quarta-feira, 4 de junho de 2014

João Machado. "Capoulas Santos era o maior trunfo da agricultura em Bruxelas"


Dinheiro

O presidente da CAP quer que as verbas da PAC comecem a ser utilizadas em Portugal a 1 de Janeiro de 2015
A saída de Capoulas Santos do Parlamento Europeu é vista por João Machado como uma das maiores perdas da agricultura portuguesa, que teve no eurodeputado socialista um aliado de peso na renegociação da PAC para o período 2014-2020. O recém-reeleito presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal considera que os resultados das europeias mostraram claramente que os cidadãos estão fartos de uma política conduzida pela Alemanha, que só tem como objectivo a taxa de inflação e defende para o Banco Central competências idênticas às do Banco de Inglaterra e da FED. E que o governo só devia ter avançado com a reforma do IRC quando pudesse mexer nos restantes impostos. Quanto ao sector, o objectivo é chegar a 2020 com a balança de trocas com o exterior equilibrada.

Como vê o resultado das europeias?

Os dois partidos do governo têm de olhar para os resultados de uma maneira muito séria. O resultado da Aliança Portugal deve levar o PSD e o CDS a equacionarem como poderão inverter esta situação para 2015 e tirar ilações da avaliação que os portugueses têm da política seguida nos últimos três anos. Apesar da falência, apesar da troika, apesar do acordo que nos foi imposto pelo anterior governo, era possível ter feito diferente e melhor. A avaliação está à vista. O pior resultado de sempre do PSD e do CDS. O que não pode ser comparado com o resultado do PS, que também é mau. Os partidos do governo só não têm uma crise idêntica porque estão no poder.

Qual a inversão da política que o governo tem de fazer?

Na CAP tivemos sempre uma postura que sustenta o que vou dizer. Quando foi proposta pelo governo a baixa drástica da TSU para os empregadores e o aumento dessa contribuição para os trabalhadores, a CAP foi contra. Achava que não era altura. Um pouco mais tarde, quando se fez a reforma do IRC, dissemos que não era o tempo certo para o fazer porque a baixa de impostos para as empresas deveria ser acompanhada por uma redução, no mesmo sentido, para as pessoas individuais e para o consumo. A reforma do IRC só deveria ter sido implementada, até de uma forma mais drástica, quando os outros impostos pudessem ser mexidos. Sempre percebemos que quando foi preciso pagar mais impostos todos tínhamos de pagar. O governo foi longe de mais em termos de confisco no IRS, pensões, reformas e diminuição dos vencimentos dos funcionários públicos. Nessa matéria, o que defendemos é que há maneiras de poupar sem ser à custa das pessoas, o que influencia directamente o mercado. O Estado é um grande monstro em Portugal. Todos os dias ouvimos falar de gastos insustentáveis num período de crise.

Pode particularizar?

Há serviços no Estado que não têm nenhuma utilidade. Por exemplo, os pagamentos feitos em outsourcing em consultoria são inaceitáveis. Há grandes desperdícios e depois corta-se cegamente em serviços como a educação e a saúde, em que não advogamos mais cortes. Queremos manter um sistema público de qualidade e um sistema de saúde universal tal como ele existe ainda em Portugal. Vemos que a pressão política foi suficientemente forte para que a reforma autárquica não se fizesse e sabemos que os gastos que as autarquias fazem têm muito a ver com benefícios políticos locais e quase nada com o desenvolvimento das populações. Apoiamos muito o governo quando quer pensar numa reforma do Estado profunda, que deve ir até ao poder local, mas o que se fez não é de perto nem de longe suficiente. Deve ir-se muito mais longe nessa matéria. Quando formos capazes de ver a reforma pelo lado das funções do Estado, conseguiremos triar o acessório e poupar muito dinheiro ao erário público. A opção do governo foi cortar na mesma para todos, nos bons e nos maus serviços. Agora temos medo que haja a tentação eleitoral.

Acha que foram as promessas que penalizaram António José Seguro?

Não conseguiu transmitir a mensagem de um partido com responsabilidades a curto prazo para governar em 2015. Foi esse aviso que recebeu do eleitorado. Em primeiro lugar, é um erro transformar eleições autárquicas ou parlamentares em legislativas. E o PS fê-lo ao limite ao apresentar um programa de governo com 80 medidas. Mas depois não conseguiu convencer os portugueses que conseguia cumpri-las. Houve ainda sinais claros de votação em partidos de franjas político-partidárias que são claramente de protesto. A abstenção também nos deve fazer pensar. Nenhum dos partidos do bloco central ficou numa posição confortável.

Como assiste a este espectáculo das divergências internas no PS?

