terça-feira, 21 de outubro de 2014

Menos administração, mais associativismo

Paulo Pimenta de Castro

Os últimos 40 anos podem ser caraterizados, no que às florestas e às atividades florestais respeita, pela contração do papel da administração pública e pelo crescimento, sobretudo a partir de meados da década de 90, do número de organizações representativas das florestas privadas. Mas, terão estes factos tido um resultado global positivo?

A autoridade florestal do Estado tem assumido diferentes denominações nos últimos anos, mas foi na década de 80 que sofreu a maior contração, de duas direções gerais passou a uma e foi extinto um organismo setorial de regulação económica. O fomento florestal perdeu o protagonismo de uma direção geral para uma direção de serviços, a regulação económica foi deixada ao livre arbítrio dos mercados. Desde então, a Direção Geral das Florestas foi convertida para o Instituto Florestal, reconverteu-se em Direção Geral dos Recursos Florestais, renomeou-se Autoridade Florestal Nacional que fundiu-se mais recentemente com o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Todas estas metamorfoses tiveram contudo um traço comum, a perda e dispersão de atribuições e o empobrecimento em capacidade técnica e operacional.

Por outro lado, as últimas décadas caracterizaram-se pelo aumento explosivo, todavia desregrado, do número de organizações de produtores florestais, quer de âmbito sócioeconómico, mas sobretudo as de cariz sócioprofissional. Atualmente, regista-se a intervenção de várias confederações, muitas federações e uma multiplicidade de organizações regionais e locais que se assumem representativas dos interesses dos detentores das florestas privadas em Portugal. Embora muitas das organizações tenham surgido no âmbito da disponibilização de apoios públicos, as entidades públicas que disponibilizaram tais fundos não assumiram qualquer papel no planeamento no surgimento destas organizações. Nem mesmo os produtores florestais conseguiram ordenar o crescimento do movimento associativo nas florestas privadas.

Face a estes factos, a contração da administração e o aumento explosivo das organizações representativas das florestas privadas, que perfazem cerca de 98% da área florestal nacional, quais os resultados estatísticos que daí resultaram?

A análise dos elementos estatísticos, referentes a estas últimas décadas, não permite concluir que haja hoje uma melhor resposta ambiental, social e económica das florestas aos anseios dos cidadãos, muito pelo contrário. Ao longo das últimas décadas acentuaram-se os riscos na propagação de incêndios e na proliferação de pragas e de doenças, o abandono da gestão florestal agudizou-se, o êxodo rural não foi contido, a indústria perdeu peso económico e concentrou-se em meia dúzia de grupos empresariais, o emprego no setor registou um acentuado decréscimo, as exportações de produtos de base florestal contraíram.

Ao que os dados permitem visualizar, ao aumento de organizações representativas das florestas privadas não correspondeu um aumento no rendimento empresarial dos proprietários florestais, muito pelo contrário. O peso económico das florestas tem decrescido. Os preços dos bens produzidos nas florestas privadas têm-se degradado ao longo das últimas décadas, assim como tem diminuído a capacidade negocial da produção florestal. Ao mesmo tempo, tem sido cada vez mais notórias as queixas da indústria pela escassez de matéria prima nacional. Algo não bate certo portanto, algo está em falta.

Quem estará hoje em condições de assumir a coordenação e a operacionalização de medidas de fomento florestal, tão reclamadas pelas indústrias de base florestal? Como e quem assume o papel decisivo para um adequado funcionamento dos mercados, hoje em concorrência imperfeita?

Curiosamente, nunca a sociedade investiu tanto nas florestais nacionais como nas últimas décadas. Nunca o retorno desse investimento público teve um tão dececionante retorno. Pior, parece existir uma relação entre o aumento do investimento público e o aumento dos riscos associados à destruição das florestas nacionais.

Poderá concluir-se pela necessidade de mais administração florestal? Com certeza, por mais e seguramente por melhor!

Deverá concluir-se por menos associativismo florestal? Não seguramente, mas com certeza por melhor associativismo! Que não seja apenas um mero instrumento de ressonância de políticas governamentais, mas que se emancipe e assuma uma política de maior rendimento aos seus associados, mais emprego e maior sustentabilidade nas florestas e nas atividades florestais.

Com toda a certeza, terá de haver maior e melhor interligação entre a administração e o associativismo para um verdadeiro desenvolvimento rural e florestal em Portugal.

Não vejo contudo que exista atualmente capacidade política para uma mudança de rumo face àquele que tem sido evidenciado nas últimas décadas. Há todavia que manter a esperança, melhores dias virão. Importa pois estar atento às propostas que as várias forças partidárias farão a este propósito em 2015.

Lisboa, 20 de outubro de 2014

Paulo Pimenta de Castro 
Eng. Silvicultor
Presidente da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal

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