sábado, 5 de abril de 2014

Portugueses estão a comer menos carne, peixe e fruta


ALEXANDRA PRADO COELHO e ROMANA BORJA-SANTOS 02/04/2014 - 13:56 (actualizado às 22:38)
Dados da Balança Alimentar Portuguesa 2008-2012, divulgados pelo INE, mostram que as disponibilidades alimentares per capita continuam acima do desejável, mas o consumo de proteína animal está em queda.

 Balança Alimentar Portuguesa 2008-2013
Nos últimos cinco anos, a disponibilidade alimentar em Portugal continuou a mudar e, grosso modo, as proteínas estão a perder lugar para os hidratos de carbono.

A carne disponível no país tem caído todos os anos, sobretudo a partir de 2010. Além disso, inverte-se uma tendência: a carne de aves ultrapassa a de bovino e a de suíno, pela primeira vez desde que há registo. Mesmo assim, a proporção de proteína de origem animal ainda está acima do desejável.

Os dados são da Balança Alimentar Portuguesa 2008-2012, um estudo feito pelo Instituto Nacional de Estatística, de cinco em cinco anos. Os valores não mostram directamente o que consumiram os portugueses (e que é aferido no chamado Inquérito às Despesas das Famílias), mas, como sublinha o INE, "existe uma forte probabilidade que o padrão alimentar das disponibilidades esteja fortemente relacionado com o padrão alimentar do consumo". "O perfil produtivo de um país terá de estar relacionado com o padrão de consumo, pois não é crível, nem economicamente racional, que se produza e importe para não obter rendimento", sublinha o INE." Desta forma, o valor da correlação revela que existe uma forte probabilidade de a estrutura das disponibilidades em termos de grupos alimentares, calorias e macronutrientes estar alinhada com o padrão de consumo dos agregados familiares."

A Balança Alimentar Portuguesa indica a quantidade disponível no país para os vários produtos alimentares e bebidas, tanto nas casas dos portugueses como fora dos alojamentos. A disponibilidade é calculada a partir do que é produzido e importado, descontando as exportações e o que é utilizado para alimentação animal, para uso industrial ou as perdas.

Primeira conclusão: entre 2008 e 2012, existiram "dois períodos marcadamente distintos: até 2010, um período de expansão, caracterizado por elevadas disponibilidades alimentares e calóricas; e, a partir de 2010, com reduções acentuadas". Porquê? Por causa da situação económica do país e do aumento do desemprego, que aumentou 8,1 pontos percentuais entre 2008 e 2012, diz o INE, em resposta a questões do PÚBLICO. "Acresce ainda o facto de, em 2009, [o desemprego] ter apresentado um maior agravamento face a 2008, com consequências imediatas no consumo em 2010. E, em 2012, voltou a verificar-se um agravamento face ao ano anterior."

Aliás, "o ano de 2012 detém os níveis mais baixos de disponibilidades alimentares de carne de bovino dos últimos dez anos". Uma tendência que também foi seguida nos frutos, que, em 2012, caíram para mínimos de 20 anos, nos lacticínios, com mínimos de nove anos, e no pescado, que caiu para níveis dos oito anos anteriores.

Melhor? Pior?
É necessária alguma cautela na análise destes dados, diz Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral da Saúde, porque os números apontam para uma média e não distinguem grupos da população. "Se isto significa que as pessoas que comiam muita carne estão a comer menos, é positivo. Mas se significa que as que já comiam pouca reduziram, não é".

O nutricionista José Camolas gostaria que a redução do consumo de carne fosse resultado da educação para saúde, mas acredita que é mais uma consequência da crise – uma opinião idêntica à de Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. O que, para Camolas, é "claramente uma má notícia" neste dado da redução de proteína animal é a queda no consumo de peixe (uma queda de 3,2 quilos por habitante), alimento que "tem o valor nutricional mais desejável em termos de proteína animal".

No que diz respeito a quilocalorias per capita, os dados do INE mostram que o valor atingiu em média as 3963 quilocalorias – suficiente para 1,5 a dois adultos, já que, em termos de consumo, o recomendado é entre 2000 a 2500 por dia. Também aí Pedro Graça explica que, sendo dados de disponibilidade, é necessário fazer um desconto. "As balanças alimentares dão sempre um valor exagerado relativamente ao consumo energético", afirma, enquanto José Camolas sublinha que os dados "não levam em conta o desperdício". Apesar disso, os portugueses estão, em média, a ingerir mais calorias do que o necessário, e o facto de não terem alterado muito esse valor significa que substituíram as proteínas animais por outros produtos.

