sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

No maior olival do mundo, a azeitona é aproveitada até ao caroço

Por Marta Cerqueira
publicado em 26 Dez 2014 - 11:00

São 10 milhões de oliveiras plantadas no Alentejo.O i foi visitar o lagar onde se faz azeite digno de Óscar
O telemóvel de Francisco Castanheira toca de dez em dez minutos, para conversas curtas de quem recebe e dá indicações práticas. É no engenheiro agrónomo que cai a responsabilidade de ser a ponte entre quem trabalha na apanha da azeitona e quem a recebe e trata no lagar. "Basta alguém no campo informar que a azeitona apanhou granizo, por exemplo, para que seja separada das restantes", explica enquanto tenta controlar a carrinha que teima em deslizar na lama que separa as filas de oliveiras que ocupam o horizonte. O todo-o-terreno continua no maior olival do mundo, com 10 mil hectares espalhados por 57 quintas e herdades. Em Ferreira do Alentejo, na Herdade do Marmelo, concentram--se 3,5 mil hectares, orientados para o Lagar Oliveira da Serra, ponto central de toda a propriedade.

A apanha - ou campanha, como lhe chama quem nela trabalha - começou em Outubro, "um pouco mais cedo que o habitual". A superprodução do ano anterior exigiu muito da planta, que dispõe assim de menos energia para crescer no ano seguinte, explica Francisco.

A viagem pelos caminhos estreitos que separam as filas de oliveiras acaba interrompida por uma das 25 máquinas que trabalham no terreno. Aquilo que parece uma máquina digna de deixar um rasto de destruição passa por cima das oliveiras deixando-as intactas, apenas sem as azeitonas. "A azeitona tem de cair à porrada", lembra o engenheiro. "Isso nem toda a tecnologia do mundo pode mudar." No entanto, o método usado de forma mecânica acaba por ser menos invasivo. Em vez de o trabalhador manejar a árvore com uma vara - como é hábito em produções mais tradicionais -, neste caso a máquina, em apenas um segundo, abana a árvore por inteiro, diminuindo o impacto na sua estrutura. A passagem dos métodos mais rudimentares para a mais alta tecnologia nem sempre foi fácil. "Contactamos pequenos produtores que não acreditavam ser possível fazer o trabalho com esta maquinaria. Eram coisas que nem sabiam que existiam", explica Francisco.

Durante os meses de campanha as máquinas trabalham 24 horas por dia, perseguindo as fileiras de árvores que, por terem sido plantadas por sistema GPS, estão milimetricamente alinhadas. Além disso, o controlo na plantação faz com que as árvores estejam alinhadas na direcção norte/sul, para conseguirem apanhar sol dos dois lados das fileiras.

Com a passagem da maquinaria, as azeitonas caem e são armazenadas em recipientes existentes no topo da máquina, para depois serem colocadas em reboques. Neste processo, a azeitona nunca toca no chão, o que ajuda à produção de azeite virgem extra, com total ausência de defeitos. É agora que começa a corrida: "Na passagem de azeitona a azeite passam quatro horas", explica Francisco, lembrando que o pouco tempo de espera para o processamento é fundamental para garantir uma maior qualidade. O cuidado em acompanhar o trabalho de produção tem sido reconhecido, com um dos azeites da marca a vencer o concurso Mário Solinas, uma espécie de Óscar do sector.

DA ÁRVORE À GARRAFA As azeitonas extraídas dos mais de 10 milhões de oliveiras plantadas nos diferentes pólos encontram-se no lagar de 5 mil metros quadrados, inaugurado em 2010. Nas traseiras, camiões e tractores fazem fila para descarregar as toneladas de produto que transportam todos os dias.

As azeitonas de vários tons vão caindo aos milhares em efeito cascata para depósitos subterrâneos por uma série de passadeiras rolantes que se cruzam e nas quais é feita a separação de folhas e ramos, e de onde são recolhidas pequenas amostras para análise. Quando é dado o acordo dos técnicos, as azeitonas passam para umas termobatedoras de onde sai uma espécie de pasta que posteriormente é direccionada para decantadores onde a gordura é separada da água que ainda resta. Depois de uma filtragem minuciosa, o resultado fica próximo do azeite que chega ao mercado.

Apesar de agora o azeite já estar em condições de ser armazenado nos 78 depósitos espalhados pelo lagar, não é isso que determina o fim do trabalho. Durante o processo de produção tudo é aproveitado: a água com que se lavam as azeitonas é usada para a rega e as folhas e ramos separados durante a selecção regressam aos campos como fertilizante. O líquido que fica quando se faz a separação do azeite e da água é aproveitado para bagaço, uma substância vendida para transformação em biocombustível ou ração para animais. No fim nem o caroço vai para o lixo. "O caroço é uma espécie de madeira, óptima para transformar em energia", diz Francisco. Os milhares de caroços que todos os dias são retirados às azeitonas acabam triturados em grandes máquinas, para depois serem queimados e servirem de combustível para aquecer o próprio lagar.

A partir dos depósitos é feito o transporte do azeite em camiões-cisterna para a fábrica de embalamento onde é engarrafado e rotulado. Do momento em que a azeitona sai da árvore até estar à venda em forma de azeite passam cerca de duas semanas, mas o processo só acaba no prato. "É preciso saber escolher", salienta Francisco, e deixa umas dicas: virgem extra para saladas e temperos, virgem para cozinhar.

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