terça-feira, 1 de abril de 2014

Esperança: Como uma campanha recupera uma aldeia alentejana

Aldeia do Alentejo é protagonista da nova campanha institucional do BES, que criou uma linha de microcrédito de 500 mil euros

A aldeia de Esperança

Diana Quintela
29/03/2014 | 00:00 | Dinheiro Vivo

É difícil não reparar na igreja matriz de Esperança. Ergue-se ao cimo da estrada que atravessa a aldeia alentejana do distrito de Portalegre, uma linha direta que corta em direção a Espanha, ali ao lado. À volta, andaimes e um miniestaleiro de obras. Dois trabalhadores estão atarefados a tirar e a colocar novas telhas. Manuel Marques, 40 anos, vai passando baldes com cimento e telha. “O telhado está mau, com telha partida e cheio de ervas. Se não fossem as obras entrava água na igreja”, descreve o servente de pedreiro da Trindade & Duarte.
A construtora - uma empresa de Esperança, claro - foi a escolhida para realizar as obras de recuperação. Um dos edifícios que o BES está a reabilitar no âmbito da nova campanha institucional do banco, que tem Esperança, a aldeia, como protagonista. Mas a ajuda não será só betão e tintas. O banco criou também uma linha de 500 mil euros de microcrédito para estimular - talvez seja mais correto dizer despertar - o espírito empreendedor dos esperancenses.

Com esta campanha, criada pela agência de publicidade BBDO, o BES pretende associar-se ao espírito de “novo alento e recuperação da economia”, diz Paulo Padrão, diretor de comunicação do BES, precisamente quando surgem sinais de que 2014 será o primeiro de três anos em que o país vai finalmente crescer depois da maior recessão desde 1974.
A escolha de Esperança, aldeia do concelho de Arronches, surgiu por simples acaso. Na agência de publicidade havia quem conhecesse o sítio; e o nome cativou logo pela mensagem positiva que transmitia. Não era sequer preciso inventar nada, não era necessário espremer as meninges. Melhor ainda: a aldeia era real, feita de pedra e cal e com pessoas e problemas verdadeiros. Não há muita publicidade assim (genuína) e, numa altura de tanta desconfiança - até em relação aos bancos -, o cenário credibiliza a mensagem e o próprio banco, que tem agora uma nova assinatura institucional: “A pensar o futuro desde 1869.”
O que diz a câmara
“Quando o banco nos apresentou a ideia nem sabíamos muito bem o que melhorar. Não é uma freguesia que se note que precise assim de tanta coisa”, diz orgulhosamente Fermelinda Carvalho, presidente da Câmara Municipal de Arronches. “As coisas estão bem ajeitadas”, reforça. “Mas há sempre como melhorar”, acaba por admitir.
O centro de saúde recebeu “mobiliário mais confortável, um televisor, melhor equipamento”; seis casas do bairro social vão receber pisos novos, armários de cozinha e 34 voluntários do BES vão pintar o exterior das habitações. A intervenção vai passar também pelo posto médico e pela referida igreja. Além do telhado e paredes exteriores, o retábulo renascentista vai ser recuperado com a intervenção da Fundação Ricardo Espírito Santo, habituada a este tipo de operações delicadas.
A maioria das intervenções está no entanto a cargo de empresários de Esperança. “Tentamos recorrer às empresas locais. É obviamente dinheiro que fica cá”, diz Fermelinda. Algumas delas sem trabalhar há muito tempo. “Estávamos parados há seis meses”, confirma Manuel Marques. Agora, com o trabalho na igreja, o servente e os dois pedreiros têm pela frente pelo menos “mais dois a três meses de trabalho”.
A crise na construção, sector que ocupava parte dos habitantes, é também relatada por Fátima Marques. Nascida em Esperança há mais de 50 anos, por cá ficou a criar os filhos. Já teve um café, uma padaria e há dez anos que gere com o marido o Café dos Caçadores. É mesmo ao lado da Igreja, encostado à Sociedade Recreativa Esperancence. Foi aí que encontrámos, refugiados do frio, uma mão cheia dos 739 habitantes da aldeia. É um dos seis cafés que servem Esperança. No início do ano, um fechou, “não dava rendimento”, diz Fátima Marques.
“Aqui a construção estava muito parada”, conta. “Faltam empresas e as pessoas vivem com dificuldades.” As obras realizadas no âmbito da campanha do BES deram, por isso, alguma animação à economia da freguesia, mas em dose q.b. “Dez a 12 pessoas no máximo”, diz a presidente da Câmara de Arronches, foram envolvidas nas obras.
O BES não revela qual o investimento que está a fazer nas ações de recuperação. “Não é transcendente, mas é significativo a nível local”, diz Paulo Padrão. “O volume de investimento em media foi encurtado para podermos intervir no terreno”, acrescenta. Mas o maior impacto é mesmo junto das pessoas, acredita Fermelinda Carvalho. “O orgulho de verem a sua freguesia ser conhecida em todo o país e ser visitada por muita gente, esperemos.” Não é realmente pouco, é como se fosse uma campanha turística com obras de recuperação pelo meio. Um bom negócio para Esperança. A campanha criada pela BBDO está visível em televisão e imprensa. Um concurso de fotografia (Fotografar Esperança, de 1 de abril a 30 de maio) e a Corrida da Esperança (a 13 de abril) são duas das ações igualmente previstas. Foi ainda criado um site (www.recuperaraesperanca.pt) que tem Rui Porto Nunes como anfitrião - o ator de Lua Vermelha ou Dancing Days tem família em Esperança. A maior parte dos habitantes têm mais de 60 anos e a população ativa (cerca de 30%, pelos cálculos da Câmara Municipal) dedica-se à agricultura - área que emprega mais gente, sobretudo em autoemprego, depois das IPPS e da autarquia.
João Barbosa é dono de uma das três adegas da freguesia. Em 1997 comprou o monte Valle de Junco, 22 hectares de vinha, olival, pinhal e sobreiros. Uma aposta do produtor - tem outra vinha em Rio Maior - que envolveu um investimento de 700 mil euros. Desde 2000 que produz nos 10 hectares de vinha a marca Lapa dos Gaviões, uma homenagem às pinturas rupestres locais. Hoje exporta para Canadá, China, Angola e Brasil.
“Na altura em que comprei o terreno não havia nada. Agora há mais duas adegas e vinhas. Penso até que estão a construir um hotel”, conta o produtor. Esteve fora do país por estes dias e só soube da campanha pela mulher.
Para o banco liderado por Ricardo Salgado, esta é uma forma de mostrar compromisso com o país numa altura difícil para a própria instituição financeira. Será suficiente? Suficiente para o BES e para Esperança? Costuma dizer-se que onde há amor há esperança, mas o dinheiro também ajuda certamente. Dentro de seis meses voltaremos para ver como estão as coisas.
Retrato
Esperança tem 739 habitantes e é uma das três freguesias do concelho de Arronches, distrito de Portalegre. É uma freguesia PS num concelho social-democrata de 3119 habitantes. Nascem em média dez crianças por ano. O concelho foi notícia em 2011 por ter a menor taxa de natalidade do país. A agricultura ocupa a maioria da população ativa. As pinturas rupestres Lapa dos Gaviões ficam na zona.

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