Era uma situação latente no Partido Socialista, já tinha sido anunciada há menos de um ano, e com um resultado que sendo um bom resultado nas autárquicas não foi esmagador. Oito meses depois, com muito mais austeridade, passou de 36% para 31%. Não é um trajecto com que o Partido Socialista possa pensar que vai chegar a 2015 com uma votação tranquila, perto de uma maioria absoluta. Só fico espantado com o discurso triunfalista do dia das eleições. A situação é de clarificação e não tem retorno.

Um PS com Costa tem mais possibilidades de ganhar as próximas legislativas do que um PS com Seguro?

Esse é o pensamento de alguns militantes e responsáveis do partido. António José Seguro teve um resultado e uma trajectória que para alguns socialistas não é brilhante, tendo em conta a governação muito dura do executivo. Pensam que com António Costa as coisas seriam diferentes.

Para o governo é mais fácil ter Seguro ou Costa como adversário?

A resposta a essa pergunta seria futurologia. Parece-me que para o governo, e existiu a tentação por parte de responsáveis do executivo de fazerem essa análise, houve um suspiro de alívio por terem perdido por pouco. Acho que é essa a análise que fazem do Partido Socialista liderado por António José Seguro. Mas é uma análise muito simplista, porque tiveram uma grande derrota em termos do julgamento dos portugueses. A análise de todo o resto da votação, como o aumento dos votos no PCP, o resultado de um partido velho com uma nova liderança, a de Marinho e Pinto, e mesmo o Livre, que obteve 2% dos votos, para não falar da abstenção, que são votos de protesto, é que deveria levar o governo a pensar no que aconteceu.

O que pensa do guião da reforma do Estado apresentado pelo seu amigo Paulo Portas?

O segundo documento vai no mesmo sentido do primeiro. O que nos parece é que é um documento de trabalho que precisa de muito mais aprofundamento para poder ser implementado. É isso que vou dizer ao governo na quinta-feira na Concertação. Sentir-me-ia muito mais tranquilo se estivéssemos a discutir as funções do Estado e depois partíssemos para medidas. Esta reforma não toca ainda no objectivo principal, que é discutirmos profundamente o Estado que queremos. As funções que tem de ter e as que podem ser alienadas. É precisa alguma coragem para fazer isso mas no estado das finanças públicas neste momento, e se queremos diminuir a dívida pública, não há outra maneira de o fazer a não ser extinguir serviços que não são necessários e encontrar soluções para as pessoas que trabalham neles.

Acredita numa reforma a um ano das legislativas?

Acho que não. Era por aí que devíamos ter começado, com toda a força do governo eleito na altura, e com a legitimidade de ainda não ter feito cortes nas pensões e nos vencimentos dos funcionários públicos. Era essa legitimidade que daria força para pedir sacrifícios aos portugueses. Não houve vontade política para fazer as reformas necessárias e então fomos buscar aos portugueses as verbas de que precisávamos, o que levou à recessão que tivemos no passado. Tenho consciência que seria difícil começar por aí porque seria preciso estudar e implementar reformas rapidamente. Mas o objectivo da troika ia precisamente nesse sentido. O governo teria tido o respaldo dos nossos credores para o fazer e era isso que deveria ter feito.

Então esta reforma é um entretenimento até às eleições...

Os partidos políticos quando chegam ao poder, ou até antes, fazem promessas que depois ou não querem ou não podem cumprir. A reforma é algo falado por todos os partidos do arco da governação mas sempre feita superficialmente. Existem dificuldades políticas óbvias e requer uma coragem, uma estratégia e um pensamento que a maior parte dos partidos políticos não tem quando chega ao poder. E quando o fazem, já estão a pensar nas eleições seguintes. Essas reformas deviam ser feitas com o povo português. No sentido de sabermos o que queremos pagar com os nossos impostos e apresentar propostas amplamente discutidas com os partidos da oposição. Com a alternância de partidos no poder, na próxima legislatura é provável termos novamente a mesma conversa. E o trabalho nunca é retomado no sítio onde ficou. Tem sido assim no passado e não tenho nenhuma esperança que venha a ser diferente no futuro. O Estado devia fazer um orçamento de base zero, isso é absolutamente necessário, mas só pode acontecer quando soubermos o que queremos dele.

O que espera da Concertação Social?

Temos vindo a dizer que achamos que a Concertação Social é fundamental numa altura de crispação da sociedade. Permite acordos abrangentes ao nível dos empregadores e das centrais sindicais que não são possíveis do ponto de vista político. Nestes três anos temos usado pouco a concertação, com alguns impulsos inconsequentes. Ela não é usada de uma maneira estratégica para atingir consensos que dificilmente serão conseguidos no parlamento. A troika valorizou muito o acordo de 2012. O que eu espero dos grupos de trabalho é que utilizemos bem o que está em cima da mesa para negociarmos verdadeiramente.

