domingo, 25 de maio de 2014

«Sacrificar o carácter e estilo típico português para seguir o padrão mundial é perigoso e desaconselhável»


Por Manuel Carvalho

24.05.2014
Dirceu Vianna Júnior, um Master of Wine brasileiro que trabalha em Londres, é um profundo conhecedor e um vibrante adepto dos vinhos portugueses. Nesta entrevista explica por que razão gosta de exaltar o potencial dos vinhos nacionais. E por que acredita que "o melhor está ainda para vir".

Numa entrevista por e-mail, Dirceu Vianna Júnior assume o papel de adepto militante das castas portuguesas, mas não faz desse ponto de vista um fundamentalismo. Aplaude o cruzamento dos saberes antigos com o contributo de uma "geração de jovens talentosos". Admira-se com a possibilidade de se beberem bons vinhos de Norte a Sul do país. E coloca-se ao lado dos que contestam a exclusividade da rolha de cortiça nos vinhos portugueses. Com outros vedantes, diz, os consumidores de brancos aromáticos só teriam a ganhar.

O que distingue o vinho português no oceano mundial dos vinhos que se consolidou nos últimos anos (se é que há algo de verdadeiramente distintivo no vinho português)?

A habilidade de respeitar historia e tradição mas, ao mesmo tempo, não ter medo de adoptar padrões de tecnologia modernos. O grande diferencial que Portugal possui é, sem dúvida, a diversidade em termos de castas. Entretanto, existe também o aspecto humano. A indústria conta com enólogos da velha guarda que possuem experiência inigualável, mas também conta com uma geração de jovens talentosos, determinados e que levarão Portugal a um padrão de qualidade ainda mais alto no futuro. Factores históricos, tradição, aspecto humano e, principalmente, a riqueza em termos de diversidade das castas são alguns dos principais pontos que ajudam a distinguir Portugal no oceano mundial dos vinhos.

O que mais aprecia nos vinhos de Portugal?

A sua diversidade. Portugal oferece vinhos em todas faixas e preços, em vários estilos e com habilidade de harmonizar os mais variados pratos, sejam da cozinha portuguesa, brasileira, asiática ou qualquer outra. O vinhos são genuínos e de estilos tao distintos que jamais cansam o consumidor que gosta de explorar e aprender.

Como se posiciona no debate sobre a aposta exclusiva nas castas portuguesas ou na adopção de variedades ditas internacionais?

Eu posiciono-me fortemente a favor das castas portuguesas. A amplitude da oferta é o maior diferencial que Portugal tem. Arinto, Encruzado, Touriga Franca, Touriga Nacional são castas de excelente qualidade. Acredito que essas castas não devem ser sacrificadas a favor das castas internacionais. Mas não precisamos ser radicalmente contra o fluxo de coisas novas que poderão ajudar Portugal crescer no competitivo mercado mundial. Já tive a oportunidade de degustar excelentes vinhos portugueses à base de Sauvignon Blanc, Semillon e Syrah, por exemplo. Talvez isso sirva para demonstrar que Portugal também consegue fazer vinhos de estilo internacional com padrão de qualidade tao bom como qualquer outro pais. Adicionam ainda mais cores em uma paisagem já bonita.

Recomenda a estratégia da "singularidade nacional" ou defende que os produtores deviam entrar na disputa das regras do jogo impostas pelo padrão mundial do gosto?

A grande maioria dos produtores Portugueses são de pequeno porte e não têm escala suficientemente grande para brigar com os grandes empresas do Chile, Estados Unidos ou Austrália, por exemplo. Por esse motivo, a arma principal deve ser singularidade nacional e sua oferta de diversas castas e estilos de vinho. Adicionar uma pequena fracção de alguma casta internacional como Merlot, Cabernet ou Syrah para complementar uma casta portuguesa pode às vezes até ajudar o consumidor internacional que ainda não seja familiar com as castas indígenas do país a optar por uma garrafa de vinho português, pois vai-se deparar com algo familiar. Entretanto, sacrificar o carácter e estilo típico português e a singularidade nacional para seguir o padrão mundial é perigoso e desaconselhável.

Há alguma região portuguesa que, na sua opinião, mereça especial reconhecimento pelo trabalho feito, ou não encontra distinções regionais na oferta dos vinhos portugueses?

As distinções regionais encontradas em Portugal são extraordinárias. Para quem gosta de explorar, experimentar e aprender Portugal é um prato cheio. O Alentejo merece reconhecimento por fazer vinhos exuberantes, frutados e fáceis de entender. A qualidade dos vinhos do Douro nunca foi tão alta. A região de Lisboa está a produzir vinhos com uma excelente relação custo/beneficio. Nos últimos anos a região do Minho vem demonstrando que, além de qualidade, apresenta vinhos mais consistentes e isso é importante para o consumidor. A região do Dão parece não receber o destaque que merece. Mesmo dentro dessa pequena região existe uma diversidade de estilos raramente encontrada em outras partes do mundo. Recentemente, tive a oportunidade de degustar vinhos excelentes e acho que esses produtores merecem mais reconhecimento do consumidor internacional. No passado, o vinho português de qualidade era exclusivamente associado com os vinhos da região do Douro. Existem hoje várias regiões que merecem a atenção do consumidor.

Se tivesse de deixar um elogio e uma crítica aos produtores portugueses, o que lhes diria?

Eu tenho orgulho de poder participar do sucesso que os vinhos portugueses estão a ter no Brasil. Para fazer um bom trabalho deve-se realmente acreditar na qualidade dos vinhos que estão no mercado, na integridade pessoal e capacidade profissional das pessoas envolvidas. Sendo assim, a mensagem é honesta, verdadeira e parece ter mais força e poder. Eu tenho plena confiança no trabalho que está a ser desenvolvido e isso é um elogio a todos produtores e profissionais com quem eu tenho tido contacto nos últimos anos. Pelo facto de estar mais intimamente ligado com Portugal nos últimos anos, tenho a sensação que, apesar da indústria de vinhos estar actualmente numa fase muito boa, o melhor ainda esta por vir.

Em relação a uma crítica construtiva, e eu sei que o tema é um pouco delicado, devo ser honesto. Eu pessoalmente prefiro o som, o teatro e a tradição da rolha. A indústria de cortiça investiu grande capital e energia nos últimos anos e realmente demonstrou aprimoramento. Entretanto acredito que existem alternativas que devem ser exploradas, principalmente por produtores de vinhos brancos aromáticos e vinhos feitos para o consumo a curto prazo. Acredito que os produtores portugueses estão atrasados em relação aos outros países e quem acaba pagando por isso é o consumidor.

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