Entre as más notícias está também a diminuição do consumo de fruta (uma queda de 9,5%, colocando-a oito pontos abaixo do recomendado), um dos dados que Alexandra Bento considera mais preocupantes. E ainda a das leguminosas secas, que caíram quase 14% e estão mais de três pontos abaixo do que deviam.

A questão das leguminosas é, aliás, referida pelos três nutricionistas ouvidos pelo PÚBLICO. "O baixo valor do consumo de leguminosas já era preocupante na anterior balança alimentar", diz Alexandra Bento. "O feijão, o grão, as ervilhas, têm uma riqueza ímpar em termos de fibra". "Há um trabalho brutal a fazer a esse nível em Portugal", defende Pedro Graça, comentando a fraquíssima representação das leguminosas na dieta dos portugueses. José Camolas admite até alguma responsabilidade dos nutricionistas: “Diabolizámos muito pratos como a feijoada e, se calhar, não conseguimos fazer passar a mensagem de que o problema estava nos enchidos e no chispe e não no feijão.”

Nos cinco anos em análise, só as hortícolas viram a disponibilidade crescer (5,8%), mas, mesmo assim, estão ainda quase oito pontos percentuais abaixo do recomendado. A tendência de subida é, contudo, uma boa notícia, sublinham os nutricionistas – e Alexandra Bento admite que possa estar relacionada com o sucesso do consumo de sopa em Portugal.

Pelo contrário, os lacticínios caíram 4%, mas ainda estão 1,7 pontos acima do recomendado, e os cereais, raízes e tubérculos, que perderam 1%, têm uma disponibilidade 3,3 pontos superior. Os óleos e as gorduras viram a disponibilidade baixar em 2,5% e a categoria "carne, pescado e ovos" caiu 8,2%. Apesar destas duas quebras, a disponibilidade de gorduras está quatro pontos acima do recomendado e, nas carnes, pescado e ovos, há um desvio de 10,4 pontos acima do que seria recomendável.

"Este desequilíbrio continua a ser potencialmente pouco saudável, com uma predominância de proteínas de origem animal e de excesso de gorduras", conclui o INE, que acrescenta que, "entre 2000 e 2012, as disponibilidades de produtos de origem vegetal perderam importância no total das disponibilidades alimentares, enquanto as disponibilidades dos produtos de origem animal se mantêm sistematicamente acima das observadas na década de 90".

As calorias vazias
O facto de os hidratos de carbono estarem a ser privilegiados na alimentação dos portugueses, que estarão assim a compensar a redução da proteína animal, também tem que ser analisado de forma mais pormenorizada. "Se as pessoas estiverem a comer mais pão, e não for o pão branco e excessivamente salgado, isso pode ser bom", considera Pedro Graça. "Costumo dizer que os seres humanos evoluíram quando aprenderam a domesticar os cereais, e não é por acaso que a fatia destes na roda dos alimentos é tão grande", explica Camolas. "O grande problema é que modificámos muito os nossos fornecimentos de amido através do processamento industrial. E ficámos com produtos mais pobres em fibras, vitaminas, minerais. Estamos a ingerir mais calorias vazias e a perder qualidade nutricional", avisa.

Numa análise detalhada das disponibilidades por tipo de produto, é possível perceber que, dentro do pescado, que perdeu quase 13%, a maior queda foi nos crustáceos e moluscos (menos 27,2%), com o bacalhau e outros peixes secos, em linha contrária, a crescerem mais de 12%. Já nos lacticínios, que caíram 4%, o leite representa quase 70% do total e foi dos que mais perderam (6,1%). Por outro lado, os cereais, isoladamente, viram a sua disponibilidade aumentar, ao contrário das raízes e tubérculos. A subida foi conseguida sobretudo devido ao milho e ao arroz.

Do lado da fruta, apesar da queda geral, a maçã continuou a liderar as disponibilidades, com a laranja e a pêra a reforçarem a sua presença. Já em termos de gorduras, o azeite viu a sua produção crescer, ao contrário de produtos como a banha, o toucinho e as margarinas. Em termos de produtos disponíveis para café e sucedâneos, cacau e chocolate, as quantidades aumentaram 4%, sobretudo à custa do café e sucedâneos.

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