Não acha a proposta do governo redutora?

É. Há matérias de fundo que têm de ser resolvidas para que a economia recupere e volte a criar emprego. Há partes da economia nacional que estão completamente subjugadas a empresas monopolistas que não deixem que as empresas ganhem competitividade. Estou a falar da energia, do gás, dos combustíveis, do financiamento e do seu custo para as empresas. Nesta matéria também temos vindo a dizer que não há um verdadeiro capital de risco em Portugal e que os novos empreendedores têm muita dificuldade em instalar-se. O governo fundiu as empresas de capital de risco mas a situação está pior que antes. Não basta dizer que as empresas dependem muito do crédito e que não estão capitalizadas, é preciso resolver a situação. Ou então teremos sempre um défice de competitividade em relação ao resto do mundo. E esta é uma questão que nem de perto nem de longe foi discutida nos últimos três anos.

O que é que para si deveria ser discutido na Concertação?

O Estado tem políticas na área das energias renováveis que são muito louváveis mas custam muito dinheiro aos portugueses e às empresas. Esse défice está a ser acumulado e um dia vai ter de ser pago. Se se querem energias renováveis, estas devem ser suportada pelos impostos e não pelos consumidores. As facturas devem representar os consumos reais e o resto ser financiado pelo OE. O governo anterior teve uma política muito vanguardista nas energias renováveis mas pôs os portugueses todos a pagá-la. Assim é fácil.

O que pensa desta discussão toda à volta do salário mínimo nacional?

No passado, o salário mínimo serviu para fazer uma política eleitoralista à custa das empresas. Sempre foi uma questão política e não de competitividade. Agora tivemos um período em que a troika proibiu qualquer discussão sobre essa matéria e julgo que mais uma vez está a ser usada como uma medida de política eleitoral e não como uma medida de competitividade das empresas. A CAP já fechou um contrato com um sindicato da UGT em que a partir de 1 de Maio o salário mínimo passou a ser de 500 euros, subimos nove euros. E estamos a negociar com o sindicato da CGTP. Em contrapartida, mantemos o mesmo pagamento pelas horas extraordinárias. É possível, à margem do discurso político, fazer acordos através da negociação bilateral entre empregadores e trabalhadores. Agora aceito que haja outros colegas que tenham dificuldades nesta matéria e por isso ela deve ser discutida.

Como tem visto os sucessivos anúncios do Banco Central Europeu de apoio ao crescimento?

Nos últimos anos, a Europa tem andado permanentemente a reboque dos acontecimentos e não lidera a nível de política económica, monetária e financeira, todas elas necessárias ao crescimento. Discute-se muito mas não se tomam decisões. A política do BCE é desastrosa. Temos uma política de juros que está no limite, um crescimento anémico, regras que não permitem financiar os estados e só permitem financiar os bancos, com todas as desvantagens inerentes. O desemprego mantém-se elevado e o crescimento não arranca. As eleições europeias também deram um sinal claro sobre aquilo que os europeus pensam. Sobretudo desta Europa controlada pela Alemanha que só tem em vista a inflação e mais nenhum parâmetro da economia.

Não houve apoio dos eleitores aos governos dos países aliados da Alemanha...

Os povos esclarecidos perceberam que é um risco para toda a Europa e não querem continuar neste caminho. Em muitos casos, esses governos receberam um aviso muito sério. A Comissão Europeia foi lenta nas reformas e deixou-se enredar em discussões que não levaram a lado nenhum. Esta mudança vai provocar uma pressão muito grande sobre os partidos do arco da governação, com o reforço do peso dos partidos da extrema-esquerda e da extrema-direita no Parlamento Europeu. Acho que a Europa precisa de implementar uma verdadeira política de crescimento, com incentivos ao comércio, incentivos ao emprego que tenham a ver com o crescimento e que finalmente termine com esta política que tem tido nos últimos três ou quatro anos e que é desastrosa.

É preciso reformar o BCE?

O BCE deve ter atribuições de um verdadeiro banco central. Há que reformulá-lo no sentido de ter atribuições mais amplas na mutualização da dívida dos países e fomentar políticas de crescimento. A inflação na Europa está mais que controlada, nalguns países até já é negativa, muito abaixo da meta dos 2%. Não se estão a atingir os objectivos na inflação, nem no emprego, nem no crescimento. Os países onde os bancos centrais têm poderes mais amplos saíram mais depressa da crise, como a Inglaterra e os Estados Unidos. Mas para que isso aconteça, é preciso que o Conselho Europeu esteja de acordo e que a Alemanha abra mão desse poder nas suas fronteiras para toda a Europa.

