideia de Sócrates portanto está mal por definição), têm aparecido várias opiniões mais ou menos esdrúxulas sobre a sua utilidade. É preciso pois pôr a discussão no seu contexto recordando alguns pontos:

– A ideia base por trás da promoção das renováveis é diminuir a nossa dependência das energias fósseis permitindo assim não só cumprir o protocolo de Quioto como melhorar a nossa balança de pagamentos (neste momento cerca de 800 a 900 milhões de euros anuais dependendo das fontes). Secundariamente é objetivo criar um "cluster" de renováveis que permita criar riqueza e emprego exportando ou consumindo internamente. 
 
– As Energias Renováveis, tirando o solar térmico e  a biomassa, estão quase todas totalmente viradas para a produção de electricidade, cerca de 27 % do consumo final em Portugal ou seja substituem mais de 15 % da energia  primária importada que o País consome, o que, embora sendo um dos valores mais altos a nível Mundial, não é propriamente esmagador.
 
– O petróleo já não é praticamente usado  na produção de electricidade mas é ainda quase insubstituivel para o fabrico de combustiveis liquidos (transportes) e como matéria prima sobretudo para os inumeros plásticos que correntemente são usados. No nosso caso estamos a falar de um consumo mínimo de cerca de 10.000.000 Tons / ano que, sem a utilização maciça de biocombustiveis ou de viaturas elétricas ou no mínimo hibridas, dificilmente pode diminuir significativamente a curto prazo.
 
– De todas as energias renováveis, as unicas que são pouco aleatórias são a das marés, a geotérmica, os CDR e parcialmente a da biomassa, sendo que só esta ultima tem alguma importância. Quase todas as outras portanto têm que ter "back-ups" ou seja uma qualquer capacidade de armazenagem se produzirem de mais e uma capacidade de produção associada fiável se produzirem de menos. A solar (fotovoltaica ou concentrada) é um caso especial pois a sua produção (quando há), coincide com as horas cheias ou de ponta e portanto normalmente não precisará de qualquer apoio.
 
– No caso português no entanto, das renováveis, são as energias eólica, a hídrica e a cogeração a biomassa (papeleiras) as que mais se afirmaram, sendo que apenas a eólica é realmente nova. A nível de custos as hídricas são as mais vantajosas, seguidas pelas de biomassa (em cogeração) e pelas eólicas, já competitivas comercialmente (independentemente das tarifas que lhes são pagas e que ainda têm pouco a ver com a realidade).
 
– As de biomassa produzem também calor necessário ao processo pelo que a sua flexibilidade é menor. Para a produção de eletricidade para a rede o conjunto ideal seria portanto as eólicas e as hídricas, pelo menos enquanto não houver mais opções de armazenagem maciça.
 
E aqui digamos que acaba a "conversa de café". Supondo que há todo o interesse (qualquer que seja o Governo) em produzir e consumir o máximo de energia de fontes endógenas (desde que a preços aceitáveis), diminuindo a nossa dependência, têm de se colocar várias questões, entre as quais:
    
– Que interesse haverá, face ao aquecimento global em curso, em aumentar quanto e onde) as reservas de água para irrigação ou para consumo?
 
– Qual a evolução previsível de penetração de viaturas elétricas no mercado, atendendo à tecnologia e preços? E qual o ponto de situação no que respeita aos pontos de carga?
 
– Qual a previsão para a evolução do solar elétrico quer em painéis quer concentrador? São de esperar aumentos significativos de rendimento (comercial) a curto prazo sobretudo das células fotovoltaicas?
 
– Como diminuir a necessidade de apoio térmico (fóssil) em caso de baixa de produção não compensável pelas hídricas? 
 
A partir destas (e outras) diretivas de base é que se pode então, analisando os perfis de produção e consumo, planear o que fazer, desde o não fazer nada, até ao criar uma capacidade de armazenagem quase total mesmo com periodicidades estatísticas muito raras, certamente com custos económicos e sociais insuportáveis.
 
Trata-se de um assunto da maior importância (a energia em geral) e que ultrapassa em muito o período de uma ou duas legislaturas pelo que devia ser objeto de compromissos entre os Partidos. Como é usual a virtude estará com certeza algures no meio embora na atual situação politica portuguesa sejam muito mais de esperar extremismos que uma análise séria.

António Jardim - 03-04-2014 09:15


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