E o que pensa da União Bancária?

É mais uma vez um tiro ao lado. Quando não conseguem resolver um problema ou encontram um obstáculo, atiram ao lado. A União Bancária não resolve a política expansionista na Europa, que está a ficar para trás em relação ao resto do mundo.

Vamos para o seu tema preferido, a agricultura...

É possível fazer mais em conjunto com o turismo. Uns promovem locais, outros a gastronomia, e agora estamos a começar a trabalhar cada vez mais em conjunto para conseguirmos isso. A política deste governo foi a correcta para o sector. Percebeu que não podia cortar nas comparticipações do Orçamento para o investimento do PRODER e apesar de todas as dificuldades colocou sempre no OE as verbas necessárias para a comparticipação nacional. As ministras das Finanças e da Agricultura conseguiram sempre resolver o problema de financiamento. Não temos falta de investimento. O sector tem investido sempre mais de mil milhões de euros ao ano nos últimos cinco. O que quer dizer que investimos mais do que o dobro do custo do novo aeroporto ou a mesma coisa que o TGV. O ritmo tem sido alucinante. Mas com um grande esforço dos empresários e dos agricultores. Os fundos só cobrem entre 25 a 40% de todos os projectos. Tudo o resto é posto pelos produtores nacionais que tiveram de ir buscar dinheiro aos bancos a preços proibitivos. E é um investimento que não tem um retorno rápido. Nesta perspectiva, houve uma grande modernização, as novas tecnologias entraram em força e já temos o que a água proporciona, que é fundamental num país como Portugal. Tem também havido investimento público no Alqueva. A agricultura possibilitou também que se aumentassem exponencialmente as exportações através de empresas que já existem. O que quer dizer que o potencial com o investimento feito nos últimos anos é enorme. Se estamos a exportar o que estamos a exportar hoje, daqui a um ano ou dois poderemos estar a exportar muito mais. Tenho consciência que temos ainda um longo caminho a percorrer. Temos crescido nas exportações a dois dígitos mas ainda nos falta crescer muito para equilibrar a balança com o exterior. O objectivo é alcançar essa meta em 2020. Quatro mil milhões de euros para cobrir exportações ou substituir importações. O sector agrícola tem criado emprego, tem crescido, embora não esteja fora do caminho recessivo que o país está.

Ainda somos deficitários nos cereais...

Exportamos mil milhões de euros por ano em produtos hortícolas e frutícolas. O nosso maior défice está no trigo e na soja. Produzimos algum milho para incorporar nas rações dos animais. Mas em muitos casos não conseguimos ser competitivos com produtores externos por causa da produtividade dos terrenos e dos custos de contexto. O que significa que vamos continuar a importar esses produtos e a exportar outros O milho não é tanto assim, mas o preço da energia e da água pesam também. Julgo que dentro de mais alguns anos estaremos em equilíbrio total neste cereal. O que acontece é que os produtores se voltam para as culturas alternativas melhor remuneradas.

Não ficou surpreendido com a substituição de Capoulas Santos como deputado ao Parlamento Europeu?

O Capoulas Santos era uma mais-valia no Parlamento Europeu. Foi extraordinariamente importante para Portugal e com o prestígio que granjeou seria seguramente o deputado mais importante da comissão da Agricultura, o próximo presidente da Comagri. Com a sua saída, a agricultura portuguesa perdeu o maior trunfo dos últimos anos.

Quais são os seus objectivos para o seu sexto mandato?

Ao nível da política agrícola, implementar a PAC no dia 1 de Janeiro de 2015, através de uma legislação nacional simples e que apoie a agricultura nacional no esforço que estamos a fazer. Vamos ver como os partidos vão fazer a reforma intercalar em 2016 e o que vai sair dos acordos bilaterais entre a UE e os EUA, que pode ser uma oportunidade muito grande para impor ao resto do mundo modos de produção e reconhecimentos mútuos nas questões da denominação das políticas europeias. Em termos de política associativa, Bruxelas continua a ser um foco muito importante, há uma representatividade diferente e temos de continuar a trabalhar com os eurodeputados. Vamos reforçar a cooperação em termos internos entre as associações para que a produção nacional esteja mais agrupada para ganhar massa crítica para vender no mercado interno e externo. E estamos a organizar a ida dos produtores a feiras internacionais. A agricultura vive um bom momento ao nível da comunicação. Queremos que esta estruturação da nossa comunicação tenha um vector estratégico e que possa ajudar a esclarecer melhor os portugueses e os políticos daquilo que é a importância do sector. E criar uma situação em que a política não possa nunca mais andar para trás em relação ao sector. Durante muitos anos, sentimo-nos muito isolados.

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